Activista da Femen assusta Berlusconi, Renzi pergunta "como se vota?"

Muitas filas, eleitores desiludidos, muita confusão. Grillo pôs jornalistas a ouvir Walk on the Wild Side. Bersani, ex-lider do Partido Democrático, enganou-se e foi parar à secretaria.

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"Berlusconi, estás acabado", trazia escrita a activista das Femen sobre o peito DANIEL DAL ZENNARO/EPA
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“Peço desculpa, como se vota?, perguntou o ex-primeiro-ministro Matteo Renzi MAURIZIO DEGL'INNOCENTI/EPA

Em 2001, os italianos descobriram que não conseguiam votar num só dia; em 2006, 2008 e 2013 votaram domingo e segunda-feira de manhã. Desta vez, com uma lei eleitoral nova e complexa mais um sistema antifraude anunciado há dois dias e que muito confundiu alguns eleitores, a tarefa é votar das 7h às 23h (22h em Portugal continental). É provável que a essa hora continuem pessoas na fila.

Se subtrairmos os eleitores que votam no estrangeiro, 46 milhões de pessoas votam este domingo para escolher a nova Câmara dos Deputados e o novo Senado. Quase nenhum partido ou coligação anunciou a sua escolha para primeiro-ministro, mas os eleitores sabem que estão a dar início ao processo de constituição de um novo governo – ou pelo menos, esperam estar a fazê-lo. Na Lombardia e na Lácio também se elegem os governos regionais.

Segundo as últimas sondagens autorizadas (duas semanas antes de encerrada a campanha), o Movimento 5 Estrelas lidera como partido individual (28%) e a coligação de direita estava à frente, com 37%, ainda longe da maioria que se estima poder ser alcançada com 40% dos votos. Às 19h tinham votado 57,38%, segundo dados de 821 municípios dos 7.958 em que o país está dividido.

A maioria dos dirigentes políticos votou bem cedo de manhã e sem grandes incidentes. Ou quase. Matteo Renzi, primeiro-ministro entre 2014 e 2016, candidato do Partido Democrático e líder da coligação de centro-esquerda, perguntou ao presidente da sua mesa eleitoral como se vota. “Peço desculpa, como se vota?”, foram as palavras do líder do partido que escreveu e aprovou a nova lei eleitoral, conhecida por Rosatellum por causa nome de Ettore Rosato, o deputado que a redigiu.

Talvez Renzi estivesse só a tentar ser pedagógico, aproveitando que as câmaras o seguem. Seja como for, não deixou de marcar o dia com a sua pergunta.

Voto de protesto

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Matteo Salvini, líder do partido de extrema-direita Liga FLAVIO LO SCALZO/EPA

“É inacreditável, parece que está a gozar connosco”, diz Melania, médica de 28 anos, à espera para votar numa fila de uma escola de Roma. “A lei é tão complexa e disparatada que não consigo votar nos partidos que a aprovaram. Eu consegui perceber a lei, estou é em completo desacordo com o sistema”, afirma. “Vai ser o meu primeiro voto de protesto. E tenho pena, há partidos e candidatos na coligação de centro-esquerda que me agradam mas não posso votar neles”, explica.

Um pouco mais à frente de Melania está um casal de reformados, Enrico e Elvira. “Sim, a lei não é fácil, mas os filhos ajudaram com as dúvidas”, diz Enrico. “O pior para mim era chegar aqui e ter de ler os nomes nestes papéis na parede, com os meus óculos nunca conseguiria”, diz Elvira, a apontar para as enormes folhas que estão sempre coladas nos corredores das escolas onde se vota com o conjunto das listas de cada partido ou coligação.

“O que vale é que sabemos em quem votar. Foi só perceber o que fazer com o boletim”, acrescenta Elvira. Nem ela nem o marido querem dizer em quem votam. “Não somos extremistas nem populistas, meia palavra basta, não?”, diz Elvira, antes de ser chamada para dentro da sala onde está a sua mesa de voto. Tinha chegado a sua vez: outra originalidade italiana, esta de as mulheres formarem uma fila, os homens, outra.

Cupão antifraude

A nova lei eleitoral mistura regras do sistema proporcional com o uninominal, mas ao contrário do que possa parecer quando se desdobra (literalmente) o boletim (um cor-de-rosa para Câmara, outro amarelo para o Senado) dobrado em quatro, se um eleitor escolher o candidato proposto por determinado partido ou coligação não pode votar depois noutra lista. Na verdade, basta fazer uma cruz, ou no candidato, ou na lista, e o voto estende-se automaticamente ao dirigente ou partido correspondente.

