Rio quer revisão constitucional para reforma da Justiça “a sério”

Líder do PSD atacado por Montenegro e por mais deputados na reunião da bancada mas desvaloriza as críticas: “Naquilo que foi o traço geral da reunião não vejo como pudesse correr melhor”.

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Rui Rio fez uma intervenção inicial de 40 minutos que terminou sem direito a aplausos Nuno Ferreira Santos

O líder do PSD defende que é preciso uma revisão constitucional para fazer uma reforma da justiça “a sério” e espera que o PS esteja disponível. Rui Rio sustentou esta ideia quando respondia aos deputados — sobretudo Luís Montenegro — que criticaram a estratégia de aproximação ao PS na sua primeira reunião com a bancada e que quiseram saber que propostas tem o líder do partido para a justiça. Outros — como José Pedro Aguiar-Branco ou Teresa Morais — condenaram a escolha de Elina Fraga, a ex-bastonária da Ordem dos Advogados, para vice-presidente do PSD. A nova estrutura anunciada na véspera por Rui Rio, formada por porta-vozes nacionais e distritais, também está a deixar no ar alguma tensão interna.

Uma das intervenções mais contundentes na reunião foi a do ex-líder parlamentar Luís Montenegro, que condenou os membros da Comissão Política Nacional que criticam deputados nas redes sociais e lembrou o trabalho que foi feito na anterior legislatura para levar os parlamentares a apoiar as políticas difíceis do anterior Governo. O ex-líder parlamentar sublinhou que em muitas questões consideradas agora prioritárias por Rui Rio o PSD já tem muito trabalho feito. Deu como exemplos a descentralização, justiça e reforma do sistema político e disse desconhecer uma linha das propostas de Rio para a justiça. Segundo relatos feitos ao PÚBLICO, o ex-ministro da Defesa José Pedro Aguiar Branco disse que se está “borrifando” para as opiniões de Elina Fraga e Teresa Morais, ex-vice-presidente de Passos Coelho, considerou a escolha “ofensiva”.

Fusões na Justiça

Realçando que a justiça é uma preocupação sua de sempre, o líder do PSD sustentou a necessidade de uma revisão constitucional para fazer uma reforma “a sério”, “se não não é reforma nenhuma”. Na cabeça de Rio estarão medidas como a fusão de dois órgãos de topo definidos constitucionalmente: o Conselho Superior da Magistratura e o equivalente para os tribunais administrativos e fiscais.

Foi, sobretudo, em torno da estratégia de Rio de aproximação do PSD ao PS que Luís Montenegro foi contundente: a posição de António Costa é um "insulto" ao diálogo partidário com o PSD, uma vez que os sociais-democratas “sempre estiveram disponíveis para o diálogo” e o PSD, agora com esta aproximação, está a colocar o primeiro-ministro num pedestal. Montenegro recordou a ideia deixada por Carlos César, líder da bancada do PS, na semana passada. "O que o PS fará connosco é o que PCP e BE deixarem”, afirmou. “António Costa vai andar a gozar connosco.”

Rio contrapôs que é ao PSD que “compete puxar pelo PS” e que isso é possível se o PSD tiver a “opinião pública” ao seu lado, dizendo acreditar na “genuína boa intenção” do PS.

Confrontado pelos jornalistas com as intervenções contundentes de vários deputados, o líder social-democrata disse não ter ouvido nenhuma crítica à sua estratégia, admitindo apenas que houve parlamentares a expressarem “algum cepticismo relativamente à boa vontade do PS” nas conversações com o Governo. Nem se queixou de não ter recebido palmas ao fim de uma intervenção inicial de 40 minutos: “Não é o meu estilo.”

De uma forma geral, o líder do PSD disse não ter entendido as intervenções dos deputados como críticas — “sinceramente não” — e desvalorizou: “Uma coisa é a realidade na sala, outra é o que é difundido cá para fora.” Nem mesmo sobre a escolha de Elina Fraga, que considerou ser um assunto “pacificado” e sobre o qual só viu críticas nas “entrelinhas”. Rio quis mesmo desvalorizar: “Naquilo que foi o traço geral da reunião não vejo como pudesse correr melhor.”

Mas é certo que ouviu directamente de Teresa Morais que o mandato dos deputados é do povo e não do presidente do partido, em reacção às vozes que se ouviram, nas últimas semanas, de dentro do partido, sugerindo a renúncia do mandato por parte dos deputados que não concordam com a nova direcção. O antigo vice-presidente da bancada Carlos Abreu Amorim exigiu que Rui Rio pedisse desculpas, à semelhança do que fez o líder parlamentar, Fernando Negrão, na passada semana. Rio não o fez. 

Foram cerca de três horas e meia de reunião, em que foram poucos os deputados que saíram em defesa do líder do partido. Nilza de Sena foi das poucas excepções. Rio chegou acompanhado por Fernando Negrão, por outros deputados e por António Maló de Abreu, vogal da comissão política e que não é deputado. Maló de Abreu chegou a sentar-se na bancada dos deputados antes de a reunião começar mas acabou por sair depois de os jornalistas estranharem a sua presença na sala. Entre os sociais-democratas houve quem se sentisse desconfortável com a sua presença por ter sido uma das vozes que fez comentários depreciativos sobre os deputados nas redes sociais.

Porta-vozes ou corta-vozes?

Um dia depois de ter anunciado o conselho estratégico nacional, Rio gastou algum do seu tempo a explicar o funcionamento da nova estrutura e tentou tranquilizar os deputados sobre a sua inclusão. Mas o certo é que se começam a acumular dúvidas sobre como os porta-vozes distritais e nacionais se vão coordenar com os vice-presidentes da bancada, por exemplo, ou com os líderes das distritais. As secções temáticas nas distritais já funcionam, a novidade será a designação de porta-vozes. Bruno Vitorino, líder da distrital de Setúbal, afirmou ao PÚBLICO não ver nenhuma novidade no novo modelo, já que a sua distrital tem secções temáticas a funcionar — como a do emprego e a da saúde — com profissionais do sector e que fazem reflexão. Quanto à designação de porta-vozes, Bruno Vitorino diz ver com “naturalidade desde que haja articulação”.

Outros dirigentes distritais, que não se quiseram identificar, assumiram estar disponíveis para alargar o debate interno mas dizem que não vão admitir que um porta-voz se venha a sobrepor à sua autonomia. Até porque esses cargos anunciados por Rio — e cuja estrutura ainda vai ser regulamentada — não estão nos estatutos do partido. 

Ao que o PÚBLICO apurou, Rio ainda não falou com as distritais sobre a nova estrutura que pretende atrair também simpatizantes. Questionado pelos jornalistas sobre quem designa os porta-vozes distritais, Rio referiu que, numa primeira fase, haverá uma comissão instaladora mas que depois serão eleitos pelas respectivas secções temáticas. Sobre se os deputados podem ser designados porta-vozes nacionais — figuras que estarão habilitadas a dar a posição do partido sobre determinado assunto —, o líder do PSD admitiu que é possível, mas que será uma excepção. Na bancada já há quem veja uma menorização dos deputados no novo PSD de Rio. 

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