De que se faz o desencontro entre a escola e a população cigana?

Investigadoras defendem apoio e acompanhamento personalizado e continuado.

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Adriano Miranda

A questão ocupa há muito estudiosos da população cigana como Olga Magano e Maria Manuela Mendes, do Centro de Investigação e Estudos em Sociologia do ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa. De que se constrói o desencontro entre a população cigana e o sistema de ensino?

Os distritos com maior número de alunos de etnia cigana são Lisboa (1962), Porto (1110) e Setúbal (1101), segundo um estudo divulgado esta segunda-feira pelo Ministério da Educação, referente ao ano lectivo 2016/2017. Em 2013/2015, aquelas investigadoras procuram respostas nos dois primeiros.

Andaram pelos bairros do Cerco e do Lagarteiro, no Porto, mas também no da Biquinha, em Matosinhos, no 2 de Maio, em Lisboa, no Casal do Silva, na Amadora, e no Quinta da Fonte, em Loures. Fizeram observação directa, entrevistaram ciganos residentes (73) e dinamizaram grupos focais com encarregados de educação ciganos, professores e técnicos (71).

O 1.º ciclo é um dado adquirido. Aí, os professores nem assinalaram grande diferença entre ciganos e não ciganos em matéria de sucesso escolar. Os problemas começam a surgir na transição para o 2.º ciclo. As crianças nem sempre sabem as matérias que estão para trás e têm de enfrentar uma diversidade de professores e disciplinas. A maior parte começa a faltar.

Magano e Mendes denotaram no discurso de professores e técnicos tendência para reproduzir ideias feitas. E, ao mesmo tempo, dificuldade em valorizar os aspectos positivos que podem advir da convivência cultural. Uns e outros entendiam que havia diferença de género e assumiam que, a partir de certa idade, os pais iam incentivar as raparigas a abandonar a escola.

Ninguém negará o fechamento relacionado com a história de exclusão, a defesa da cultura cigana, o estilo de vida. E é conhecida a vigilância reservada às meninas, nas quais a tradição assenta a honra das famílias, bem como a centralidade do casamento, que é ainda muito precoce (embora menos).

Num artigo intitulado “Constrangimentos e oportunidades para a continuidade e sucesso das pessoas ciganas”, publicado na revista de sociologia Configurações em Dezembro de 2016, as investigadoras aludem a outros factores: o deficitário estímulo cognitivo, os fracos recursos linguísticos, a pouca motivação para aprender, a inexistência de “expectativas em relação à escola – muitas vezes reforçada pelo desconhecimento de pessoas ciganas que tenham concluído o 9.º e o 12.º ano ou até mesmo ingressado o ensino superior” – e a “ausência de oportunidades e de impactos da escolarização na vida profissional”. 

Aquelas estudiosas realçam o contexto. As crianças ciganas portuguesas, como as de outros países, “aprendem, quase sempre, em ambientes desqualificados e segregados e muitas vezes são discriminadas pelos/as professores/as e vítimas de um ambiente hostilizante”.

O estudo foi feito em agrupamentos escolares abrangidos pelo Programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária. Talvez por isso, o absentismo e o abandono não surpreendessem os técnicos. Referiam os Percursos Curriculares Alternativos e as turmas do Programa Integrado de Educação e Formação como opção.

Para as investigadoras, era evidente a inexistência de um ambiente estimulante e de modelos positivos. A diferença poderia fazer-se com “apoio e acompanhamento personalizado e continuado por parte de pessoas de intervenção, professores, ‘ padrinhos’”. O que não quer dizer que nalguns casos não houvesse uma clara vontade individual ou familiar.

Encontraram casos de apoio familiar – entre pais/mães que não estudaram, pais/mães que estudaram e pais/mães que trabalham por conta de outrem – sobretudo aos rapazes. E viram como, até certo ponto, as amizades com colegas não ciganos podem funcionar como incentivo para continuar a ir à escola.

Conversando com as investigadoras, as duas lamentam que parte destes alunos continue à margem, em escolas ou turmas frequentadas quase só por ciganos. “Acaba por não haver um convívio intercultural”, diz Olga Magano, professora auxiliar do Departamento de Ciências Sociais e de Gestão da Universidade Aberta. “As crianças ciganas acabam por conviver umas com as outras e com os professores e funcionários, mas acaba por não acontecer o que é esperado que é a possibilidade de aceder a relações sociais, além de um conjunto de conteúdos escolares.”

Tanto Olga Magano, como Maria Manuela Mendes, professora Auxiliar na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, fazem a defesa da contratação de mediadores culturais. Não como “apagadores de fogos”, mas como construtores de relações de confiança através de um trabalho continuado.

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