Dezenas de países ocidentais expulsam diplomatas russos, Kremlin responde à letra

Theresa May diz que esta é “a maior expulsão colectiva de agentes de espionagem russos na História”. Só dos Estados Unidos saem 60. O ataque contra o espião Skripal pode ser o catalisador para o Ocidente definir o que é exactamente "o problema russo".

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Donald Tusk falou na possibilidade de medidas adicionais contra a Rússia de Vladimir Putin,Donald Tusk falou na possibilidade de medidas adicionais contra a Rússia de Vladimir Putin Reuters,Reuters
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A Alemanha anunciou a expulsão de quatro diplomatas russos FELIPE TRUEBA/EPA

O número de países que anunciaram a expulsão de diplomatas russos na sequência da tentativa de assassínio do antigo espião Sergei Skripal, no Reino Unido, continua a crescer – são já 22, incluindo 16 da União Europeia, num grupo em que, no entanto, Portugal está de fora.

É a maior expulsão colectiva de agentes de espionagem russos na História, disseram um após o outro Boris Johnson e Theresa May. Poderá ser um ponto de viragem para a relação com a Rússia, não só com a União Europeia mas também com os Estados Unidos.

Numa declaração no Parlamento, a primeira-ministra britânica congratulou-se com a solidariedade dos aliados, notando que é uma expulsão de uma dimensão sem precedentes – a acção afectou mais de cem diplomatas russos.

May disse que Londres tem “provas de que a Rússia investigou maneiras de distribuir agentes neurotóxico para assassínios”, e acrescentou que não há nenhum outro país além da Rússia “com uma combinação da capacidade, intenção e motivo para levar a cabo o ataque de Salisbury”.

Na emissora britânica BBC, o jornalista especializado em diplomacia Jonathan Marcus notava a extraordinária solidariedade da União Europeia, mas afirmava que "a mudança dos EUA é que poderá ser a mais significativa". Há dias, a Administração Trump falava de uma possível cimeira com a Rússia, agora anunciou a expulsão de 60 diplomatas - mais do que Ronald Reagan durante a Guerra Fria -, incluindo os que estão em território americano mas ao serviço na ONU, e o encerramento de um consulado russo, em Seattle.

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O tom de Washington tenderá a ser mais duro em relação a Moscovo, sublinha Marcus, com Mike Pompeo no Departamento de Estado vindo da CIA, onde teve contacto com informação sobre acções russas, e John Bolton, que defende há muito uma alteração da política para com a Rússia, no Conselho de Segurança Nacional. "Putin pode ter calculado mal", arrisca Marcus. 

"Resposta simétrica"

A Rússia, que nega qualquer responsabilidade no ataque contra Skripal (o antigo espião e a filha continuam hospitalizados em estado grave), disse que irá responder "de modo proporcional". A porta-voz do Governo russo, Maria Zakharova, condenou a União Europeia pela sua "interpretação pervertida de solidariedade" com o Reino Unido.

“A resposta será simétrica”, disse um responsável do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, sob anonimato, à agência RIA. “Vamos trabalhar nisso nos próximos dias e responderemos a cada país”, garantiu.

No Twitter, a conta da Embaixada russa nos EUA fazia uma sondagem: "A Administração dos EUA ordenou o encerramento do consulado russo em Seattle. Que consulado americano fecharias na Rússia, se a decisão fosse tua?"

Na Rússia, o momento é delicado. A intensa cobertura da expulsão dos diplomatas nos media foi vista de modo muito crítico por muitos pelo contraste com as poucas notícias sobre um terrível incêndio num centro comercial em Kemorovo, na Sibéria, em que morreram pelo menos 64 pessoas, incluindo crianças. A CNN nota que Putin acabou de ser reeleito prometendo melhorias na vida do dia-a-dia dos russos.

Europa dividida

Na cimeira europeia de sexta-feira, um grupo de dez países tinha já manifestado apoio ao Reino Unido pelo ataque – França, Polónia, Alemanha, Irlanda, Holanda, Estónia, Lituânia, Letónia e República Checa e Dinamarca.

"A decisão foi ponderada", disse o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Heiko Maas, mas até agora a Rússia não mostrou quaisquer esforços de apoiar investigações depois do ataque de Salisbury, justificou.

Alguns destes países começaram o processo esta segunda-feira. Riga, Vilnius, Talin e Varsóvia chamaram os embaixadores russos aos seus ministérios dos Negócios Estrangeiros, indica a BBC. Em Espanha a entrega da nota sobre a expulsão de dois diplomatas foi atrasada porque o embaixador russo estava ausente e não foi possível comunicar-lhe a decisão.

A Croácia anunciou pouco depois que iria declarar um diplomata russo persona non grata, disse o primeiro-ministro Andrej Plenkovic; a Suécia também declarou que expulsava um diplomata sublinhando que esta não é uma questão "bilateral" entre o Reino Unido e a Rússia.

Ao longo do dia, mais um e outro país foram fazendo os seus anúncios, e de 14 passaram a pelo menos 22 (além do Reino Unido, que já expulsou 23 diplomatas russos). Entre eles estão dois países candidatos a entrar na UE, Albânia e Macedónia. 

O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, falou desta acção dos europeus como "resultado directo da decisão do Conselho Europeu" de sexta-feira. "Não é de excluir a possibilidade de medidas adicionais, incluindo mais expulsões neste quadro comum". 

Mas esta questão não é de todo unânime na União Europeia: o diário britânico The Guardian dizia que alguns países já fizeram saber ao Reino Unido que não estão preparados para tomar este passo: tratar-se-á, além de Portugal, da Áustria, Bulgária, Chipre, Malta, Eslováquia, Eslovénia, e Luxemburgo.

Fora da UE, os Estados Unidos destacam-se pela dimensão da resposta. Nikki Haley, a embaixadora norte-americana na ONU, disse que os diplomatas russos na organização agora expulsos se envolveram em actividades fora do âmbito da sua condição oficial. “Aqui em Nova Iorque, a Rússia usa as Nações Unidas como um local seguro para actividades perigosas dentro das nossas fronteiras”, disse.

O Canadá, por seu lado, expulsará três diplomatas que suspeita de interferência em assuntos internos ou espionagem. E a Ucrânia, que está em conflito com a Rússia desde a anexação da Crimeia por Moscovo em 2014, anunciou que iria expulsar 13 diplomatas. O Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, pediu ainda um aumento da pressão sobre Moscovo através de sanções financeiras e económicas.

Enquanto ainda resta ver se a resposta russa segue a reciprocidade prometida, este parece um momento para o Ocidente definir exactamente o que considera ser "o problema russo" – e ao ajudar a começar a defini-lo, diz o jornalista Jonathan Marcus, o ataque a Skripal poderá ser o catalisador para que comece a ser resolvido.

Esta segunda-feira, o Governo islandês anunciou que a selecção do país iria boicotar a sua presença no Mundial de futebol, que acontece em Moscovo entre 14 de Junho e 15 de Julho. "Entre as medidas tomadas pela Islândia está o adiamento temporal do diálogo bilateral ao mais alto nível com as autoridades russas. Em consequência, os líderes islandeses não assistirão ao Mundial de futebol, na Rússia", assinalou, em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Islândia.

As expulsões:

EUA: 60 diplomatas
Canadá: 4
Ucrânia: 13
Albânia: 2
Noruega e Macedónia: 1
União Europeia  – 
França, Alemanha, Polónia: 4
República Checa, Lituânia, Dinamarca: 3
Holanda, Itália e Espanha: 2
Estónia, Croácia, Finlândia, Letónia, Roménia, Hungria, Suécia: 1

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