Uma breve mas intensa história

Na sua corrida contra o tempo, Stephen Hawking parecia não saber parar. E ficará, sem dúvida, gravado neste filme do Universo.

O tempo põe-nos sempre um pouco mais nervosos do que o espaço, provavelmente por o associarmos ao tique-taque dos relógios. O espaço é relativamente fácil de vencer porque é algo estático. Espanha está sempre ao nosso lado, à mesma distância, e se não for lá hoje, posso ir amanhã. O tempo, por outro lado, corre: ontem acabou e o amanhã aproxima-se a passos rápidos. Existe uma perspectiva mais conciliadora, segundo a qual o tempo e o espaço coexistem, como se o tempo fosse semelhante a uma sequência de fotogramas de um filme. Nesta perspectiva, não nascemos nem morremos, somos um acontecimento num dado sítio e num dado tempo. Hoje, ao visionarmos este filme veremos certamente Stephen Hawking.

Foi, sem ponta de exagero, um homem que alargou o horizonte da humanidade. Entre muitas outras coisas, mostrou-nos que a teoria de Einstein dá origem a inevitáveis “singularidades” quando a matéria colapsa e cai sobre si mesma. Uma singularidade são pontos (do espaço-tempo) onde as leis conhecidas falham. Qual a importância para a humanidade deste resultado tão técnico?

Em primeiro lugar, mostra que a teoria que temos necessita definitivamente de ser corrigida: a teoria de Einstein não pode ser a palavra final… Existem mais “mundos” para descobrir! A questão da origem do Big Bang e do que existia “antes” trouxe de novo à ribalta a questão de Deus. Para muitos, foi um pilar a que se puderam agarrar para sobreviver ao tsunami da ciência, que explicava tudo sem o auxílio de nenhuma entidade divina. Isto apesar de ele próprio ser declaradamente ateu.

A outra grande descoberta foi a da evaporação de buracos negros: segundo a definição clássica, estes corpos não deixam sair nada, são realmente a fronteira para outro lado. Stephen Hawking mostrou que quando se incluem flutuações quânticas, os buracos negros emitem luz. Ao emitirem luz, perdem energia e ficam mais leves: portanto os buracos negros evaporam-se (o efeito é muito pequeno: a maioria dos buracos negros do nosso universo come mais matéria de estrelas ou gás interestelar do que aquela que perde por evaporação). Abre-se, então, uma porta para o que parecia ser a fatalidade do Universo: a morte num futuro longínquo do Universo às mãos de buracos negros. Mas eis que, afinal, eles não são eternos!

Aos 21 anos, foi-lhe diagnosticada uma doença do foro neurológico que o viria a paralisar. Estávamos por volta de 1965 e deram-lhe dois anos de vida. Em 1970, em colaboração com o físico britânico Roger Penrose, alcançou a primeira grande descoberta, ao mostrar que singularidades são o produto do colapso gravitacional. Por exemplo, o interior de buracos negros feitos de matéria normal tem de abrigar um destes pontos, onde a teoria actual falha.

Ainda nos anos 70, iniciou em Cambridge um projecto para detectar ondas gravitacionais, e viria a estabelecer uma boa parte da teoria de buracos negros necessária para este esforço. Nesse hipotético filme do mundo, Stephen Hawking agigantou-se no ecrã por ter sido um actor extraordinário, dentro e fora da ciência. Era conhecido pelo seu sentido de humor e pelas suas apostas. Numa delas, com o Kip Thorne (Nobel da Física no ano passado) apostava que o objecto Cygnus X1 não era um buraco negro. Admitiu derrota em 1990 e, durante quatro anos, pagou a assinatura da revista Penthouse a Thorne.

Na sua corrida contra o tempo, parecia não saber parar. E ficará, sem dúvida, gravado neste filme do Universo. Talvez o Big Bang leve a um Big Crunch, e Stephen Hawking reapareça no filme, começando de novo.

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