Não parem as rotativas

Ainda faz sentido a existência de jornais diários em papel? A pergunta foi o ponto de partida, mas as conversas com jornalistas, editores, alunos de jornalismo, analistas e leitores levaram-nos mais longe, à questão da forma como hoje se faz jornalismo, independentemente do suporte. Alguns preferem o papel, outros não: todos querem um jornalismo de qualidade

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Os números são implacáveis: as tiragens e as vendas de jornais em papel, em Portugal, na Europa e nos Estados Unidos, não param de cair. Os mais recentes dados da APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação) voltam a confirmar isso, mostrando que, em banca, a queda das vendas no último ano foi de perto de 10% (o PÚBLICO teve a queda menor, de 0,3%). Isto significa que, diariamente, se venderam menos 16.212 jornais em 2017 do que em 2016.

Entretanto, vão surgindo novidades que reforçam o pessimismo. A papelaria do Parlamento fechou em parte devido à queda a pique na venda de publicações impressas, o Expresso avançou que o Diário de Notícias está a estudar a possibilidade de passar a semanário, depois de as vendas terem caído abaixo dos 10.000 exemplares, a Impresa de Francisco Pinto Balsemão vendeu as suas revistas ao grupo Trust in News de Luís Delgado. No meio de tudo isto, os anunciantes apostam cada vez menos na imprensa escrita e a publicidade em suportes digitais está longe de atingir os valores equivalentes à do papel.

Aqui e ali começa a ouvir-se a pergunta: será que os jornais diários em papel vão, em breve, desaparecer em Portugal? Vamos passar a consumir informação apenas online? E esse foi o ponto de partida para este artigo, mas as perguntas iniciais acabaram inevitavelmente por se alargar. Este é apenas um problema de suporte ou há um desencontro mais profundo entre leitores e jornais? Há uma crise de confiança? De que forma iremos produzir e consumir informação no futuro? Há modelos de negócio alternativos? Ainda há leitores?

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A brasileira Paula Ribeiro, editora da revista UP, da TAP, está em Portugal há 30 anos e faz revistas há 28. O seu percurso inclui, entre outras, a Exame, a Activa, a Cosmopolitan e a Ícon, que começou por sair com o jornal O Independente. “Há 25 anos que ouço que o papel vai acabar, é uma sentença anunciada. Estamos — e falo do planeta — a viver num limbo. A ideia de que o online é que vai dar não está resolvida. O online não está a resolver o problema económico e, no entanto, há anos que os donos das grandes empresas de jornais dizem que o papel vai acabar e que o negócio é o online.”

Para Paula Ribeiro, leitora convicta de jornais em papel, “uma coisa é mais ou menos óbvia: claro que o online faz sentido, você recebe no telemóvel a notícia de que as Torres Gémeas caíram, mas se quiser ler tudo, o que levou a isso, o que acontece depois, a aposta não pode ser só na rapidez”.

Entre os mitos que, na sua opinião, se criaram e vão sendo repetidos como sentenças de morte está o de que “ninguém quer ler”. Paula não acredita nisso. “Todos os estudos mostram que, por causa da Internet, as pessoas lêem mais. Essa sentença tem muito mais a ver com um não saber para onde vamos e, por isso, não se aposta nas grandes reportagens que, evidentemente, custam caro — se um jornalista está um mês a trabalhar nisso não está a escrever 45 notícias.”

Paula está totalmente convicta de que “ninguém resiste a um texto bem escrito”, mas, para isso, “as redacções não podem pôr estagiários a escrever matérias de página inteira”. O que se cria é uma “pescadinha de rabo na boca, em que o jornal piora porque custa caro fazer bom, e os leitores não compram porque o jornal está pior”.

E será verdade que os jovens não lêem? Miguel Taveira, de 21 anos, estudante de Ciência Política no ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa, confirma que recebe muita informação diária através das notificações enviadas pelos jornais e que aparecem no computador. Mas passa muitas vezes pela biblioteca da faculdade para levar um jornal generalista em papel — embora, acrescenta, a maior parte dos colegas vá buscar um desportivo e, com frequência, a pilha de jornais disponíveis continue demasiado grande ao fim do dia.

A compra de um jornal em papel implica, diz Miguel, “um empenho maior, um compromisso”. “No computador estão sempre a acontecer milhares de coisas e a há intromissões constantes no texto que estamos a ler”. Mas o desencontro entre um jovem de 21 anos como ele e os jornais passa por outros factores. “Muitos dos temas que me interessam são tratados por plataformas online, não vou encontrar a informação que quero sobre determinado assunto num jornal generalista.”

