Novos neurónios no cérebro humano adulto

Afinal, tem o sistema nervoso do ser humano capacidade ou não de gerar novos neurónios ao longo da vida adulta?

Um novo estudo, publicado na conceituada revista Nature, promete abalar a noção pré-estabelecida de que o cérebro humano adulto tem a capacidade de gerar novos neurónios (neurogénese), numa região cerebral fundamental para domínios tão críticos no nosso quotidiano, como são a memória e aprendizagem. Os autores, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, analisaram mais de 50 cérebros post-mortem e reivindicam que existe um decréscimo acentuado na capacidade de gerar novos neurónios desde o período perinatal até à idade adulta, faixa etária em que afirmam ser “quase nula” a capacidade de gerar novos neurónios. Este estudo incendiou, assim, a discussão em torno da capacidade humana de gerar novos neurónios a partir de células estaminais neurais, capacidade esta que representa uma das grandes descobertas das neurociências modernas e que sustenta importantes promessas na área da medicina regenerativa.

Para esclarecermos o leitor, e a fim de o munirmos de informação para que possa apreciar o estudo em questão com a devida capacidade crítica, comecemos então por partes.

Pela impossibilidade de se estudar a formação de novos neurónios no ser humano enquanto vivo, neurocientistas de todo o mundo recorreram a modelos animais (sobretudo roedores) para estudar estes fenómenos. Nestes mamíferos, após o desenvolvimento fetal e o período perinatal em que a formação de novos neurónios é um processo abundante e disperso virtualmente por todo o cérebro, o processo de neurogénese fica restrito a pequenas regiões, com características especiais que lhes permitem albergar a criação de novas células. Uma destas regiões situa-se, precisamente, no hipocampo. É, pois, sabido e bem documentado que, em animais, a capacidade de gerar novos neurónios decresce abruptamente à medida que estes vão envelhecendo, algo que foi também demonstrado em vários estudos no ser humano, desde a primeira descrição de neurogénese no hipocampo humano em 1998, pelo reputado cientista norte-americano Fred Gage.

Assim, quanto à primeira, e expectável, conclusão do estudo – “a capacidade de gerar novos neurónios decresce abruptamente desde o nascimento até ao período adulto” –, este estudo encontra-se alinhado com aquilo que já sabíamos, quer em modelos animais quer no ser humano.

A controvérsia toma contornos maiores não quando somos confrontados com este expectável decréscimo, mas quando é analisada o quão drástica é a redução da neurogénese reportada pela equipa liderada por Arturo Alvarez-Buylla. Os níveis de neurogénese reportados são de tal forma baixos que põem em causa se este fenómeno tem expressão suficiente no cérebro adulto para ser sequer biologicamente relevante. Em modelos animais, várias equipas internacionais, como aquela que integro no Instituto de Investigação da Escola de Medicina da Universidade do Minho, reportaram como a neurogénese é crítica para vários domínios do comportamento, como é o caso da memória, da capacidade aprender, mas também no comportamento social. A isto acresce o facto de estes serem importantes para preservar vários domínios da saúde mental, uma vez que a falta destes neurónios, em roedores, está na base do desenvolvimento de alguns traços patológicos, como é o caso por nós demonstrado do desenvolvimento de comportamento ansioso.

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Voltando ao estudo em questão, importa estarmos familiarizados, de um modo geral, com a abordagem técnica usada para identificar novos neurónios em amostras de cérebro. Para se identificar este fenómeno, recorremos habitualmente a marcadores moleculares (a larga maioria, proteínas) que existem especificamente em neurónios recém-formados. Assim, e recorrendo a técnicas de microscopia de alta resolução é-nos possível marcar e quantificar estas novas células, em tecido cerebral.

No entanto, e também em linha com declarações recentes do neurocientista Fred Gage, os marcadores escolhidos neste estudo são altamente sensíveis no período após a morte, estando demonstrado que alguns destes se degradam rapidamente no cérebro adulto, em apenas escassas horas após a morte, o que se assume que possa explicar os resultados reportados no estudo da Nature. Estes resultados foram também já contestados pelo neurocientista Jonas Frisén, que em 2015 desenvolveu um método revolucionário para detectar a formação de novas células no cérebro, e que estimou que o ser humano adulto formaria no hipocampo cerca de 700 novo neurónios por dia.

Estudos como este desafiam o conhecimento consolidado durante décadas e obrigam a que a comunidade científica se questione e se empenhe em corroborar, ou a rever, aquilo que a maioria dos autores tem reportado até à data. Ao colocar de novo questões tão essenciais das neurociências em cima da mesa, este estudo fez reemergir o tópico das células neurais estaminais no cérebro adulto e é com franco entusiasmo que espero que sirva como um importante impulsionador desta área científica. O debate está lançado, mas, para já, é ainda difícil refutar os vários estudos que documentam distintamente o fenómeno neurogénico no cérebro humano adulto.

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