Em dois anos, 37 vereadores assassinados - no Brasil, o político local é o alvo a abater

Nos últimos dois anos, pelo menos 37 vereadores foram assassinados. A violência tornou os brasileiros receptivos ao autoritarismo.

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Marielle Franco foi morta a tiro no Rio de Janeiro Reuters/RICARDO MORAES

O homicídio da vereadora da câmara do Rio de Janeiro e activista brasileira, Marielle Franco, e do seu motorista, Anderson Gomes, teve o condão de apontar a atenção mediática no padrão de assassínios de políticos municipais - nos últimos dois anos, 37 vereadores foram mortos. E também de lançar a busca pelas razões na base desta violência.

O presidente da União dos Vereadores do Brasil, Gilson Conzatti, explicou ao jornal O Globo que este conflito entre o poder político e o crime é mais intenso nas pequenas localidades, longe do olhar mediático: “O vereador, quando se propõe fiscalizar, fica sujeito a riscos se existem pessoas mal-intencionadas do outro lado”.

Conzatti pega no exemplo de Marielle Franco como alguém que estava a incomodar o poder por estar a fazer “aquilo que um vereador deveria fazer”.

O sociólogo Francisco Amorim, do Grupo de Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nota ao mesmo jornal que os homicídios de políticos têm ocorrido com mais frequência onde o crime organizado “está mais estruturado” e em momentos “em que há uma disputa pelo controlo social da população de modo mais amplo”.

O recorde do Ceará

Na semana passada os holofotes viraram-se para o homicídio de Marielle Franco. Imediatamente surgiram suspeitas de assassínio político. Apesar do mediatismo que este crime suscitou, as mortes de políticos locais brasileiros foram uma constante nos últimos anos.

Uma semana depois da morte de Marielle, na terça-feira, Paulo Teixeira, vereador suplente, foi também morto a tiro quando seguia num carro em Magé, município da região metropolitana do Rio de Janeiro.

Estes dois casos vêm engrossar a lista de crimes deste tipo no Brasil.

À falta de dados oficiais, várias instituições avançaram para os seus próprios estudos: segundo um levantamento efectuado pelo site Congresso em Foco, entre Janeiro de 2016 e Março deste ano, pelo menos 36 vereadores foram mortos no exercício do seu mandato. Se juntarmos a esta estatística o homicídio de Paulo Teixeira, o número sobe para 37. O estado do Ceará lidera este ranking, com sete políticos em exercício assassinados. Seguem-se o Maranhão e o Pará, com quatro cada.

O Globo fez também a sua contabilidade mas alargou o âmbito: entre 2017 e 2018, pelo menos 40 vereadores, ex-vereadores, prefeitos e antigos prefeitos, foram mortos.

Mas há mais. De acordo com um levantamento preliminar dos dados da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro do jornal Valor Económico, entre 2000 e 2016, foram assassinados 79 candidatos eleitorais (os caso de Marielle e de Teixeira não se incluem aqui pois não estavam em campanha). Destes, 91% eram candidatos municipais.

As estatísticas apontam para uma conclusão: os políticos locais são neste momento um alvo a abater no Brasil.

Milícias suspeitas

Apesar de as autoridades não terem ainda apontado suspeitos concretos no homicídio de Marielle, de Teixeira, ou da maioria destes políticos, o nível de organização e de método destes crimes faz com que alguns analistas apontem para as milícias.

Estas organizações criminosas podem ser consideradas uma versão contemporânea dos grupos que começaram a ser formados nos anos 1950, constituídos essencialmente por polícias e militares que começaram a executar os inimigos de quem os contratava. Actualmente são maioritariamente formados por antigos polícias, militares ou até por membros em activo das forças de segurança.

Segundo o El País Brasil, as milícias controlam territórios do Rio de Janeiro onde vivem mais de dois milhões de pessoas. Perseguem o lucro, entrando muitas vezes em confronto com as organizações do tráfico de droga.

Nos últimos anos, as sucessivas intervenções do Estado brasileiro contra o crime organizado pouco efeito teve na actuação das milícias. A estratégia relativamente ao tráfico de droga, muitas vezes militarizada e assente no controlo da comunidade, não é a mesma da aplicada a estes grupos paramilitares.

Ao El País Brasil, Michel Misse, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que para este combate é fundamental o trabalho de inteligência da polícia que é, ao mesmo tempo, um dos seus pontos fracos: “Prova disso é que 90% dos presos no Brasil foram detidos em flagrante”. Além disso, o sociólogo aponta ainda o corporativismo nestas forças como um entrave ao seu combate: muitas vezes, o criminoso é colega do agente da autoridade.

Apoio ao autoritarismo

Um estudo realizado pela organização sem fins lucrativos Fórum Brasileiro de Segurança Pública no ano passado, intitulado “Medo da Violência e Autoritarismo no Brasil”, concluía já que os brasileiros têm cada vez mais tendência a apoiar o autoritarismo político desde que isso lhes confira maior segurança. Numa escala de zero a dez, a população brasileira chega aos 8,1 no apoio a posições autoritárias. Esta é uma das consequências do aumento exponencial do crime violento na sociedade brasileira.

Um mês depois de o Presidente brasileiro, Michel Temer, ter ordenado uma intervenção federal no Rio de Janeiro – enviando o exército para conter o crime organizado – e ainda antes da morte de Marielle, o especialista de marketing político, André Torretta, divulgou o estudo intitulado “Rio de Janeiro e a violência: O grande facto político do momento”. Aí conclui que a população carioca duvida do sucesso da operação.

Mas, depois de cruzar dados e realizar várias entrevistas, Torretta conclui também que a intervenção militar no Rio simboliza “o regresso do populismo pelas mãos da direita”, como explica ao El País Brasil.

Lembrando que o populismo foi uma arma política conotada com a esquerda, Torretta diz que a acção militar de Temer é vista uma “acção de marketing eleitoral” com o objectivo de aumentar os apenas 6% de popularidade que o actual Presidente detém neste momento.

Os problemas relacionados com a segurança não se limitam às ruas do Rio de Janeiro. Com uma média de 60 mil homicídios por ano, o Brasil tem uma das mais altas taxas no mundo.

Fenómeno Bolsonaro

A frustração dos brasileiros gerada pela incapacidade de garantir a sua segurança está a chegar a um limite. Com as eleições a aproximarem-se, há um pré-candidato que tornou a questão da segurança a base do seu discurso: Jair Bolsonaro.

Este deputado federal conhecido pelo apoio à ditadura militar e pela ligação à extrema-direita, aproveitou o “regresso do populismo pelas mãos da direita” através da questão da segurança, e tem prometido enfrentar o problema como nenhum outro Presidente foi capaz de o fazer. Uma das propostas que apresentou foi a flexibilização da posse de arma: “Vocês terão armas de fogo”, disse Bolsonaro no ano passado aos seus apoiantes.

Esta abordagem tem sido uma das principais razões para que Bolsonaro apareça em segundo lugar nas sondagens. Está apenas atrás de Lula da Silva, que poderá ser impedido de concorrer às eleições devido à condenação judicial de que foi alvo.

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