“Não voltamos atrás na legislação laboral”

“É inadmissível” para a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), hoje, voltar a negociar a “reforma estrutural” feita na legislação laboral, diz Oliveira e Sousa.

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Nuno Ferreira Santos

Em entrevista – dada antes de o primeiro-ministro António Costa anunciar a nova taxa para penalizar contratos a termo e do ministro Vieira da Silva a apresentar, na sexta-feira, na concertação social –, Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da CAP, recusou voltar atrás na reforma da legislação laboral feita durante o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) ao país.

Na concertação social, quais são hoje as prioridades da CAP?
A bandeira da CAP é a bandeira da estabilidade e da evolução e do crescimento do sector. E isso precisava que ao nível da concertação determinados assuntos fossem estudados fora da actual carga política pelo lado do poder instituído que está a governar Portugal. O Governo e o Parlamento não vêem necessidade de levar à concertação social determinadas matérias porque têm a possibilidade de tomar a decisão que entenderem. Nos salários, foi exactamente o que aconteceu com a questão da não assinatura por parte da confederações patronais do denominado acordo de salário mínimo. Que nada tem a ver com o salário mínimo. O que é que havia para negociar e sermos objectivos? Tudo aquilo que podia levar as empresas a encaixarem com mais facilidade a repercussão associada ao salário mínimo. Porque o salário mínimo é o início de uma escada que faz mexer toda uma tabela, e aí nós sentimos uma parede: o regime fiscal é pesadíssimo. A primeira vontade que os empregadores tiveram foi tentar negociar com o Governo por exemplo, mexer na taxa de IRC. Cedo nos apercebemos que era matéria onde não valia a pena insistir. Então vamos buscar outras que associadas possam diminuir a carga fiscal: pagamentos por conta, taxa para o fundo de compensação do trabalho...

A TSU [Taxa Social Única], não?
A TSU foi abandonada, até porque correu muito mal no ano passado. Não estava cá, mas foi acordado com este Governo que a TSU baixaria no ano de 2017 e o Parlamento chumbou essa medida. E por isso fomos procurar outras tentativas para minimizar os encargos fiscais das empresas. Mexer no fundo de compensação do trabalho nem sequer é mexer na fiscalidade, é mexer na tesouraria das empresas. Mexer no pagamento por conta não é mexer na fiscalidade, é mexer na tesouraria das empresas e do Governo, que está a utilizar as empresas para se financiar. E não o conseguimos obter. O Ministério das Finanças fechou-se completamente.

Então qual é a via?
Não havia condições para estarmos a colocar uma nova assinatura em cima de um documento que não tinha por que discutir o valor do salário porque estava decidido, e não havia “nenhumas” contrapartidas. Se me pergunta se o salário em vez de 580 podia ser 582 ou 583 euros,  acho que sim, mas era preciso que tivesse havido uma abertura dos ministérios das Finanças e do Trabalho no sentido de mexer nisto. Mas não chegámos lá.

O que está a dizer é que o salário mínimo poderia ter sido superior a 580 euros em 2018 caso os empregadores tivessem visto abertura do Ministério das Finanças sobre contrapartidas?
Contrapartidas fiscais e de tesouraria, que de facto não houve. Passado este período, a concertação, neste momento, pela tal força dos partidos que dão suporte ao Governo, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, já estão a querer trazer para cima das negociações as alterações à legislação laboral – é inadmissível.

Considera que é inadmissível?
O que é que está a acontecer ao desemprego? Está a diminuir progressivamente. Então significa que as alterações que foram provocadas na legislação laboral não estão a prejudicar os trabalhadores.

Portanto, não voltam atrás? Não aceitam negociar um acordo para a legislação laboral?
Nós não voltamos atrás. O sector agrícola, enfrentando o drama da seca, e com o ano que assolou o país com os incêndios — quer queiramos, quer não, estão biliões de euros queimados naquelas matas — não está em condições de dizer que vive um período folgado de rentabilidade e de rendimentos. Além disso, o sector agrícola que mais mão-de-obra utiliza é o associado aos produtos colhidos manualmente. Há uma força de trabalho manual muito importante que não pode ter um salário descomunal. Dizer que podia ser 580 ou 582 euros é uma coisa, falar em 615 ou 650 euros, como fala o PC, é perfeitamente absurdo. Significaria o quê? Não emprego dessas pessoas e até talvez um acréscimo de desemprego dos trabalhadores portugueses que estão a trabalhar nessas áreas. O sector agrícola, que paga maioritariamente acima da tabela, recorre ao salário mínimo para o trabalho sazonal associado às colheitas. E, por isso, consideramos que ao nível da concertação social neste momento não há condições para encetar uma conversa porque não vai dar origem a negociações. Vai dar origem a uma decisão que é politicamente assumida pelo Parlamento. E não queremos de maneira nenhuma facilitar esse tipo de diálogo, porque consideramos que não estão criadas as condições. Uma área em que nós, neste momento estamos muito carentes é na área da formação profissional, que levou imensos cortes — creio que o Governo está a olhar para isso.

E se o Governo, o BE e o PCP decidirem alterar, de qualquer das formas, independentemente da concertação social?
Espero que isso não aconteça. Se isso acontecer assim, é um recado, em que o Governo diz que a concertação não serve para nada. A concertação precisa, pelo contrário, de ser um local de concertar ideias e estratégias. Mais do que transformar a concertação numa espécie de micro-parlamento. Nós não estamos ali para nos digladiarmos.

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