Marcelo preocupado com atraso na resposta aos fogos deste ano

Chegados quase ao fim de Março e ainda sem uma proposta de Lei Orgânica da Protecção Civil, a solução para os incêndios de 2018 parece estar no reforço de meios humanos e aéreos.

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"Este relatório dá um grande contributo”, disse o Presidente sobre o documento da Comissão Técnica Independente LUSA/MIGUEL A. LOPES

Há uma parte do relatório sobre o incêndio de Outubro que causou especial interesse – e apreensão – em Belém. Está entre as páginas 234 a 236 e diz, por outras palavras, que é preciso mudar tudo, de alto a baixo, nas estruturas operacionais da Protecção Civil, desde reforçar o poder do Governo sobre os bombeiros a acabar com o voluntariado. E o tempo está a esgotar-se. Faltam pouco mais de dois meses para começar a época de incêndios de 2018 e o grupo de trabalho que ficou de apresentar uma nova Lei Orgânica da Protecção Civil ainda nem deu sinais de vida.

Em Novembro de 2017, na altura da posse do tenente-general Mourato Nunes como presidente da Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC), o ministro Eduardo Cabrita anunciou uma nova lei orgânica da Protecção Civil. E pôs um prazo para ela estar pronta: Março de 2018. Seriam estas as preocupações que o Presidente da República tinha em mente quando se mostrou disponível, na quarta-feira, para aprovar alterações a leis que entretanto estão em vigor, em matéria de incêndios, e que deveriam, de acordo com o relatório da Comissão Técnica Independente, ser alvo de revisão.

“Este relatório dá um grande contributo”, disse nesta quinta-feira o Presidente sobre o trabalho da comissão liderada por João Guerreiro, mas há mais a fazer. "Uma parte disso implica reestruturações (que o Governo começou a fazer avançar e que são de médio-longo prazo. Depois haverá decisões do Governo e decisões administrativas de curto prazo”, acrescentou Marcelo à margem de uma iniciativa sobre voluntariado.

Ao que o PÚBLICO apurou, Marcelo Rebelo de Sousa receia que o que está a ser feito para este ano não seja suficiente e que a única solução passe por colocar no terreno mais meios humanos e contratar meios aéreos. Uma pressão que António Costa e os seus ministros, além do próprio Presidente, poderão sentir no terreno no próximo fim-de-semana, quando participarem na grande campanha de limpeza de terrenos, frente-a-frente com as populações que foram mais afectadas em 2017 ou que poderão sê-lo este ano.

É que há, de facto, problemas que ainda não estão resolvidos. No que toca ao reforço de homens no terreno, o Governo garante que os GIPS (Grupos de Intervenção de Protecção e Socorro) já estarão reforçados com 600 elementos, mas os bombeiros ainda não perceberam como será articulado o trabalho entre os voluntários e estes homens, que passarão a assumir o comando em alguns locais já este ano. No que diz respeito aos meios aéreos, ainda está quase tudo para fazer. O primeiro concurso garantiu apenas dez helicópteros ligeiros para todo o ano e o novo concurso para alugar as 40 aeronaves em falta só deverá ter resultados em Abril

No capítulo das decisões administrativas de curto prazo referidas pelo chefe de Estado também há algumas que já podiam estar tomadas, mas que continuam em falta - e Marcelo sabe-o. Ainda não foram nomeados, por exemplo, os três segundos comandantes da Protecção Civil (de Beja, Coimbra e Viseu) que viram as suas comissões de serviço chegar ao fim entre Setembro de 2017 e Janeiro de 2018.

No interior da própria ANPC questiona-se o facto de nada ter acontecido desde os incêndios ao nível da estrutura operacional, à excepção da nomeação de um novo Comandante Nacional (António Paixão) e de uma nova segunda Comandante Nacional (Patrícia Gaspar).

O relatório elaborado pela Comissão Técnica Independente, a que João Guerreiro presidiu, é muito detalhado e exaustivo nas recomendações que têm a ver com a gestão das operações. “Recomendamos a criação de uma Unidade de Missão para a elaboração de proposta de Reorganização Estrutural do Sector Operacional de Bombeiros, com a missão de definir: a) competências e modelo de estrutura para o exercício da tutela do Estado; b) redefinição da missão, quadrícula de meios de socorro e sua distribuição no território do continente; c) caracterização das atribuições de Comando Operacional em operações de protecção civil, a nível nacional, distrital e municipal; d) definição de perfis funcionais e modelos de qualificação e recrutamento dos cargos de comando; e) estabelecimento de carreiras profissionais; f) identificação do modelo de financiamento da estrutura de socorro confiado a bombeiros, e g) incorporação de conhecimento técnico e científico”, lê-se no documento.

O relatório propõe ainda uma revisão que incida na missão do Posto de Comando Operacional que deve dispor “da capacidade e do dinamismo necessário para, em situações de excepção, poderem ser tomadas medidas de excepção, e conclui que “da análise dos incêndios de Junho e Outubro de 2017, com particular incidência nestes últimos, constata-se que muito do que está instituído foi posto em causa”. Esta é uma frase a que o Governo deveria dar especial importância e que pode também ter levado o Presidente a disponibilizar-se para apoiar as necessárias alterações à lei.

Se as conclusões deste relatório podem ou não ter efeitos na imagem do Governo, nas sondagens que se seguem, é uma incógnita que nem o comentador Marcelo poderia decifrar. Mas o que o Presidente Marcelo começa a perceber é que o PSD não está a aproveitar estas oportunidades para fazer oposição. Até agora, na direcção laranja, só Fernando Negrão falou sobre o assunto. "O facto central é terem sido pedidos reforços de meios ao Governo e, na maioria das situações, o Governo não correspondeu a esse reforço de meios", criticou o líder parlamentar, à saída de uma reunião da bancada, referindo que o PSD vai pedir um conjunto de audições, a realizar nas comissões parlamentares de Assuntos Constitucionais e de Agricultura, que incluirão os autores do relatório da Comissão Técnica Independente, o anterior presidente da ANPC e representantes das associações de vítimas e entidades ligadas à floresta.

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