Na Internet (e também, em alguns casos, no papel) multiplicam-se as fontes de informação sobre assuntos específicos, dirigidas a nichos de leitores que procuram um tema particular ou uma forma de olhar o mundo com que se identifiquem. E chegamos à questão da confiança. “Os grandes jornais pertencem a empresas que têm sempre algum tipo de interesse, uma ‘agenda’”, afirma Miguel. “Além disso, precisam que as notícias ajudem a vender o jornal, o que é muito diferente de alguém que faz um post sem a preocupação imediata de levar as pessoas a comprar.”

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Para Miguel Taveira, estudante de 21 anos, a compra de um jornal em papel implica "um empenho maior, um compromisso" Adriano Miranda

Acantonamento e capitalismo

Paulo Moura, jornalista (ex-PÚBLICO) várias vezes premiado, autor de diversos livros de reportagem e professor de Jornalismo, revela algum pessimismo. “Dantes, o que os jornais produziam era um bem escasso e valioso e as pessoas estavam dispostas a pagar por ele. Hoje [a informação] é um bem abundante e pouco valorizado.” Pode-se argumentar que o que os jornais oferecem é uma credibilidade maior, que não pode ser garantida por sites ou outras plataformas feitas sem critérios jornalísticos. Paulo duvida: “Isso seria o que poderia distinguir os jornais, sim, mas era preciso que fossem credíveis”. O problema, diz, é que aqueles “são um produto da democracia e do capitalismo” e, neste momento, o sistema capitalista, “na sua arrogância, já não tem interesse na existência de jornais”.

Apesar disso, muita gente concorda que eles são essenciais para a democracia. Qual é então o problema? “Os jornais deixaram-se acantonar naquilo que é o mundo dos jornalistas, um mundo muito escasso, muito urbano, culturalmente pobre”, critica o historiador e analista político José Pacheco Pereira. “Há uma redução do olhar dos jornais para mundos que não conhecem a não ser quando há uma tragédia. Isso explica a crise do jornalismo, que é do mundo e dos próprios jornalistas.”

Sendo, apesar disso, um apaixonado leitor de jornais, garante que “um jornal generalista continua a fazer sentido” e vê como natural a coexistência do papel e do online. “Não se lê da mesma maneira no papel e num ecrã. No ecrã podemos usar o hipertexto e andar para trás e para a frente num texto que tem volume. No papel, a leitura é mais lenta. Os nossos sentidos são limitados e limitam a nossa relação com o mundo. Há coisas que ficam melhor no papel e não digo isto por nostalgia, é porque é um suporte que corresponde mais a certas características do pensar e do ler.”

Será isso que explica o compromisso do leitor a que Miguel Taveira se referia quando dizia que o jornal em papel implica outro empenho? Curiosamente, na aula do 3.º ano do curso em que Paulo Moura é professor na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), em Lisboa, são vários os alunos que referem uma maior credibilidade do papel.

Rafael Raimundo: “Quando lemos em papel, dedicamos mais tempo só a isso, é como ler um livro”. No online, “sou constantemente distraída por outras comunicações”, acrescenta Margarida Alpuim, que assina dois jornais online porque não quer ficar limitada aos artigos que pode ler gratuitamente ou à leitura apenas dos títulos.

O jornal impresso “tem muito mais credibilidade, porque não se pode fazer depois um post a corrigir”, reforça Carolina Muralha, lamentando que “o clickbait e a necessidade de visualizações” se traduzam em títulos enganadores para levar as pessoas a abrir a notícia.

O problema, referem vários alunos, é quando o jornal em papel se limita a reproduzir as notícias do dia anterior. Sentem muitas vezes falta de um tratamento mais aprofundado, algo que os ajude a compreender melhor os acontecimentos e, em última análise, o mundo.

“Como há muito a necessidade de ser o primeiro a dar a notícia, às vezes não há um tratamento mais aprofundado e é aí que o diário em papel, que é feito com mais tempo, ganha”, afirma Diogo Paciência. Margarida prefere “que se demore mais tempo a publicar a notícia”, na expectativa de poder “confiar no que ali é dito”.

Obsolescência, estatuto e rapidez

Será, então, o caminho a seguir este dos dois tempos de que fala Pacheco Pereira? A rapidez no online, acompanhada por formas diferentes de contar uma história (vídeo, som, etc.) e, no papel, a análise aprofundada? Susana Albuquerque, publicitária, que trabalhou em Espanha durante alguns anos e regressou a Portugal, onde é directora criativa da agência Uzina, tem uma posição um pouco diferente. “Há futuro para os jornais diários? Eu, que gosto de tomar o pequeno-almoço a ler o jornal [em PDF], quero acreditar que sim.” Entre as revoluções tecnológicas recentes, uma das que mais aprecia é a que lhe permite “descarregar o jornal diário sem sair de casa”.

