O Bom, o Mau, o Feio e o Plagiador*

Eu fui plagiada. Outros sistematicamente o são. Haveria outras formas de começar esta estória, generalizando, mas se o plágio é um ataque ad hominem, deve ser combatido também na primeira pessoa.

A importância do combate ao plágio, sobretudo o académico, é fundamental para uma convivência social íntegra. Posto que o plágio é um crime juridicamente disposto no âmbito dos direitos de autor, importa explicar a diferença entre plágio académico e má formação científica, bem como procurar saber o que é acontece aos plagiadores académicos em Portugal, pois pouco se debate o assunto e a prática parece caminhar para uma inaceitável normalização. Metaforizando o clássico de Sérgio Leone, um plágio é uma obra cheia de trapaças e tentativas de obter algo dos outros.

Ora, retomando a história que vos quero trazer neste artigo, a certa altura retomei o doutoramento em Portugal após uma experiência internacional, mantendo a mesma linha de investigação. E, numa tarde de outono, sentei-me frente ao computador em busca do que teria sido desenvolvido sobre precariedade laboral, insegurança no trabalho, desemprego e os demais temas que tenho trabalhado.

A internet ainda estava lenta nesses tempos e, depois de dias em pesquisas, custou-me a acreditar no que via. Qual o meu espanto, quando encontro 21 páginas integrais da minha dissertação de mestrado, esparramadas na dissertação de mestrado de outra pessoa. Eu escrevo muito, literariamente, cientificamente e opinativamente. Mantenho um diário pessoal desde os 11 anos. Nunca pensei que me lembrasse do que havia escrito há anos. E, no entanto, depois de horas a comparar página por página, linha por linha, percebi que 21 páginas haviam sido copiadas e eu tinha 100% de certeza de que nem uma vírgula havia sido alterada. “Portantos, poréns e contudos.” Entre as passagens integrais, uma pequena alteração aqui e ali, onde se encontrava um neologismo que eu havia timbrado e com o qual continuei a trabalhar até ao doutoramento — o inemprego —, ideia que tenho vindo a desenvolver até ao dia de hoje e cujo correspondente livro está agora a ser finalizado para edição pública.

Refleti a sós, contactei a minha orientadora de dissertação sobre o assunto e, durante aproximadamente um mês, contactei diversas pessoas e entidades, desde gabinetes jurídicos de universidades, amigos advogados, amigos procuradores e tudo mais que me pareceu útil para decidir como intervir. A cada pessoa com quem falava, a confusão instalava-se cada vez mais. Não havia uma forma única de avançar com um processo judicial e muita gente parecia achar que o melhor era deixar a “coisa” cair.

Um breve passeio pelo Google revela diversas notícias que indiciam um ‘abafar’ do plágio, por exemplo, mais de 60 casos de plágio detetados na Universidade de Coimbra, entre eles seis dissertações de mestrado e uma tese de doutoramento (Costa, 2015). Leia-se ainda que “apesar de estas fraudes académicas serem perante a lei consideradas crime, nenhuma foi comunicada às autoridades” (Costa, 2015, para.1). Afinal, como vim a descobrir, parece ser do interesse de todos não comunicar às autoridades as condições de pressão dos docentes universitários com dezenas de orientandos — muitos desses docentes, jovens precários! — a lutar por financiamento, o número de candidatos ao ensino superior a diminuir, o prestígio de Portugal projetado lá fora, entre muitos outros fatores, levam a que a ‘coisa’ sejam gerida interna e silenciosamente, evitando a eventual erosão sobre a imagem pública das instituições de ensino.

Por outro lado, o plágio académico continua a não ser bem compreendido por estudantes. Como exemplo, há uns tempos tomei conhecimento de colegas que prejudicavam a nota de estudantes caso estes apresentassem “plágio superior a 70%”, consoante avaliado pelo software ‘xpto’. Ai, a tecnologia. Os softwares não detetam plágio. Detetam apenas ‘material semelhante’. A análise de plágio cabe ainda ao revisor que deve analisar detalhadamente as citações, concluindo com mais inteligência do que a artificial (informação que os próprios softwares colocam claramente nos seus tutoriais).

