Estratégia e risco

Será esta a pergunta de um milhão de euros: como vão apresentar-se FC Porto e Sporting logo à noite?

Será esta a pergunta de um milhão de euros: como vão apresentar-se FC Porto e Sporting logo à noite? Em causa estão não apenas as escolhas individuais para o “onze”, mas o sistema utilizado para suportar o modelo preconizado pelos treinadores. Tudo isto pesa no resultado, naturalmente, mas no futebol actual há uma outra dimensão que, especialmente nos encontros mais exigentes, ganha especial relevância — a componente estratégica do jogo.

É uma espécie de afinação de circunstância, pensada para potenciar as virtudes da equipa em função do contexto e da forma de jogar do adversário. Um ajuste que levou a que o FC Porto, por exemplo, tivesse abordado um embate com os “leões” em 4x4x2 (nas meias-finais da Taça de Portugal) e os outros dois em 4x3x3 (Liga e Taça da Liga). Um raciocínio que conduziu o Sporting, nessas mesmas partidas, ao tradicional 4x4x2 (Liga e Taça da Liga) e, posteriormente, a um 5x2x3 (Taça). Porquê? Porque, a este nível, a afirmação de uma equipa (e de uma ideia de jogo) está umbilicalmente ligada à anulação das mais-valias do rival. 

Foi justamente a pensar nesse condicionamento do oponente que Jorge Jesus optou por alinhar com cinco defesas (que deram corpo a um 3x4x3 em organização ofensiva) no último clássico. O intuito era vigiar de perto Brahimi, o elemento com maior capacidade para desequilibrar o jogo individualmente, mantendo uma defesa a quatro mesmo quando o lateral saía na pressão, e precaver também os lances de futebol aéreo, uma das imagens de marca deste FC Porto, com particular apetência para as bolas paradas.

O preço a pagar por esta abordagem foi uma construção a partir de zonas mais baixas, problema agravado pela enorme capacidade do FC Porto de pressionar (muito e bem) em zonas adiantadas. Ficou, assim, o Sporting quase em exclusivo remetido às transições ofensivas rápidas para provocar danos na estrutura defensiva contrária, dimensão que os “dragões” dominaram com à-vontade.

De resto, neste carrossel de embates entre os dois candidatos ao título há um denominador comum: tem prevalecido a organização defensiva, com as equipas quase sempre a serem capazes de se anularem mutuamente. Essa tem sido a prioridade, mas o Sporting surge hoje em campo numa posição diferente, obrigado a correr mais riscos, sob pena de transformar o principal objectivo da temporada numa simples miragem.

Nesse sentido, quererá controlar mais com bola para poder ligar o jogo pelo corredor central, onde o FC Porto não conta com Danilo e onde terá mais hipóteses de, com um futebol associativo (envolvimento dos extremos e recuo do avançado), contornar a ausência forçada de Bas Dost, o "ingrediente" obrigatório para uma abordagem mais directa, através de cruzamentos para a área.

Por outro lado, a "baixa" de Gelson Martins também retira capacidade aos "leões" para activarem as transições ofensivas rápidas e para explorarem a profundidade, dimensão que o adversário tem controlado com competência mas que, face a um plano de jogo tão ousado como costuma apresentar o FC Porto, representa sempre uma oportunidade para os rivais.

Por isso, mais do que nunca, será determinante que Bruno Fernandes construa a partir de trás, com o critério e a precisão que se lhe reconhecem — se jogar demasiado adiantado, nas costas do ponta-de-lança, será uma presa mais fácil para Felipe, Marcano e Herrera. Independentemente do sistema que Jorge Jesus venha a adoptar, para abalar os alicerces dos "dragões" será necessário circular a bola com rapidez e resgatar as dinâmicas de jogo interior que transformam o Sporting numa equipa perigosíssima em organização ofensiva.

Já o FC Porto poderá minorar as danos no quarteto defensivo com o provável regresso de Ricardo. Resta saber se o lateral será adaptado à esquerda (posição que se habituou a desempenhar em França) ou se ocupa a ala direita, remetendo o promissor Diogo Dalot para o lado contrário. Difícil de replicar, mesmo no quadro de gestão competente promovida por Sérgio Conceição, é a qualidade nas bolas paradas ofensivas produzida por Alex Telles. Com o brasileiro de fora, a equipa perde capacidade para desequilibrar através dos cruzamentos e, em particular, nas bolas paradas. 

Com a dupla Herrera/Sérgio Oliveira, praticamente intocável neste contexto, a tomar conta da primeira fase de construção, os "dragões" terão em Brahimi o joker capaz de mudar a velocidade do jogo (em organização ou transição) e de arrastar as marcações do rival. A sua capacidade para trabalhar entre linhas tem sido decisiva ao longo da época e tem-lhe permitido aparecer em zonas de criação, onde é fortíssimo, com muita frequência.

Uma das dúvidas capitais, a confirmarem-se as lesões de Aboubakar e de Soares, é a solução preconizada para o eixo do ataque. Entre outras possibilidades, um dos cenários passará por um triângulo com Marega no eixo, Corona à direita e Brahimi à esquerda. Outra hipótese pressupõe a utilização de um dos reforços de Inverno, Gonçalo Paciência (inteligente a criar e ocupar espaços), na zona central, com Marega à direita e o argelino à esquerda. Esta segunda via tem o condão de não alterar tanto as dinâmicas entre o extremo maliano e o ponta-de-lança, ainda que em ambos os casos estejamos na presença de um FC Porto em 4x3x3.

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