Dois líderes à procura de uma maioria

Chegar à governabilidade é difícil, mas os vencedores reivindicam o direito a tentá-lo. Face aos resultados, é provável que o Presidente preferisse não lhes dar essa oportunidade. Bruxelas preferia certamente outros.

Foto
Apoiantes do Movimento 5 Estrelas EPA/MASSIMO PERCOSSI

Os italianos estão habituados a ter de esperar para saber quem venceu eleições. Também sabem que isso pode não lhes dizer quem os vai governar. Compreendem ainda que às vezes demora até que os políticos consigam formar um executivo. Nunca foi tão difícil como desta vez, mas ninguém está pronto para apostar que é impossível.

Como se previa, nenhuma lista tem maioria na Câmara dos Deputados nem no Senado. Surpreendente foi a dimensão da vitória do Movimento 5 Estrelas (M5S), acima dos 32% e, de longe, o partido com mais senadores e deputados – mesmo com uma lei eleitoral destinada a beneficiar coligações. Afinal, o partido criado por Beppe Grillo para derrubar “o sistema de castas” e desaparecer quer mesmo governar. “Somos os vencedores absolutos”, disse o líder e candidato a primeiro-ministro, Luigi Di Maio.

“Há forças políticas territoriais. O facto de representarmos todo o país empurra-nos para governar. Temos a responsabilidade de dar um governo a Itália e a todos os que nos estão a observar, também aos investidores”, defendeu o jovem que em pouco tempo transformou o M5S num partido que quer institucionalizar-se sem abandonar a “transparência” e o objectivo de debater “ideias e não poltronas”, como “sempre se fez”.

Ora com mais votos ficou a coligação de direita e extrema-direita, o que também não surpreende. O que ninguém viu chegar foi o crescimento da Liga, de Matteo Salvini, que se tornou no líder desta união, deixando bastante atrás o Força Itália, de Silvio Berlusconi. É o tal partido territorial a que se referia Di Maio, com muito mais implantação no Norte. “Tenho o direito e o dever de governar com o centro-direita”, disse Salvini. Depois, garantiu que não se vê em “coligações minestrone". A seguir, foi reunir-se com Berlusconi, que pela primeira vez se vê no papel de parceiro secundário.

Ioria, auxiliar hospitalar de 49 anos, está “contente e optimista”. Votou no 5 Estrelas, zangada com a falta de aumentos e com os seus contratos, sempre a prazo. “Quero dar uma oportunidade a quem nunca governou. E confio nos jovens”, diz. “Penso que é uma pessoa moderna”, afirma, referindo-se a Di Maio.

Stefania, professora primária de 37 anos, não votou em nenhum dos vencedores. Escolheu o Livres e Iguais, partido formado por dissidentes do Partido Democrático (centro-esquerda, no poder), que teve um péssimo resultado. Agora, está “expectante”. “Esta direita assusta-me. Já o M5S não me desagrada. Têm ideias diferentes e eu até me revejo em algumas”, diz. “Só não vejo onde vão conseguir os lugares que lhes faltam.”

PÚBLICO -
Aumentar

Combinações e diferenças

Para obter maioria na Câmara dos Deputados, a direita de Salvini, Berlusconi e Giorgia Meloni (Irmãos de Itália, de extrema-direita) precisa de uns 50 lugares. O M5S tem de encontrar pelo menos 80 aliados. Não há coligações óbvias e os líderes partidários insistem que não estão disponíveis para as alianças que mais facilmente permitiriam chegar a um governo: a Liga com o M5S ou o M5S com o Partido Democrático (centro-esquerda, no poder).

Os números impedem fórmulas antigas e experimentadas, como uma grande coligação entre o Partido Democrático e o FI de Berlusconi. Outras combinações, como o conjunto da direita aliada ao M5S são ainda mais improváveis.

