Secretário-geral de Rui Rio forçado a corrigir biografia

Feliciano Barreiras Duarte apresentava-se como “visiting scholar” em Berkeley, mas a universidade nega. Professora diz que certificado não é autêntico, conta o jornal Sol.

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Barreiras Duarte, da direcção de Rui Rio, foi secretário de Estado de Miguel Relvas MIGUEL A. LOPES

O novo secretário-geral do PSD, Feliciano Barreiras Duarte, especialista em políticas de imigração, estava convencido de que poderia usar o estatuto de investigador visitante na Universidade da Califórnia em Berkeley, mas o seu nome não consta dos registos da instituição norte-americana. Isto apesar de o ex-governante garantir ter feito diligências para ser “visiting scholar” naquela universidade e ter trocado “papers” e proposto trabalho de investigação. Depois de ser confrontado pelo jornal Sol com dúvidas sobre a possibilidade de usar formalmente este estatuto, o social-democrata diz que vai rectificar as notas biográficas em que surge aquela referência.

Ao contrário do que chegou a constar na página oficial do PSD a identificar Feliciano Barreiras Duarte como “professor visitante na Universidade Pública de Berkeley” e contrariamente ao que era referido nos seus livros – em que se dizia que o professor da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona estava a concluir o doutoramento em parceria com a Universidade de Berkeley –, o secretário-geral da direcção de Rui Rio nunca foi reconhecido oficialmente por esta instituição de ensino superior como “visiting scholar” (investigador visitante).

O início da história, contada pelo Sol, remonta a 2009, antes de Barreiras Duarte ser chefe de gabinete de Pedro Passos Coelho no PSD (de quem mais tarde se viria a distanciar) e antes de ter sido secretário de Estado adjunto de Miguel Relvas (ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares) no Governo de Passos, até Relvas sair do executivo em Abril de 2013 quando declarou já não ter “condições anímicas para continuar” por causa do caso da licenciatura na Lusófona.

O semanário reproduz nas suas páginas um documento que o deputado mostrou ao jornal como sendo um certificado do Instituto de Estudos Europeus de Berkeley, alegadamente assinado a 30 de Janeiro de 2009, por Deolinda M. Adão, professora luso-americana do Programa de Estudos Portugueses. No documento, a docente certifica, em nome da universidade, que Barreiras Duarte se encontrava então naquela altura inscrito na instituição de ensino “com o estatuto de ‘visiting Scholar’, no âmbito do seu Doutoramento em Ciência Política com a tese Políticas Públicas e Direito da Imigração”. A professora em causa referia que iria ser a orientadora dos estudos de investigação de Barreiras Duarte “durante o período de tempo em que vigorar a sua relação e estadia” na universidade.

A partir da Califórnia ao telefone com o Sol, Deolinda Adão nega porém a autenticidade do documento e diz estar “pronta a declarar em tribunal que esse documento é uma falsificação”. Na folha mostrada ao jornal – acompanhada de um envelope – vê-se a assinatura da docente. Deolinda Adão refere que “essa é, de facto” a sua assinatura, mas garante que o que lá está “nunca foi escrito” por si. “Não tenho poder nem estatuto para declarar o estatuto de ‘visiting scholar’”, disse ao semanário, sustentando que “nenhum documento desta universidade é escrito em português” porque o idioma usado é o inglês.

Segundo o Sol, também os serviços da universidade reafirmaram ao semanário que o documento não é autêntico. O departamento de relações públicas escreve: “O director da Universidade da Califórnia, em Berkeley, para os programas de Doutoramento e assuntos dos ‘visiting scholar’ percorreu todos os registos até ao ano em que Feliciano Barreiras Duarte nasceu, não tendo encontrado qualquer documentação de que alguma vez tenha sido oficialmente um ‘visiting scholar’ nesta universidade. É possível que tenha vindo visitar um dos nossos departamentos, mas não temos qualquer registo disso, e nessa visita não terá sido certamente considerado um ‘visiting scholar’, na medida em que isso se trata de uma designação formal." Para isso é preciso permanecer na universidade para fazer investigação durante mais de um mês, sendo ainda obrigatória a apresentação de um certificado de candidatura (application form).

Proposta de Manuel Pinto de Abreu

Barreiras Duarte, autor de Asilo, Imigração, Nacionalidade e Minorias Étnicas, diz ao Sol ter sido convidado por Manuel Pinto de Abreu quando o político (que viria a ser secretário de Estado do Mar no Governo de Pedro Passos Coelho) “estava a fazer trabalhos de investigação e a coordenar projectos de investigação com a FLAD [Fundação Luso-Americana] e também com Berkeley”.

“Sabendo que eu tinha um projecto de investigação associado às políticas públicas e ao Direito de imigração, um dia falou-me se eu não estaria disponível para fazer uma temporada curta em Berkeley”, conta o elemento da direcção de Rio. Manuel Pinto de Abreu também afirmou ao jornal que houve “trabalho preparatório” para Barreiras Duarte ser “visiting scholar”, embora o título tenha acabado por não se efectivar.

O secretário-geral do PSD diz em entrevista ao semanário que fez a apresentação formal do projecto de pesquisa, garante ter-se reunido com Deolinda Adão e conta: “A partir de 2009, depois disso, eu apresento, em espírito de boa-fé, um pedido de parecer à Assembleia da República para saber se o estatuto de visiting scholar – à distância, mas com uma estadia mínima de 40 dias – seria compatível com o exercício de funções parlamentares." Entretanto, Barreiras Duarte diz ter tentado ir a Berkeley ainda no Verão de 2009, mas na altura o programa para esse ano já estaria sem vagas e em 2010 acabaria por não ir porque foi convidado por Passos Coelho para ser chefe de gabinete.

Confrontado pelo semanário com o desmentido de Deolinda Adão relativamente à autenticidade do certificado, Barreiras Duarte contrapõe: “Então, porque é que me enviou aquilo? Se eu não fui aos Estados Unidos, como é que eu iria emitir a carta? A carta está lá como vinda dos Estados Unidos, mostrei-lhe [ao Sol] o original do envelope. Isso deixa-me estupefacto. Aquilo existiu, como existiu a troca de correspondência."

O deputado diz que, naquela altura, apesar de o projecto em Berkeley não se ter concretizado, continuava a dar aulas em simultâneo e a fazer investigação enquanto era chefe de gabinete de Passos no PSD (quando este era líder da oposição). Perante as dúvidas agora levantadas, o ex-secretário de Estado de Relvas diz que vai retirar da biografia as referências a esse estatuto. “A minha vida de investigação e académica nunca dependeu da universidade de Berkeley nem dependerá no futuro”, afirma o deputado, dizendo esperar defender a sua tese de doutoramento neste ano de 2018.

Contactado pelo PÚBLICO sobre que crimes podem estar em causa no que é relatado pelo Sol, Miguel Matias, vice-presidente da Ordem dos Advogados, admite que podem estar em causa dois: falsificação de documento e usurpação do título.

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