Défice na dona do Montepio agrava-se para cerca de 300 milhões

Os resultados consolidados do grupo Montepio, onde está o banco e a seguradora, agravaram-se em 2016, tendo os capitais próprios negativos resvalado para perto de 300 milhões de euros.

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Tomás Correia presidente à Associação Mutualista, cujas contas têm vindo a degradar-se nos últimos exercícios Enric Vives-Rubio

As contas consolidadas de 2016 do grupo Montepio ainda não estão fechadas mas poderão revelar capitais próprios negativos entre 300 e 350 milhões de euros, o que representa um agravamento de pelo menos mais de 200 milhões de euros face ao registado no exercício anterior. O Conselho Geral da associação mutualista (AMMG) vai reunir esta quarta-feira para aprovar o relatório de actividade, não sendo de excluir que a discussão derive para ajustes nas listas candidatas aos órgãos sociais da Caixa Económica Montepio Geral, neste momento “bloqueadas” no Banco de Portugal.

A dimensão final do desequilíbrio do grupo Montepio em 2016, em termos consolidados, pode estar ainda dependente de um facto subsequente que liberte capital, apurou o PÚBLICO. Por facto subsequente, entenda-se um evento que leve a um desinvestimento que liberte capital e ajude a fixar os capitais próprios num montante menos negativo. Por exemplo, a venda de 60% da holding Montepio Seguros aos chineses, CEFC Energy Company Limited, negócio assinado a 27 de Novembro de 2017, mas ainda por concretizar.

O primeiro alerta de que o grupo Montepio tinha entrado no vermelho surgiu em 2015, quando contabilizou, na soma dos números das participadas, capitais próprios negativos de 107,529 milhões de euros. Um quadro de insuficiência de capitais revelado pelo PÚBLICO a 14 de Março de 2017, com base numa nota do auditor externo.

A KPMG concluiu então que a equipa de Tomás Correia sobreavaliara a presença da AMMG, na Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) e na Montepio Seguros, ao atribuir-lhes valores inadequados: contabilizava (e contabiliza) o banco em 2,016 mil milhões e a seguradora em 256 milhões de euros.

Foi na qualidade de auditor externo que a KPMG alertou Tomás Correia para os pressupostos subjectivos dos números de 2015, em termos do plano de negócios, das condições de mercado e dos critérios macro-económicos. E recomendou a correcção dos cálculos e a apresentação de um plano para restabelecer a situação de capital e garantir a continuidade da actividade das participadas.

O quadro crítico do grupo não só se manteve no período seguinte, como ainda se agravou, de acordo com os documentos internos a que o PÚBLICO teve acesso. Em termos consolidados o Montepio fechou o exercício de 2016 (contas que vão ser aprovadas na Assembleia Geral de Março) com capitais próprios negativos que se estima que possam chegar a um máximo de 350 milhões num quadro menos favorável (mas que podem descer se beneficiarem do tal evento subsequente). O que tem uma tradução: como o passivo é superior ao activo, as responsabilidades dos 630 mil associados da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) são superiores naquele montante ao seu património. Confrontada, “a Associação desmente categoricamente que o valor apurado seja o referido, uma vez que as contas ainda não estão fechadas e consequentemente auditadas. Uma vez que não tem qualquer fundamento, não alimenta qualquer especulação”.

Os primeiros sinais de descontrolo começaram no governo de José Sócrates (com Vieira da Silva a tutelar a AMMG) quando o Montepio apareceu a investir quase 400 milhões em dois activos à época classificados pelos supervisores de problemáticos: o Finibanco, absorvido pela CEMG, e a Real Seguros (ex BPN), integrada na Lusitânia Seguros.

O resultado das aplicações financeiras é conhecido. É que a compra do Finibanco e da Real Seguros não só não aumentaram de forma consistente o volume de negócios da CEMG e da Montepio Seguros, como não deram a estas empresas quota de mercado, nem geraram retorno em termos de resultados. E fizeram disparar os custos recorrentes. Um cenário que em parte explica a degradação das contas consolidadas.

Os indícios de ruptura foram ignorados pelo governo de Passos Coelho e o de António Costa também ainda não interveio de forma eficaz. As interrogações colocam-se sobre o caminho que foi seguido, em contraponto com o empenho em fechar o dossiê Novo Banco, onde a factura para os contribuintes nacionais pode chegar perto de 12 mil milhões.

Entretanto, o PÚBLICO sabe que Tomás Correia convocou para esta quarta-feira, a título informal, os 21 membros do Conselho Geral para discutir um único ponto: o plano de actividade deste órgão. E admite-se que a KPMG apareça ao lado de Tomás Correia para introduzir temas mais delicados. É ainda expectável que os conselheiros abordem o eventual chumbo do Banco de Portugal à indicação pela AMMG de Francisco Fonseca da Silva para ser o próximo presidente do Conselho de Administração da CEMG.

O BdP levanta muitas questões à sua nomeação e dificilmente o parecer será favorável a uma adequação a poder exercer o cargo de chairman. É que Francisco Fonseca da Silva terá omitido ao supervisor, aquando da sua indicação, que o seu universo empresarial tinha dívidas de 2,2 milhões à CEMG, o que viola o artigo 85º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeira (RGICSF): “As instituições de crédito não podem conceder crédito, sob qualquer forma ou modalidade, incluindo a prestação de garantias, quer directa quer indirectamente” a “membros dos seus órgãos de administração”, nem a “a sociedades ou outros entes colectivos por eles directa ou indirectamente dominados”. 

Entretanto, Fonseca da Silva terá liquidado junto da CEMG os seus créditos, apresentando-se ao BdP sem exposição ao Montepio. E sem dar a conhecer nenhuma das situações: nem a existência dos financiamentos, nem o seu pagamento. O ruído não se esgota aqui. É que chegaram avisos verbais ao BdP, com origem num responsável do Banco Português de Gestão, de que Fonseca da Silva, enquanto executivo, foi responsável por actos de gestão polémicos. Decisões envolvendo operações em Timor e Cabo Verde. 

Ponderando todos estes antecedentes, o BdP resiste a conceder-lhe o registo de idoneidade para presidir ao Conselho de Administração (não executivo) da CEMG, de onde emana a Comissão Executiva que Tomás Correia quer ver liderada por Nuno Mota Pinto, irmão do seu advogado, Alexandre Mota Pinto.

E este é outro candidato aos órgãos sociais do Montepio a gerar polémica. Ainda há dois meses, Nuno Mota Pinto estava referenciado na lista negra do BdP, como devedor incumpridor, primeiro do BES e depois do Novo Banco (com o crédito parqueado na empresa de recuperação de dívidas). 

Em Dezembro de 2017, já depois de ser convidado pela AMMG para substituir Félix Morgado, à frente da Comissão Executiva, Mota Pinto foi regularizar o crédito de 80 mil euros, saindo da central de risco de crédito do BdP. E o Expresso avançou que este gestor pagou os 80 mil euros com novo crédito concedido pelo próprio Novo Banco, operação cujos contornos também suscitam dúvidas ao supervisor da banca. 

Tudo isto se passa numa altura em que se arrasta o processo de decisão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para investir até 200 milhões de euros na aquisição de uma participação de 10% na CEMG. Uma parceria defendida pela tutela liderada por Vieira da Silva e que voltou, esta semana, a ser reiterada pelo próprio Tomás Correia, para quem, de acordo com declarações citadas pelo Jornal de Negócios, “queiram ou não, vai nascer [o banco da economia social]. Porque ele já nasceu. E vai desenvolver-se porque tem futuro”, sem se referir especificamente à Santa Casa.

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