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Susana acredita que há leitores — e leitores interessados. “Consumimos cada vez mais informação diária. Apenas se está a repensar o formato e como financiá-la. Podem estar a morrer modelos antigos, mas ao mesmo tempo nascem modelos novos.” Volta à conversa o tema da credibilidade. “A necessidade de um jornalismo de qualidade está na ordem do dia, sobretudo quando nos apercebemos que as fake news e os factos alternativos estão aí por todo o lado. Vamos exigir e procurar verdades comprovadas, investigadas.”

Gosta da estrutura de um jornal, da “curadoria” que estabelece uma hierarquia de arrumação das notícias, mas não acredita que o suporte tenha que ser o papel. “Não me lembro da última vez que folheei um jornal em papel, foi há muito tempo e deve ter sido num café. Hoje em dia acho um grande desperdício de tempo e recursos imprimir e comprar um jornal em papel.” Paulo Moura é igualmente taxativo: “É um produto obsoleto, que corresponde a uma outra época, a da revolução industrial e que até em termos tecnológicos não faz qualquer sentido. Tem a ver com ritmos do passado.”

Da sua experiência como professor, constata que “mesmo os jovens estudantes de Jornalismo vão à Net ler e têm tudo de graça”. Apesar de “mais do que nunca haver pessoas muito interessadas, que querem ler e que sabem apreciar um bom texto jornalístico, não têm uma razão para pagar e para ir buscar uma coisa em papel todos os dias”.

Contudo, no meio do panorama da imprensa em papel na Europa e EUA, que segue a tendência de queda que se verifica em Portugal, aparecem excepções como o jornal diário The New European, que surgiu como reacção ao “Brexit”, o voto para a Grã-Bretanha sair da União Europeia. O The New European nasceu em Julho de 2016 como um jornal “pop-up” e estava previsto que durasse relativamente pouco tempo. No entanto, continua a existir e parece ter conquistado um público fiel naquele que definiu como o seu alvo: os 48% de britânicos que se opõem ao “Brexit”.

“Julgo que o jornal funciona bem porque definiu claramente quem é o seu público e fala de forma muito apaixonada sobre um assunto que apaixona esse público”, explica o editor, Matt Kelly, numa conversa telefónica com o P2, a partir de Londres. “Isto parece uma coisa óbvia, mas se olharmos para muitos dos grandes jornais hoje, não é claro o que é que eles acham que é importante e, ao longo dos anos, possivelmente foram deixando de ter uma ideia clara de qual é o público deles.”

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Além de tudo, o suporte físico do papel tem neste jornal britânico uma função que já teve muito no passado e que foi perdendo: a de ser statement, de permitir que quem o exibe na mão mostre aos outros a que lado pertence. “Quando se tem uma comunidade forte, as pessoas não se importam de pagar [o The New European custa 2,5 libras e quase não tem publicidade], sentem que pertencem a um grupo e gostam de o mostrar”, continua Kelly. Depois, há um lado prático que pode parecer surpreendente: é que “muito mais rapidamente se cria um jornal em papel do que um jornal online”. E, para reagir ao “Brexit”, a rapidez era fundamental.

Paixão, empenho e liberdade

O erro de muitos jornais, na opinião do editor britânico, é “terem ficado muito ansiosos a tentar perceber qual é o seu público e o que é que este aprovaria, e isso resulta mal”. Defende, portanto, que “um editor deve fazer um jornal para si próprio, e se o fizer com paixão e empenho e não estiver a pensar quem o irá comprar amanhã, se agir com total liberdade”, vai encontrar leitores que reconheçam isso — e se reconheçam no produto final.

Outro conselho que deixa é o de que deixemos de pensar em jornais como instituições que nunca podem desaparecer. “É possível fazer um jornal sem pensar que ele tem que existir para sempre. Todos os jornais agem como se fossem existir para sempre e como se o contrário fosse um fracasso. É perfeitamente aceitável que um jornal entre no mercado com um objectivo e que, quando ele tiver sido atingido, acabe.”

Helena Ferro de Gouveia, jornalista com grande experiência internacional (foi correspondente do PÚBLICO em Bona) tem também trabalhado, em África, Ásia e América Latina, como formadora em cursos de Jornalismo para a paz e jornalismo em regiões de conflito, ensinando técnicas que, diz, deviam igualmente ser ensinadas na Europa para a tratamento de tragédias como os incêndios do ano passado em Portugal, por exemplo.

