Emoção, eu amo-te

Como não podemos consumir coisas, infinitamente, mas emoções sim, é preciso apelar à emoção para vender. Ou para controlar

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Adorei aquele vídeo super viral do avozinho que simula que morreu mas afinal está vivo. Quase fiquei a achar que sou muito má pessoa por não dar atenção a quem merece e apenas lembrar-me do que é importante na hora da despedida. Estive mesmo perto de me sentir uma grande gananciosa que põe o trabalho à frente do mais importante, o amor. Mas não. Achei que não estou mais tempo com determinadas pessoas por dois motivos básicos: ou porque elas não me fazem sentir bem ou porque, efectivamente, não tenho tempo.

O problema deste vídeo é apelar à auto-culpabilização, o que é muito duvidoso. Na sociedade contemporânea, bué da neoliberal, as pessoas não socializam mais porque estão exaustas. Trabalham demais, no e fora do trabalho. E têm, realmente, muito pouco tempo para fazerem o que lhes apetece, com quem gostam. Por isso é que este vídeo não serve para nada e é apenas um sintoma desta nova tendência da exploração das emoções como recursos para aumentar a produtividade e o rendimento. Os objectivos são manipular os nossos instintos mais básicos e criar instabilidade, os dois pontos de partida para o consumo inconsciente.

Como não podemos consumir coisas, infinitamente, mas emoções sim, é preciso apelar à emoção para vender. Ou para controlar. É por este motivo que, agora, nas grandes empresas, só se fala em capital humano, gestão de recursos humanos, gestão emocional e mais não sei quantas formas sofisticadas de dizer “como controlar pessoas e levá-las a fazer o que nós queremos”, que é apenas uma coisa: aumentar o rendimento delas, para aumentarmos o nosso lucro, ou a nossa notoriedade, de acordo com a actividade da empresa. Porque dominar um objecto é muito mais fácil do que dominar uma pessoa. Os seres humanos, que, dizem os grandes livros de gestão, são “o factor-chave das empresas”, são um bocado complexos, pelo que é preciso perceber bem como eles funcionam e fazer com que ganhem amor à camisola. Só que é à camisola do empregador, não à do empregado.

Resumindo, o apelo à emoção é uma forma de alcançar os nossos instintos mais básicos e explorá-los a um nível pré-reflexivo, desprovido de consciência explícita, cujo objectivo é influenciar as nossas acções. Ou seja, pretendem induzir-nos a comprar, ou a comportarmo-nos de uma determinada forma, que beneficie quem a explora. A emoção é, assim, uma forma muito bonita, e eficaz, de manipulação.

Depois de ver este vídeo, alguém vai passar a visitar regularmente o avô, o tio ou o primo? Não. Mas é bem capaz de comprar umas coisas que estão ali à mão, para consolar a alma angustiada pela falta de tempo, seja para os visitar, seja para descansar, seja para fazermos qualquer coisa que, pelas nossas limitações, queremos fazer mas não conseguimos.

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