O tempo de Marine Le Pen já passou?

Ao mudar de nome, a Frente Nacional pode reinventar-se e a sair do gueto da extrema-direita? A sua líder, atormentada pelo pai e pela sobrinha, espera que sim. Mas a contestação interna começa a subir.

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Marine Le Pen é a líder da extrema-direita francesa desde 2011 PASCAL ROSSIGNOL/REUTERS

Marine Le Pen está a lutar contra o tempo, e o congresso da Frente Nacional (FN), que começa este sábado em Lille (França), vai ser uma prova de fogo. O esforço para normalizar a FN, que fez desde 2011, parece ter-se perdido com o erro gigante que foi a sua prestação no debate frente a Emmanuel Macron, na véspera da segunda volta das presidenciais de 2017. Embora não tenha rivais que lhe contestem a presidência, muitos aguardam, com esperança, o dia em que Marion Maréchal-Le Pen, a sua sobrinha, regresse à política activa.

A líder do partido de extrema-direita francesa vai propor aos militantes em Lille os novos estatutos do partido, do qual o pai foi um dos fundadores, há 45 anos, e uma polémica renovação da marca: um novo nome para a FN, que só será conhecido domingo. Após o congresso, os militantes votarão por correio no nome proposto por Marine Le Pen. “O novo nome deve tornar evidente o que será a nova Frente: um movimento mais aberto, mais diverso”, diz a líder, que quer sair do gueto político da extrema-direita.

O abandono da designação Frente Nacional, tão associada ao pai, Jean-Marie Le Pen, pode facilitar a associação a outros partidos, agora reticentes em ligar-se a um partido histórico da extrema-direita europeia que nega o Holocausto (as câmaras de gás são apenas “um pormenor” da II Guerra, não deixa de dizer Jean-Marie, apesar de ter sido condenado por isso).

Zaragata

Os novos estatutos acabam com o cargo de “presidente honorário” da FN, atribuído a Jean-Marie Le Pen, que entretanto foi expulso do partido pela filha. E elementos da direcção da FN garantem que será barrado à entrada, se tentar ir ao congresso de Lille. Este, no entanto, diz que poderá ir lá – e promete que haverá uma zaragata de rua, se for impedido de entrar, com militantes feridos e tudo…

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O comité central, inspirado no PC soviético, não acaba, apesar de ter havido indicações de que poderia ser assim. Há um “desempoeiramento geral”,  disse Marine Le Pen. Mas “mantêm-se as linhas gerais da FN”.

O que não é rigorosamente verdade, pois a seguir às presidenciais de 2017, em que se construiu a ideia de que ela podia bem chegar ao Palácio do Eliseu, Marine perdeu o homem que era o seu braço direito, há quase uma década: Florian Philippot, o teórico da “normalização” do partido dos Le Pen, mas também o responsável pela introdução no programa da FN a exigência da saída do euro, que se revelou bastante impopular.

Se o discurso de Le Pen sobre o euro já era confuso, agora é uma charada. Diz que França deve ter uma moeda nacional e fica por aí. Aposta em temas clássicos da FN, como a segurança – a líder tem-se feito fotografar com várias forças policiais – e a imigração.

Há um esforço para fazer esquecer a noite de 3 de Maio, a do debate televisivo com Emmanuel Macron, em que ela se mostrou agressiva e impreparada, e o agora Presidente lhe atirou à queima-roupa com mimos como “não diga asneiras” e “pare de dizer mentiras”. Os sites Mediapart e Buzzfeed publicaram revelações de um antigo elemento da campanha de Le Pen, Mickaël Ehrminger, relatando um “amadorismo total”, uma ausência de estratégia eleitoral, um despesismo sem controlo e uma guerra de clãs que fazia com que a candidata adoptasse a visão do último conselheiro que entrasse no seu gabinete.  

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Jean-Marie Le Pen está contra a mudança de nome da Frente Nacional Benoit Tessier/REUTERS

Marine Le Pen reconhece “que houve um encontro falhado com os franceses, uma conjugação de erros que levou a um debate falhado”, como disse ao Le Monde. “Mas não sou assombrada pelo debate. Estou virada para o futuro.”

Críticas internas

O pai, Jean-Marie, está visceralmente contra, e no primeiro voluma da autobiografia Fils de la Nation (Filhos da nação), lançado a 1 de Março, diz que a filha lhe faz "pena". E quem se dá ao trabalho de ir ouvir as tropas no terreno pode ouvir críticas.

Na sede da FN em Béziers, no Sudoeste de França, onde o presidente da câmara é Robert Ménard, eleito como independente nas listas do partido de Le Pen, a líder não é poupada. Gilles Laigre gostaria que a questão da candidatura de Le Pen às próximas presidenciais fosse mencionada no congresso, relata o Le Monde. “Ao menos para discutir o assunto”, explicou. Um amigo apoia: “Seria de esperar pelo menos uma travessia de deserto. Devia deixar a liderança do partido, fazer-se esquecer durante dois ou três anos…”

É verdade que o presidente da câmara local não desdenharia fazer uma OPA hostil ao partido da família Le Pen, o que pode explicar as críticas em em Béziers.

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O regresso de Marion Maréchal-Le Pen é desejado por uma larga maioria dos simpatizantes da FN Jean-Paul Pelissier/REUTERS

O secretário do departamento de Hérault (a que pertence Béziers) Gérard Prato é outro crítico. Relata uma “queda vertiginosa de novas adesões” ao partido, problemas financeiros, após as saídas do partido de Florian Philippot e Marion Maréchal-Le Pen. “É preciso que diga rapidamente se está motivada para se candidatar outra vez”, afirmou. Preocupações semelhantes são partilhadas a um nível superior na hierarquia, diz o Le Monde. “Ela terá vontade de voltar? Será ainda credível para captar um eleitorado de direita, formar alianças?” As sondagens mostram que a sua imagem entrou em queda livre após as presidenciais.

Já o regresso da sobrinha Marion Maréchal-Le Pen, que se retirou da política activa após as presidenciais, é desejado por 83% dos simpatizantes da FN, segundo um inquérito da IFOP publicado pela revista (de direita) Valeurs Actuels esta semana. Impressionou o facto de ter sido convidada para discursar, em Fevereiro, na grande conferência dos conservadores norte-americanos (CPAC), a seguir ao vice-presidente Mike Pence e antes de Donald Trump.

Marion lançou o projecto de criar uma academia de estudos políticos, sem avançar planos concretos de regresso à FN. Mas Florian Philippot, o seu grande rival, saiu do partido e criou a sua própria formação, os Patriotas, em que defende que a França tem de sair do euro.

O caminho está meio aberto para a sobrinha de Jean-Marie, a terceira geração dos Le Pen.

 

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