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Também ela é de opinião que faz sentido continuarem a existir jornais diários em papel. “Mas não na modalidade que temos hoje. O modelo actual, em que o jornal em papel é uma repetição do online, não faz sentido. Não há mais-valia, enquadramento, aprofundamento dos temas, opiniões de especialistas.”

É particularmente sensível ao desinvestimento das redacções portuguesas nas reportagens internacionais, nos grandes temas. “Perdeu-se um entendimento do mundo. Mesmo o fenómeno Trump fica-se muito pelo tweet. Os jornais alemães ainda têm três páginas a tratar um assunto, sinto falta disso em Portugal. E se o jornalismo não quiser morrer, é por aí que tem que ir.”

Tal como alguns dos alunos do curso de Jornalismo, também Helena fala dos problemas da velocidade. “É preciso devolver a lentidão ao jornalismo. É preferível sacrificar algumas notícias, mas perder tempo a contar outras bem contadas. Infantilizaram-se os leitores, achando que eles não querem ler, mas as pessoas não são tolas e querem saber as coisas. Essa infantilização é dramática para o jornalismo. E penso que o caminho é a humanização.”

O “importante” e o que “as pessoas querem”

Falamos novamente de democracia e do papel da imprensa. “Esta crise de credibilidade do jornalismo é muito preocupante e serve muitas ‘agendas’”, alerta Helena Ferro de Gouveia. Recuperar essa credibilidade, acrescenta, por seu lado, Paulo Moura, “passa pelos conteúdos”, e por os leitores “sentirem que o jornal é independente”. O problema é também a dependência económica dos jornais, que, nota, levou até a uma alteração de linguagem. “Quando antes se dizia ‘vamos pôr isto na primeira página porque é importante’, agora diz-se ‘porque é o que as pessoas querem’”.

Produtos relevantes e de qualidade, conteúdos com os quais os leitores se identifiquem, tempo de reflexão — é isso também que faz o sucesso de muitas revistas, algumas de informação generalista e outras, que se têm multiplicado nos últimos anos, dirigidas a nichos muito específicos (há até uma revista britânica chamada Delayed Gratification, do grupo The Slow Journalism Company).

Tara Donovan, é britânica e trabalhou no grupo de chef Jamie Oliver na área de publicações, incluindo a revista Jamie Magazine que no final do ano passado anunciou que ia fechar, alegando precisamente que os leitores estão no digital. Tara considera que “os custos de uma publicação em papel, sobretudo jornais e revistas, são muito duros; há muito desperdício porque tem que se colocar muitos exemplares nas bancas, das quais se vende apenas uma percentagem, e é preciso pagar para recuperar ou destruir o que não se vende.”

Hoje “as notícias não são apenas algo dos jornais”, vêm de múltiplas fontes”, mas, sublinha Tara, “com a crise das fake news talvez o pêndulo volte para trás e as pessoas passem a valorizar novamente o jornalismo de investigação, bem escrito e imparcial”.

O sucesso de revistas de nicho tem razões semelhantes às do The New European, explica Tara: “Um público pequeno, muito interessado e apaixonado por um tema. A chave é ser relevante e criativo, experimental e empreendedor. Pode a revista oferecer a oportunidade para os leitores contribuírem? Encontrar-se com eles? Viajar para as regiões de que eles falam? Participar em experiências relevantes?”.

Paula Ribeiro diz-se “grata todos os dias por ter uma revista em papel em que o leitor está amarrado à cadeira e não pode sair”. Mas salienta que, apesar de a TAP apostar no online e nas redes sociais, a empresa continua a achar importante ter uma revista em papel nos aviões. Só que a UP está longe de ser uma revista de nicho. Qualquer pessoa pode ocupar aquele lugar no avião e pegar nela para a ler. “Querer agradar a baianos e transmontanos, como eu costumo dizer, é uma dificuldade”, mas é esse exercício que faz todos os meses numa revista com uma identidade muito própria e que em 2015, 16 e 17 foi considerada best inflight magazine da Europa nos World Travel Awards.

Por causa do seu trabalho com diferentes revistas, Paula Ribeiro conhece bem o mundo dos anunciantes e tem acompanhado as mudanças que aí se passam, com o desinvestimento cada vez maior na publicidade tradicional. “As agências também estão perdidas, muitas vezes tiram da imprensa diária para pôr noutras coisas. A indústria alimentar, por exemplo, gasta uma verba enorme nos supermercados, que cobram caro para ter uma prova de queijo ou um produto na fila de cima.”

