Populismo, um vírus a espalhar-se pelo mundo há 30 anos

O populismo europeu nasce na Escandinávia, nos anos 1970. A ideia de que é preciso "recuperar o controlo", em resposta à globalização que influencia de facto a vida das pessoas, vem desde então ganhando espaço aos políticos que dizem que não se pode fazer nada.

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Marine Le Pen, líder da Frente Nacional francesa: agitar a ideia de “nós contra eles” IAN LANGSDON/EPA

A "crise migratória" que os dirigentes europeus declararam existir no território da União Europeia ajudou ao crescimento de partidos populistas e xenófobos recém-criados como o AfD alemão. Mas há quase 30 anos que o populismo se tornou um vírus europeu, da Itália à Finlândia, e quando não havia refugiados para servirem de ameaça não faltaram perigos para agitar a ideia de "nós contra eles".

Hoje, usamos o termo populismo com demasiada frequência, nos media e na política, como "um insulto" que pode incluir todos os dirigentes que apelem às emoções, "como se a política não fosse também sobre emoções, como se houvesse algum político que não usasse uma linguagem emocional ou não tentasse apresentar propostas que agradem aos eleitores", diz o italiano Daniele Albertazzi, especialista em movimentos políticos e estudioso do fenómeno populista na Escola de Governo e Sociedade da Universidade de Birmingham.

"Eu defino o populismo como uma ideologia, algumas pessoas preferem dizer que é um estilo. Um líder populista é aquele que se vai apresentar como representante de um único povo, unido e homogéneo, que está face a uma ameaça. Esta ameaça pode ser a elite política ou algo externo. Estes líderes defendem que o seu povo está a ser roubado — dos seus valores, princípios, identidade. E em breve será demasiado tarde para recuperar o que lhes está a ser tirado", descreve Albertazzi.

É esta ideia de urgência que faz com que os populistas tenham problemas com "as complicações da democracia representativa e da democracia liberal". Pensam: "Mas se eu sei o que as pessoas querem, de que é que estamos à espera?" Podem ser de esquerda ou de direita, tendem a ser de direita na Europa (ao contrário, por exemplo, da América Latina). Nesta versão, de direita, "apresentam-se sempre como defensores do tal povo homogéneo contra outros — imigrantes, pessoas que seguem uma religião minoritária ou que não encaixam por algum motivo".

Na Europa, o populismo nasce na Escandinávia, nos anos 1970, onde "aparecem os primeiros partidos com a retórica de ‘recuperar o controlo’, pelo que não se pode relacionar o populismo com qualquer fraqueza das democracias", defende Albertazzi. Nas últimas três décadas vimos o populismo a emergir em todo o lado, "do Norte ao Sul, e agora, claro, no Leste". Nalguns países, chega mesmo ao poder: para o académico, o populismo está no poder no Reino Unido do "Brexit", por exemplo, onde "os valores e as ideias do UKIP se tornaram mainstream e foram adoptadas por quem dirige o país".

Nos últimos anos, sublinha Albertazzi, houve "muitas transformações, nem tudo é inventado, muita gente sofreu com as políticas de austeridade, alguns podem ter visto o seu emprego em risco pela chegada de imigrantes, houve atentados terroristas cometidos por muçulmanos em diferentes países e milhões de pessoas tentaram atravessar a Europa a caminho da Alemanha".

Para partidos que se apoiam na noção de "nativismo", é fácil defender que os "nativos perderam o controlo das suas vidas". Ou como diz há anos a Liga Norte italiana, "temos de ser donos e senhores da nossa própria terra". Aqui não há diferenças, falemos de Viktor Orbán, na Hungria, da Frente Nacional francesa, do Partido do Povo suíço, do Partido da Liberdade austríaco ou dos Verdadeiros Finlandeses (que já descreveram a UE como "o coração da obscuridade").

Como é que isto aconteceu? Acima de tudo, a globalização fez com que as nossas vidas fossem de facto influenciadas por factores que não podemos controlar. E enquanto os populistas dizem que é preciso "recuperar o controlo", os outros políticos dizem que não se pode fazer nada, "ou porque somos parte da UE ou porque a imigração vai continuar…". O resultado é que a maioria não tenta responder às necessidades e aos receios, às vezes justificáveis, das populações.

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