Michel Temer põe exército nas ruas do Rio para controlar violência

Presidente decreta intervenção federal, medida inédita com a actual Constituição. Militares passam a ter responsabilidade sobre polícias, bombeiros e informações.

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O Governo do Brasil decretou uma intervenção federal, inédita desde 1988 (ano da promulgação da actual Constituição), para controlar o crime organizado que atirou para uma espiral de violência o Rio de Janeiro, com uma área metropolitana de 12 milhões de habitantes. A situação é grave e requer uma "medida extrema", diz Brasília. A cidade "carioca" pode ter tanques nas ruas nas próximas horas.

Um decreto assinado de madrugada pelo Presidente Michel Temer retira a direcção dos serviços de segurança às estruturas locais (bombeiros, polícias e serviços de informação) e coloca o comando nas mãos do Exército. Os militares ficam com poder total sobre as medidas de segurança, incluindo a possibilidade de deter polícias ou bombeiros ou quaisquer pessoas ligadas às autoridades locais.

Entretanto, já durante o dia de sábado, Temer anunciou um novo Ministério, o da Segurança Pública, que deverá incluir a polícia federal, a polícia rodoviária federal e a força nacional, o que, a confirmar-se, esvaziará o Ministério da Justiça.

As medidas previstas no decreto de Temer têm efeito imediato, mas a decisão terá ainda de ser ratificada pelo Congresso. De acordo com o documento do Presidente, o responsável máximo passa a ser o general Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar Leste, com sede no Rio de Janeiro.

A ordem de uma intervenção federal tem de ser aprovada por maioria simples, num prazo de 24 horas e só pode ser aplicada em situações excepcionalmente graves, para repelir uma invasão estrangeira, manter a integridade nacional ou pôr termo a algo que esteja a comprometer a ordem pública. E a vida no Rio de Janeiro, segundo o executivo federal, terá chegado a um ponto incontrolável pelos meios convencionais, por causa do crime organizado liderado por gangues de droga.

Foi o próprio Presidente a classificar a iniciativa como uma "medida extrema", justificando-a com os índices de criminalidade crescente que "ameaçam a tranquilidade" do Rio de Janeiro, como descreve o diário O Globo. O mesmo jornal comenta, em editorial, que a decisão era "inevitável" desde que o governador estadual, Luiz Fernando Pezão, perdeu o comando sobre as polícias e a autoridade, também por causa dos casos de corrupção que envolvem o seu núcleo duro, "parte dele encarcerado, a começar por Sérgio Cabral", chefe do grupo político do governador e do Presidente, o PMDB (centrista), a cumprir pena de prisão por corrupção no âmbito de diversos processos, incluindo o mais conhecido Lava Jato.

"Os senhores sabem que o crime organizado quase tomou conta do estado do Rio de Janeiro", afirmou Temer, depois de assinar o decreto, que tem de ser apreciado na segunda-feira. "É uma metástase que se espalha pelo país e ameaça a tranquilidade do nosso povo", prosseguiu o Presidente, justificando assim a intervenção federal, que se restringe à área da segurança pública (e portanto não envereda pela situação típtica em que o governador é afastado) mas que, ao mesmo tempo, causa outra dor de cabeça ao governo de Brasília.

Isto porque uma situação de intervenção federal deve travar a discussão da reforma legislativa com que Temer pretende estancar o gigantesco défice do sistema de pensões, que requer uma alteração constitucional para ser aprovada. O início deste debate no Congresso estava marcado para segunda-feira. O problema é que numa situação de intervenção federal, o Congresso está impedido de fazer alterações à Constituição.

O Presidente não tocou nesse problema político, sublinhando antes que "as circunstâncias assim exigem". E prometeu "respostas duras, firmes" do governo para "enfrentar o crime organizado e as quadrilhas". 

Segundo o ministro da Defesa, o Comando Militar Leste no Rio conta com 25 mil a 30 mil militares e estará todo à disposição desta intervenção federal. Raul Jungmann revelou que além de policiamento reforçado, os "cariocas" vão habituar-se a ver tanques nas ruas, bloqueios rodoviários e acções "cirúrgicas" comandadas pelas Forças Armadas. 

Segundo o decreto de Temer, a intervenção federal – que é uma iniciativa diferente de uma intervenção militar – irá durar até 31 de Dezembro. O secretário de Segurança do Rio de Janeiro, Roberto Sá – que depende organicamente da tutela da Justiça –, foi afastado na quinta-feira. Mas o seu homólogo nacional, Carlos Alberto dos Santos Cruz, sublinha que para restituir a segurança ao Rio e o sentimento de tranquilidade à população é preciso mais do que pôr tanques na rua. "Será preciso ter lideranças políticas fortes que façam uma boa administração e mobilizem também o poder Judiciário e o Ministério Público para resolver a crise", disse, segundo o portal UOL.

No mesmo sentido vão as opiniões de dois especialistas citados pelo mesmo portal, o maior do mundo em língua portuguesa. A socióloga Julita Lemgruber, classifica a iniciativa como um "show pirotécnico" de Brasília, lembrando que a presença das Forças Armadas no Rio, em 2014, para intervir em favelas controladas por traficantes de drogas foi uma gigantesca despesa que acabou por transformar a "guerra da droga" numa guerra fortemente armada nas favelas. 

Por outro lado, João Trajano Sento-Sé, de um instituto de análise da violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, mostra-se igualmente "céptico quanto aos resultados". "É um grande espectáculo que o poder político oferece para aplacar as ansiedades da população, sobretudo as classes médias, mas sem resultado nenhum", avalia.

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