O problema, explica, é que, antigamente, os criativos pensavam as campanhas para determinados meios, tendo em vista públicos específicos. Com a criação das centrais de compras, tudo se modificou. “A agência que pensa a filosofia do produto não tem nada a ver com a compra de espaço, os anúncios estão onde não deviam estar, para público que não é o alvo do produto. As pessoas dos media deviam sentar-se com as das agências de comunicação e publicidade e repensar o modelo. Durante anos houve uma dependência enorme da publicidade, mas o mundo mudou. Estamos a trabalhar com a cabeça de há 20 anos num mundo diferente e nesses 20 anos decretando diariamente o fim do jornalismo.”

Quem paga o quê

Susana Albuquerque acompanha com ainda maior proximidade essas mudanças. “Estávamos habituados a comprar uma página de publicidade e tê-la nos grandes jornais. Agora as marcas procuram outras formas, muitas vezes não para vender, mas para trabalhar a reputação e a afinidade entre as pessoas e a marca.”

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Helena Ferro de Gouveia: "É preciso devolver lentidão ao jornalismo. É preferível sacrificar algumas notícias, mas perder tempo a contar outras bem contadas" Adriano Miranda

Não se trata de publicidade encapotada, diz, mas de novos formatos que podem ser novas formas de financiar o jornalismo. “Estamos claramente numa transição para outra coisa, mas ainda a experimentar.” Em certos casos, a ideia é chegar a muitas pessoas, noutros escolhem-se alvos mais específicos e aí publicações com certas características fazem mais sentido para a empresa que quer anunciar.

Mas a publicidade pode não ser o único caminho. Helena Ferro de Gouveia lembra que há bolsas e fundações, nomeadamente nas instituições europeias, que apoiam reportagens, sem interferirem nos conteúdos. “Se os jornais forem mais pró-activos, podem encontrar aí formas de fazer reportagens mais caras. Se se oferecerem produtos com qualidade, criam-se esses hábitos nos leitores. Tem é que haver vontade de correr esses riscos. Os apoios existem, é preciso ir à procura deles.”

Paulo Moura admite outro caminho: o financiamento público do jornalismo. “Havia um sistema criado que se baseava na publicidade, mas em que as redacções estavam ‘blindadas’”, ou seja, não havia qualquer contacto entre os dois lados. “Hoje há cada vez maior mistura”, mas, defende, “é preciso que os cidadãos retomem o controlo”. “Se é mais ou menos consensual que o Estado deve apoiar as artes, por que não o jornalismo? O jornalismo é mais importante que as artes no sentido em que uma sociedade é mais perigosa sem jornalismo. Só que nunca foi assim considerado porque até agora não estava em perigo.”

Pacheco Pereira defende, por seu lado, que “algumas áreas do jornalismo que se desenvolveram por causa da crise são áreas em que há muitos problemas deontológicos que não são discutidos e deviam ser”. Lamenta, por exemplo, que os jornalistas não criem bases de dados, fundamentais para o seu trabalho, “façam muito jornalismo por telefone, tenham fontes muito escassas, estejam muito dependentes das agências de comunicação, tenham falta de imaginação e façam todos as mesmas coisas”.

Critica também o “modismo tecnológico”, “com jornalistas a citar o Facebook e o Twitter, o que é uma coisa suicidária”. Há, diz por fim, “uma cultura do deslumbramento tecnológico que os próprios jornais alimentam”.

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Talvez seja este quadro que faz desanimar alguns dos alunos que sonham ser jornalistas, mas que chegam ao final do 3.º ano desiludidos com as perspectivas e a acreditar que serão “carne para canhão” numa redacção, como disseram vários dos que o P2 ouviu na ESCS. Ao mesmo tempo, alimentam a esperança de que as coisas mudem.

“O jornalismo em papel só terá futuro se as pessoas sentirem que se estão a informar de forma profissional e completa sobre um assunto”, diz João Pinheiro. João Nunes compara o jornal em papel com os discos em vinil: “As pessoas ainda compram o vinil e dão mais valor porque o têm que ouvir em casa, concentradas, e não a andar na rua com a música confundir-se com todos os outros sons.”

E Samuel Guiomar conclui, resumindo o que muitos foram dizendo ao longo deste artigo: “Às vezes, há um deslumbramento com a novidade quando o mais importante é uma escrita limpa, factos verificados, uma notícia clara. Nada me dá mais prazer do que abrir o jornal, ler um texto e pensar: ‘Não sabia que isto era assim, nunca tinha pensado nisto desta forma, este texto deu-me uma perspectiva nova.”

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