Procuradoria abre inquérito a Feliciano Barreiras Duarte

Secretário-geral do PSD diz que notícias sobre o seu currículo académico partiram de pessoas do seu próprio partido. Universidade Autónoma de Lisboa também vai averiguar admissão no doutoramento.

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Feliciano é secretário-geral do PSD Miguel Manso

A Procuradoria-Geral da República (PGR) recolheu elementos sobre o caso de Feliciano Barreiras Duarte, secretário-geral do PSD - que assumiu, nas suas notas curriculares, uma ligação não confirmada à Universidade da Califórnia, em Berkeley-  e encaminhou os elementos recolhidos para o Departamento de Investigação e Acção Penal.

"Na sequência de notícias vindas a público, a Procuradoria-Geral da República procedeu à recolha de elementos. Esses elementos foram encaminhados para o DIAP de Lisboa com vista a inquérito", lê-se numa nota enviada pela PGR ao PÚBLICO.

Ouvido pela SIC, Feliciano Barreiras Duarte deu pela primeira vez a entender que esta questão tem contornos políticos. "Posso dizer que soube com alguma antecedência que logo a seguir ao congresso alguma coisa poderia acontecer", disse o também deputado, argumentando que não está a vitimizar-se. Barreiras Duarte referiu-se ainda a "pessoas que não são propriamente da oposição" e que estarão a fomentar as notícias sobre o seu currículo. "Têm-me avisado que são pessoas do PSD e algumas até já tiveram responsabilidades".

A Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), por seu turno, respondeu nesta terça-feira ao PÚBLICO que vai reavaliar as condições em que Feliciano Barreiras Duarte foi admitido, em 2016, ao doutoramento em Direito daquela instituição. A administração da UAL decidiu, “face às notícias dos últimos dias”, perguntar à direcção de curso de doutoramento em Direito e ao conselho científico do doutoramento em Direito se querem “reavaliar a admissão de Feliciano Barreiras Duarte” a doutoramento, avançou ao PÚBLICO Reginaldo de Almeida, administrador escolar daquela instituição de ensino superior privada.

Quando foi admitido a doutoramento, Feliciano Barreiras Duarte foi dispensado da componente lectiva. Ou seja, não tem que frequentar as aulas, tendo apenas que desenvolver o trabalho de investigação para uma futura tese. Na base dessa decisão esteve o seu percurso académico anterior, incluindo o mestrado feito na mesma universidade e que é agora posto em causa.

A UAL deu aos órgãos que admitiram o secretário-geral do PSD a possibilidade de avaliarem “se a sua admissão a doutoramento pode ou não ser total”. Isto é, se Feliciano Barreiras Duarte continua a ter condições para estar inscrito no doutoramento em Direito e, caso essas condições se mantenham, se pode manter a isenção da obrigatoriedade de frequentar as aulas.

Feliciano Barreiras Duarte fez todo o percurso académico e formativo na UAL, onde se licenciou em Direito em 1996, com média de 11 valores. Em Setembro de 2014, defendeu ali a sua tese de mestrado, que foi aprovada “por unanimidade com a classificação de 18 valores, que corresponde à classificação de excelente”, avança também o administrador escolar da instituição.

Quanto ao mestrado de Barreiras Duarte, “não pode ser questionado pela universidade”, afirma a mesma fonte. “Só pode ser questionado nos órgãos judiciais”. Do processo fazia parte a carta de Berkeley da qual consta a informação de que o secretário-geral do PSD é visiting scholar daquela unidade da Universidade da Califórnia, mas cuja autenticidade não foi verificada pela UAL. “Não nos cumpre questionar a veracidade dos documentos”, defende Reginaldo de Almeida.

A mesma fonte avança ainda que, à UAL“não chegou qualquer tipo de denúncia” relativamente ao percurso académico de Barreiras Duarte.

Diogo Leite de Campos, orientador da tese, e Constança Urbano de Sousa, presidente do júri que avaliou o trabalho, desvalorizaram, ao Observador, a influência das referências à universidade americana na avaliação de Barreiras Duarte. “É irrelevante para o caso”, defendeu Leite Campos. “Embora seja de evitar este tipo de imprecisões, foi o objecto da prova que foi avaliada, não o percurso ou currículo”, acrescentou Urbano de Sousa.

Mas a questão levanta dúvidas. Um dos elementos do júri que avaliou a defesa da tese de Feliciano Barreiras Duarte disse ao PÚBLICO que não se recorda de nenhum caso idêntico. "Neste caso estamos perante um relatório profissional que tem equivalência ao mestrado. A primeira parte do relatório é a apresentação do currículo, em regra acompanhado de documentos comprovativos das qualificações académicas e profissionais", alerta António Carlos dos Santos.

Este ex-governante do PS assumiu só ter conhecido Feliciano Barreiras Duarte "no acto das provas públicas", e acrescentou que não se lembra de havia algum documento comprovativo da ligação do secretário-geral do PSD a Berkeley. "Em qualquer caso, se havia seria falso. Se não havia, existia a menção no CV de uma ligação que ele hoje reconhece não corresponder à realidade. Independentemente de essa menção ter ou não sido importante para a atribuição da classificação (no meu caso, não foi), objectivamente ela não era exacta. Facto que, quanto a mim, poderia justificar a abertura de um inquérito por parte da UAL, universidade que, aliás, tem sido bastante  rigorosa com a questão dos plágios", disse ainda.

Feliciano Barreiras Duarte lamenta as consequências negativas que este caso já teve, para si, em termos de imagem pública e diz que nunca beneficiou por fazer referências a Berkeley no seu currículo. “Há pessoas habituadas a andar nas bocas do mundo, eu não. É pela política? Vale tudo? Pôr em causa a vida de uma pessoa?”, questionou-se o ex-chefe de gabinete de Pedro Passos Coelho.

A história foi primeiro publicada no semanário Sol, no dia 10, que noticiava que Feliciano Barreiras Duarte nunca teve o estatuto de visiting scholar na Universidade da Califórnia, em Berkeley, ao contrário do que constava no seu currículo.

O secretário-geral do PSD explicou, então, que apesar de nunca ter estado presencialmente naquele estabelecimento de ensino, considerou-se “inscrito” na universidade a convite de Manuel Pinto de Abreu, o seu antigo colega de governo que acompanhou o doutoramento e que assumiu ter desenvolvido “um trabalho preparatório” para que Barreiras Duarte fosse visiting scholar na Universidade da Califórnia.

A história adensou-se quando Feliciano Barreiras Duarte mostrou uma carta ao Sol, assinada pela sua orientadora dos estudos de investigação nos EUA, Deolinda Adão (que negou tê-la escrito), e na qual se lia que o social-democrata se encontrava “inscrito nesta Universidade [da Califórnia] com o estatuto de visiting scholar, no âmbito do seu Doutoramento em Ciência Política com a tese Políticas Públicas e Direito da Imigração”.

Mais tarde, em declarações ao Observador, Deolinda Adão acabou por clarificar a existência da missiva que, inicialmente, considerou falsa. “O documento apresentado pelo Dr. Feliciano Duarte com a minha assinatura, exarado a 30 de Janeiro de 2009, certifica apenas e somente a sua inscrição”. “Mais vale tarde do que nunca. No mínimo vem repor alguma verdade”, reagiu o ex-governante.

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