A Pierluigi Bersani, ex-líder do PD que tentou sem sucesso formar governo depois das eleições de 2013, foi outro pormenor que lhe escapou. Um pormenor que deu alguns problemas ao longo deste domingo.

Anunciado apenas há dois dias, foi introduzido um sistema antifraude que visa garantir que os boletins levantados na mesa são os mesmos que depois entram nas urnas: na parte de baixo de cada boletim há uma pequena tira com um número único separada por um picotado. Quando os boletins são entregues a cada eleitor, o número é apontado; quando o eleitor regressa da cabine de voto, confirma-se se o boletim é o mesmo. Depois, o presidente da mesa arranca o que se decidiu chamar “cupão” antes de introduzir, ele próprio, os boletins nas urnas.

Ora Bersani vinha lançado e o presidente da mesa não conseguiu impedir que ele introduzisse os seus boletins nas respectivas urnas, Câmara de Deputados e Senado. Depois de alguns momentos de indecisão e uma ida à secretaria da mesa eleitoral, decidiu-se que os boletins de Bersani iam mesmo ficar nas urnas e os cupões seriam tirados no momento da contagem. Por agora ainda se discute se o seu voto será ou não anulado.

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Filas para votar numa escola em Roma ALESSANDRO DI MEO/EPA

Afinal, eram etiquetas

O facto de não serem os eleitores a introduzir os seus boletins nas urnas deu origem a muitas críticas, principalmente de pessoas mais velhas que começaram por recusar entregar os boletins ao presidente da mesa, só o fazendo depois de longas discussões.

Face ao caos, o autor da lei veio falar em sua defesa, dizendo que a esta “não prevê a transcrição à mão do número de cada boletim, o que está a atrasar as operações. Bastava que tivessem sido previstas etiquetas” com o código de cada boletim. “Os dados da afluência são muito positivos, é uma pena que se tenham criado tantas filas”, afirmou Ettore Rosato, recordando que “o cupão antifraude foi aprovado por unanimidade”.

Outra explicação para as filas, diz Raffaela, observadora eleitoral do Movimento 5 Estrelas no liceu Niccolo Machiavelli, perto da praça da Independência, no centro da capital, é que “muitos presidentes de mesa desistiram em cima da hora”. A explicação de Raffaela é que os desistentes não entendiam a lei e “tiveram medo de cometer erros”; o resultado “é a lentidão desesperante em algumas secções”.

“Estás acabado”

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Grillo com a mulher em Sant'Ilario, Génova SIMONE ARVEDA/EPA

Enfim, é Itália e cada eleição traz sempre surpresas. Sendo Itália, também são prováveis os episódios caricatos. Silvio Berlusconi, que lidera a coligação de direita, mesmo estando impedido de ser candidato até 2019 (por causa de uma condenação por fraude fiscal), tem tentado afastar-se da sua velha imagem e apresentar-se como moderado entre extremistas e populistas. Quase com 82 anos, quer ser visto finalmente como homem de Estado que sempre desejou chegar um dia à presidência da República.

Ora o grupo de activistas Femen não esquece o sexismo que Berlusconi tantas vezes demonstrou com comentários e acções. Acabava o político de votar e uma activista surgia por trás das câmaras e máquinas fotográficas, saltando em tronco nu para cima da mesa e ficando em frente a Berlusconi, que quase saltou de susto, virou costas e se apressou a sair dali. Ainda que depois tanha comentado que “a activista era bonita”. No peito, esta tinha escrito “estás acabado”.

Como Berlusconi, que vota na sua cidade de Milão, também Beppe Grillo, o comediante que fundou o 5 Estrelas há nove anos, esperou pela tarde para ir votar à sua mesa, em Génova. Grillo, que oficialmente deixou a política em Janeiro mas não deixou de aparecer no comício de encerramento da campanha, em Roma, não falou aos jornalistas mas estes lá o seguiram enquanto votava e regressava ao seu carro.

Como a sua mulher ainda não tinha voltado de votar, Grillo deixou-se ficar dentro da viatura. E como os jornalistas insistiam em permanecer quase encostados ao carro, carregou no play e começou a ouvir-se Walk on the Wild Side. Enquanto olhava para os jornalistas pelo vidro fechado, abanava a cabeça ao som da canção interpretada por Lou Reed, certamente um convite aos eleitores.

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