Marcas no tempo

O PÚBLICO nasceu num momento crucial de transição entre dois mundos: o mundo pré-Internet e o mundo pós-Internet, no centro nevrálgico de uma revolução tecnológica, cultural e social que alterou decisivamente o rumo das nossas vidas e hábitos quotidianos.

O PÚBLICO faz hoje 28 anos — por coincidência, a idade que eu tinha quando vim do Funchal para Lisboa trabalhar no Expresso — e David Dinis convidou-me para regressar por um dia ao posto que ocupava na fundação do jornal. Mas achei que, em vez de representar o papel de director da edição diária deste 5 de Março, talvez fosse mais estimulante fazer uma viagem no tempo desde 1990 — o ano em que o PÚBLICO nasceu, depois de um parto conturbado que o Nuno Pacheco relata nestas páginas — até 2018 e reter algumas marcas, acontecimentos, personagens e tendências que influenciaram o curso destes 28 anos em Portugal e no mundo. Tudo isto ao longo de um caderno especial com um grafismo evocativo dos primeiros tempos do PÚBLICO (não por nostalgia serôdia mas como memória do que foram no seu percurso de quase três décadas).

Por um raro acaso do destino, o PÚBLICO nasceu num momento crucial de transição entre dois mundos: o mundo pré-Internet e o mundo pós-Internet, no centro nevrálgico de uma revolução tecnológica, cultural e social que alterou decisivamente o rumo das nossas vidas e hábitos quotidianos. Foi também dessa constatação que parti quando meti mãos à obra. Trazia algumas ideias para debater com a redacção, e o resultado desse debate, durante o qual fui confrontado com outras propostas que não previra, ficaria impresso nesta edição de aniversário.

Confesso que matei saudades desses tempos tão estimulantes em que, jornalista "no activo", um dos meus maiores prazeres era desfrutar da criatividade, da imaginação, do engenho e do espírito aberto e democrático que se viviam em tantas e tantas reuniões de redacção. Aprendi muito com isso, tal como voltei a aprender agora — e quando falo em aprendizagem é no sentido literal da palavra, em descobrir coisas, pistas novas, outras maneiras de ver e pensar, mundos diferentes daqueles com que estou mais familiarizado. Claro que conservava o privilégio de ter de ser minimamente convencido pelas ideias e sugestões alheias, não me remetendo ao papel de burocrata anódino que, infelizmente, é ainda tão frequente na imprensa. Mas a experiência revelou-se, para mim, inesperadamente fecunda, pelas perspectivas que permitiu rasgar nesta viagem no tempo.

Não há critérios infalíveis nas escolhas jornalísticas, sobretudo quando se trata de revisitar marcas — sem qualquer pretensão de totalidade e exclusividade — deixadas por estes 28 anos. Há, sim, a busca do rigor e do equilíbrio nas opções editoriais que se tomam, sem preconceitos ideológicos e ideias feitas, mas com alguma audácia e imaginação. E haverá também, sem dúvida, leitores que discordarão de opções e critérios adoptados nas páginas que se seguem, como é natural e saudável numa sociedade livre e democrática. Outros fariam escolhas diferentes, outras teriam sido possíveis e pertinentes, mas o trabalho que aí está, realizado integralmente pela actual redacção do PÚBLICO — incluindo alguns fundadores e gente do meu tempo —, não pretende colocar-se acima do juízo dos leitores. A controvérsia e a divergência de opiniões, desde que não inquinadas pelo preconceito e a má-fé, são sempre bem-vindas e salutares.

Agradeço a todos a colaboração prestada nesta minha prenda de aniversário, mas não poderia deixar de sublinhar o prazer especial que foi ter como meu braço direito o jornalista com quem trabalhei durante mais tempo na minha vida, desde que nos encontrámos na saudosa Revista do Expresso. Obrigado, caro Nuno Pacheco. E obrigado, caro David Dinis, por me ter proporcionado este prazer memorável, marca no tempo do meu coração.

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