Há um exoplaneta que pode ajudar a esclarecer o enigma do nosso Mercúrio

Equipa internacional com nove investigadores de Portugal assina artigo na revista Nature Astronomy que descreve pormenores sobre um novo sistema planetário chamado K2-229b.

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Impressão artística de um exoplaneta orbitando próximo da sua estrela ESO/L. Calçada

É do tamanho da Terra, mas não é a Terra. Tem uma composição química semelhante à de Mercúrio, mas não é Mercúrio. É um exoplaneta baptizado de K2-229b que foi descoberto à distância de 340 anos-luz e que pode ajudar os cientistas a encontrar algumas explicações para a estranha composição do planeta mais próximo do Sol do nosso sistema solar. É a primeira vez que se encontra um planeta com o intrigante desequilíbrio detectado em Mercúrio.

Marte, Vénus, Terra e outros planetas terrestres extra-solares possuem uma composição que, simplificando, tem 30% de um núcleo metálico e 70% de um manto de silicatos que cobre esse núcleo. Ora, Mercúrio é ao contrário, ou seja, é formado por 70% de um núcleo metálico e 30% de manto. Apesar de já terem sido avançadas algumas possíveis explicações para esta estranha “inversão” de factores na sua composição, não há certezas. As hipóteses dos astrofísicos apontam todas para algum factor externo que terá conseguido alterar a sua composição, mas falta identificar qual. Terá algo a ver com a proximidade do planeta com a sua estrela? Será o resultado de um fenómeno de evaporação do manto? Ou esta foi a consequência de um eventual impacto ocorrido há muito, muito tempo, com um grande “objecto” e que poderá ter removido uma parte substancial da capa que envolve o núcleo? Não há ainda respostas definitivas. O que temos agora é um planeta que tem essa intrigante composição em comum com Mercúrio.

2000 graus Celsius

No entanto, esta parece ser a única coisa que une o K2-229b a Mercúrio. A equipa internacional que fez a descoberta descreve no artigo publicado esta semana na Nature Astronomy uma série de características que o separa do nosso pequeno planeta mais próximo do Sol. O exoplaneta tem um tamanho parecido com a Terra e está muito próximo da sua estrela quando comparado do Mercúrio. Susana Barros, co-autora do artigo e investigadora no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e Universidade do Porto (UP), explica ao PÚBLICO que o K2-229b completa uma volta em torno da sua estrela em apenas 14 horas, enquanto um ano em Mercúrio tem a duração de 88 dias terrestres. “É muito mais quente do que Mercúrio”, sublinha. Durante o dia, a temperatura deste exoplaneta “é mais de quatro vezes superior à da face diurna do planeta mais pequeno do [nosso] sistema solar, podendo atingir os 2000 graus Celsius, o suficiente para fundir ferro”, especifica o comunicado do IA sobre este trabalho.

“O planeta K2-229b atraiu a atenção da equipa pelo tamanho muito semelhante ao da Terra. Porém, o seu núcleo metálico deverá perfazer 68% da massa, comparado com menos de um terço no caso da Terra. Este resultado não seria expectável tendo em conta a composição química da estrela-mãe”, comenta Vardan Adibekyan (do IA e da Universidade do Porto), um dos autores do estudo e que contribuiu para a caracterização química da estrela K2-229, segundo o comunicado sobre o estudo.

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Diagrama que representa a estrutura interna de Mercúrio: o núcleo metálico estende-se desde o centro até uma grande fracção do raio do planeta National Science Foundation

Assim, prossegue o comunicado, “esta estrela é um pouco mais nova e menos maciça do que o nosso Sol e tem uma proporção ligeiramente menor de outros elementos químicos mais pesados do que o hidrogénio e o hélio”. O desequilíbrio entre estrela e planeta à distância de 340 anos-luz é algo raro e que, até agora, só se sabia existir aqui perto, em Mercúrio. “Sabemos agora que há outro planeta que também tem esta estranha composição. Porém, temos de investigar mais para esclarecer as possíveis explicações. Este planeta, como Mercúrio, também está próximo da sua estrela, o que não exclui a possibilidade de uma relação entre a composição e a sua posição no sistema planetário, admite Susana Barros, acreditando que esta descoberta também pode ajudar a compreender a formação do nosso sistema solar.

Segundo a investigadora, é preciso agora descobrir outros planetas com esta estranha combinação de proporções entre o núcleo e o manto para esclarecer como é que planetas como Mercúrio se formaram e evoluíram. Entretanto, que fique bem claro que o K2-229b não está sozinho no seu sistema, tendo sido detectados dois outros planetas, K2-229c e K2-229d. “São duas super-Terras que estão mais afastadas da estrela, mas não foi possível medir as suas massas para ter mais detalhes”, adianta Susana Barros. Este sistema planetário foi detectado através dos dados do telescópio espacial Kepler, da NASA, e confirmado e caracterizado com o espectrógrafo HARPS, instalado num dos telescópios que o Observatório Europeu do Sul (ESO) tem no Chile.

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