Existem prestigiadas revistas cientificas a exigir limites máximos de material semelhante, por exemplo, um limite de 20% de material semelhante conforme o software ‘xpto’. Isto é o espelho da ‘fast science’, que se pratica nos dias de hoje, cheia de pressão, quartis, impact factors, indexações, rankings, enfim, toda uma parafernália de termos cheios de pompa mas sem grande circunstância.

Na síntese da minha história, decidi finalmente instruir pela minha mão todo o processo e entregá-lo num Ministério Público local. Nunca haviam visto tal. Foi reencaminhado e, passado uns meses, chegou à delegação de onde pertencia a universidade. Nova surpresa, também eles nunca haviam visto tal. Depois de meses a prestar testemunhos, chegaram meses e meses de espera e indignação. Note-se que eu não instruí um processo civil com intuito de ganhar dinheiro, por isso, tratava-se apenas um processo penal com vista a sanções penais. Plágio é um crime que poderá dar pena de prisão, porém, informei-me antes e, dado que não havia exploração económica do bem, a pena de prisão seria quase impossível.

No decorrer do tempo ia acompanhando o processo e, de repente, a dissertação da pessoa acusada havia desaparecido do repositório online e de todas as pesquisas na internet. Sem rasto. Fiquei um pouco preocupada que alguém estivesse a abafar, mais uma vez, a situação, mas confiava no sistema. A minha tese tinha menos visualizações nos sites de investigação científica do que a tese do meu plagiador. O plagiador tinha emprego e eu lutava com biscates altamente qualificados para conseguir pagar as propinas de doutoramento, que são das mais elevadas da Europa.

Além disso, corria o risco de me pesquisarem e, numa vaga de emprego, ser eu julgada como plagiadora e não o contrário. Estava, e ainda estou, indignada e revoltada. Anos volvidos, recebo a decisão ou sentença: 60 horas de trabalho comunitário e um pedido de desculpas formal por escrito — para o qual cederam ao plagiador a minha morada pessoal, o que, como é evidente, é inaceitável num contexto de conflito. A dissertação desapareceu dos repositórios e não houve mais nenhum esclarecimento.

Nesta metáfora, eu represento o “Bom”. Redigi a minha dissertação com esforço, empenho e boa avaliação, sem bolsas, sem ajudas e com muito suor. Corri o país a entrevistar pessoas sobre as vivências do inemprego sem qualquer ajuda. A tentar gerar novas abordagens para um problema que ainda hoje nos assola como sociedade e que tende a piorar — o da precariedade e instabilidade laboral.

O “Feio” não é uma pessoa só. Engloba todas as pessoas e entidades que ignoraram, não fizeram o seu papel a prevenir o plágio ou continuam a abafá-lo. O leitor consegue refletir e chegar a uma resposta.

O “Mau” neste caso é o sistema. Anos mais tarde, por vias travessas e porque o mundo académico ainda é pequeno, vim saber que, muito provavelmente, o parecer era para retirar o grau de mestre ao plagiador. Com provas sustentadas, 21 páginas foram integralmente copiadas do meu trabalho, sem qualquer citação. Mas isso nunca aconteceu.

O plagiador tem um novo papel. De diversas formas, ‘safou-se’! Como lhe chamar? Como reeducar as universidades, os académicos e os plagiadores? Como garantir que isto deixe de minar a produção científica em Portugal? *ou uma breve estória do plágio em Portugal

Referências bibliográficas

Costa, J. (2015). “Universidade de Coimbra detecta 60 casos de plágio”. Semanário Sol. 26 de Janeiro. Disponível em: https://sol.sapo.pt/artigo/393558/universidade-de-coimbra-detecta-60-casos-de-plagio

Araújo, P. (2009). Os inempregáveis: estudos de caso sobre os impactos psicossociais do não-emprego em licenciados portugueses. Porto: Universidade do Porto. Disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/23703

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