Salvini recusa uma sopa da pedra, Meloni diz que não contem com os seus eleitos para uma coligação com Di Maio – recusando ser de esquerda ou direita, o movimento tem propostas que agradariam a Meloni, como mais polícia ou a abertura de duas novas prisões, mas outras que a deixam incrédula, como um subsídio de desemprego universal de 780 euros. Salvini foi claro: “Há quem queria redistribuir dinheiro por quem não quer trabalhar. A mim preocupa-me criar emprego e riqueza. São duas visões de Itália culturalmente opostas.”

Onde esta direita e o partido anti-sistema mais se tocam é no antieuropeísmo de ambos. Di Maio deixou cair a proposta de referendar a permanência no euro, mas ainda quer renegociar acordos com os parceiros para acelerar a repatriação de imigrantes. Salvini diz que “o euro está acabado”, apesar de saber que nenhum país pode abandonar a moeda única sozinho. Promete deportar imigrantes e requerentes de asilo e quer que a Itália abandone os pactos e regras fiscais previstos no Tratado de Maastricht.

Aliados europeus

Nigel Farage, ex-líder do UKIP (Partido da Independência do Reino Unido), congratulou-se com o “grande resultado” do 5 Estrelas. A líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, e o presidente do Partido da Liberdade holandês, o nacionalista e xenófobo Geert Wilders, deram os parabéns a Salvini.

Na conferência de imprensa onde se afirmou “populista orgulhoso”, Salvini mandou “um beijo a Marine” e antecipou que as eleições europeias do próximo ano trarão “uma lufada de mudança e de optimismo”. Depois, elogiou o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, pela “sabedoria de querer permanecer na Europa reivindicando a sua autonomia”.

A Comissão Europeia disse apenas que “confia no Presidente [Sergio] Mattarella para dirigir as negociações no sentido de encontrar um governo estável”.

Mattarella, 76 anos, ex-magistrado do Tribunal Constitucional e chefe de Estado desde 2015, ainda deve estar a digerir os resultados. Ao contrário do antecessor, Giorgio Napolitano, ainda não enfrentou uma grande crise – a demissão de Renzi, em 2016, e a sua substituição por Paolo Gentiloni, fez-se sem sobressaltos. Mas a Constituição dita que é o Presidente a escolher o candidato à presidência do Conselho (que tem de conseguir depois a confiança no Parlamento).

As opções de Mattarella

Para o fazer, Mattarella pode e deve usar os seus critérios de representatividade e estabilidade. No limite, poderia invocar o interesse nacional e nomear alguém que nem sequer se tenha candidatado. Ou dizer que não acredita que Di Maio ou a direita consigam apoios e convocar novas eleições, um cenário que tem o pequeno problema de não garantir resultados diferentes.

Mas será quase impossível ao Presidente não chamar Di Maio ou Salvini. É difícil não ouvir líderes em quem 11 milhões de italianos votaram (M5S) e justificar não dar uma oportunidade aos vencedores, quando anteriores chefes de Estado mandataram líderes sem maioria absoluta para tentar negociar coligações.

Di Maio ainda não desistiu do Partido Democrático, Salvini tem esperança em convencer suficientes trânsfugas – a jogada é antiga mas nunca foram precisos tantos. A verdade é que cada deputado e senador eleito ainda pode decidir integrar um grupo parlamentar diferente daquele com que se apresentou. E tem quase três semanas para isso, antes do início da legislatura, no dia 23, e do começo oficial das audições de Mattarella.

Luis Maria, engenheiro italo-argentino de 71 anos, vive por aqui há tempo suficiente para não sofrer por antecipação. Votou num pequeno partido de centro-esquerda, a Lista Juntos, apoiado por Romano Prodi, “uma zona política onde se respira melhor”, e antes das 23h já dormia. Agora, que finalmente acordou para a realidade, espera que Mattarella “encontre maneira de manter Gentiloni no poder ou, em último caso, convocar novas eleições”.

Sugerir correcção
Ler 31 comentários