Lei que legaliza a Uber só chega ao terreno no Verão

PS encurtou prazo para a entrada em vigor do novo regime, de seis para três meses. Plataformas electrónicas serão consideradas operadores de transportes e a contribuição que vão pagar será definida pelo Governo.

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O regime aprovado em comissão — sobretudo pelo bloco central PS-PSD — deve ser votado em plenário no dia 23 ou na semana antes da Páscoa BRUNO LISITA

As regras que legalizam a actividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados (TVDE) a partir de plataforma electrónica só começarão a ser aplicadas no Verão. Mesmo em cima do final da maratona de três horas e meia das votações que esta quarta-feira aconteceram na Comissão de Economia, o PS fez uma proposta de alteração para que a lei entre em vigor não seis meses após a sua publicação mas três meses depois. O regime jurídico que regula a actividade de empresas como a Uber, a Cabify ou a Taxify foi aprovado e é possível que suba ao plenário para a votação final já no dia 23 ou na semana antes da Páscoa, prevê o presidente da comissão, Hélder Amaral. Até lá, será preciso que os serviços do Parlamento “cozinhem” um documento final que resulta de boa parte dos diplomas do Governo e do PSD e das alterações propostas por PS, CDS-PP e Bloco – aprovadas essencialmente pelo bloco central que funcionou pela primeira vez na era Rui Rio.

O BE, que tem também um projecto de lei, viu rejeitada a larguíssima maioria dos seus artigos, mas o deputado Heitor de Sousa afirmou que o partido vai forçar a sua votação em plenário, para marcar posição.

Voltando ao percurso da lei: depois de aprovado o texto no plenário, será remetido para Belém para promulgação e posterior publicação em Diário de República. Uma vez publicada, a lei só entrará em vigor “no primeiro dia do terceiro mês seguinte”, ou seja, nunca antes do meio do Verão, para permitir uma adaptação das empresas às novas regras.

Mesmo assim, será quase dois anos depois de a proposta do Governo ter entrado no Parlamento. O deputado socialista João Paulo Correia defendeu que se chegou a uma “regulamentação boa, rigorosa e exigente para todos os agentes que actuam no sector, das plataformas aos operadores, das empresas aos veículos, passando pelos consumidores". E Emídio Guerreiro puxou dos galões, vincando que o PS acabou por se aproximar do modelo de negócio proposto pelo PSD – por exemplo, por as plataformas electrónicas serem classificadas como operadores de transportes.

Taxa por fixar

Para já, fica por clarificar quanto é que as plataformas electrónicas, como a Uber, vão ter de pagar de “contribuição”, depois de o PSD ter amenizado a sua proposta inicial para conseguir o apoio do PS. Em vez de uma “taxa” de 5%, terão que pagar uma “contribuição” no mínimo de 0,1% e no máximo de 2% sobre o valor de intermediação que cobram aos operadores dos veículos de transporte de passageiros. PCP e BE votaram contra o valor e ouviram Emídio Guerreiro (PSD) observar que, assim, ainda se cobra alguma coisa, ao passo que a esquerda não queria taxar nada.

A percentagem será fixada pelo Governo através de portaria dos ministérios das Finanças e do Ambiente (que tutelam os transportes), sendo que 40% irá para o Fundo para o Serviço Público de Transportes, 30% para o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) e os restantes 30% para a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (o regulador). Os operadores de plataforma electrónica terão de entregar à AMT dados da “actividade realizada por cada motorista e cada viatura, nomeadamente o número de viagens, o valor facturado individualmente e a respectiva taxa de intermediação efectivamente cobrada”. Esta margem não poderá além dos 25% do valor da viagem - por proposta do PSD.

Caberá também ao Governo fixar o número obrigatório de horas de formação dos motoristas, depois de o PS e o PSD proporem 50 horas. Mas como o executivo está a rever as normas para os taxistas, espera-se que as exigências nesta área sejam equivalentes, como defendem PCP e BE. Outras duas aproximações do PS aos partidos à sua esquerda foram a de obrigar os motoristas a terem um contrato de trabalho com o operador, dono da frota, e a de ser necessário o licenciamento da actividade por parte do IMT (como defendeu o PCP), quando a proposta de lei inicial do Governo previa apenas uma “comunicação prévia”.

No caso dos motoristas, estes não vão poder trabalhar mais de dez horas por dia, “independentemente do número de plataformas” com as quais trabalhem (não há regime de exclusividade), por proposta do PSD. E os socialistas aprovaram uma proposta do PCP que prevê que o sistema informático registe os tempos de trabalho do motorista e o cumprimento dos limites de tempo de condução e repouso.

Responsabilizar toda a cadeia

O PS aceitou também que as plataformas electrónicas passem a ser classificadas como operadores de transportes, tal como as empresas donas das frotas. A intenção é cumprir as decisões do Tribunal de Justiça Europeu nesse sentido e poder “responsabilizar” toda a cadeia que actua no sector, defendeu Emídio Guerreiro (PSD). Bruno Dias (PCP) lamentou o chumbo da proposta que exigia que as plataformas estivessem registadas como empresas em Portugal, em vez de serem multinacionais sem ligação a Portugal, e que os servidores também estivessem em território nacional.

Uma novidade é a introdução de uma proposta do CDS, aprovada por unanimidade, que estipula a obrigatoriedade de ser possível solicitar um veículo “capaz de transportar passageiros com mobilidade reduzida, bem como os seus meios de locomoção”, sem custo extra e sem que o tempo de espera possa exceder a meia hora.

Quanto aos preços, estes serão definidos livremente pelas TVDE, mas pode ser usada uma tarifa dinâmica em alturas de maior procura que não pode exceder a média das tarifas das últimas 72 horas. Os táxis têm estado frontalmente contra a legalização deste tipo de concorrência, e alegam que têm taxímetro e os preços estão convencionados. Ao contrário dos táxis, os TVDE não ficam limitados a contingentes - número máximo de veículos estipulado pelos municípios, medida defendida pelo BE e PCP – e não têm obrigações e benefícios públicos. E só os táxis têm benefícios fiscais e acesso aos corredores BUS.

A assistir às votações estiveram representantes do sector. Carlos Ramos, da Federação Portuguesa do Táxi, vai aguardar pela versão final mas disse esperar que os deputados “se preocupem com o sector, encontrem soluções e novas regras que se apliquem a todos”. E Pedro Pinto, da MyTaxi (uma plataforma já usada pelos táxis), limitou-se a considerar o que foi aprovado um “passo positivo para a clarificação do sector”.

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