ANC marca moção de censura para afastar Zuma, que diz "não fiz nada de mal"

A polícia sul-africana fez buscas na residência da família Gupta, que é suspeita num caso de corrupção que envolve o ainda Presidente. Zuma garante que não fez nada de errado e considera pedido de demissão "injusto".

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Jacob Zuma falou finalmente, mas ainda não se demitiu KIM LUDBROOK/EPA

Perante a recusa de Jacob Zuma de se demitir da presidência, apesar da ordem aprovada pelo comité executivo do seu partido, o Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), não teve outra opção do que concordar com a apresentação de uma moção de censura no Parlamento nesta quinta-feira. Zuma garante que não fez nada de errado para ser obrigado a demitir-se e que propôs ao líder do partido sair em Junho.

A crise politica sem precedentes em que se viu envolvida a África do Sul nas últimas duas semanas não pára de se aprofundar. A polícia sul-africana realizou esta manhã buscas à casa da família Gupta em Joanesburgo – que é suspeita de ter utilizado a sua influência sobre o ainda Presidente para obter decisões governamentais favoráveis. Um dos membros desta família, o irmão mais velho, Ajay Gupta, terá sido detido para ser interrogado.

De acordo com o que está a ser noticiado pelos media sul-africanos, a liderança parlamentar do ANC reuniu-se na manhã desta quarta-feira. Aí ficou decidido apoiar que uma moção de censura marcada para dia 22 deste mês, por iniciativa do partido da oposição Combatentes pela Liberdade Económica (EFF, na sigla em inglês), fosse antecipada para esta quinta-feira, com acrescentos da autoria do ANC.

O líder parlamentar do ANC, citado pela Reuters, diz mesmo que espera ter um novo Presidente em funções até sexta-feira.

"Não desafiei o partido"

Jacob Zuma quebrou finalmente o silêncio a que se remeteu desde o início desta crise e concedeu uma entrevista ao canal SABC em que garantiu que não fez nada de mal para que fosse obrigado a pedir a demissão. “Ninguém veio ter comigo e disse: ‘Isto foi o que você fez’”, afirmou, explicando as conversações que manteve com a liderança do seu partido e acrescentando que o pedido para que se afaste do poder é “injusto”.

O ainda Presidente revelou também que propôs a Ramaphosa apresentar a demissão depois de Junho, referindo que esperava presidir à conferência dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, e África do Sul), que decorre em Joanesburgo, e aproveitar a ocasião para apresentar Ramaphosa aos outros líderes: “Eu gostaria de me demitir depois de Junho. A razão? Este país tem relação com muitos outros países”.

Zuma garantiu que vai aceitar a decisão do Parlamento caso seja aprovada a moção de censura entretanto agendada para quinta-feira, numa aparente sugestão de que não vai apresentar a demissão. Apesar disso, o Presidente sul-africano afirmou nesta entrevista que vai realizar um anúncio ainda nesta quinta-feira, suscitando novamente especulação sobre uma possível saída voluntária.

“Não, eu não desafiei o partido. Houve várias coisas que aconteceram e que foram ditas”, continuou. “Não tive a oportunidade de dizer nada. Em parte porque eu acredito que as coisas têm de acontecer em privado, não através da comunicação social”, disse ainda, acusando alguns membros do ANC de passar informações para os media.

“Qual é a pressa?”

“Qual é a pressa?”, questionou Zuma, destacando que faltam apenas 18 meses para que o seu segundo e derradeiro mandato termine. “Achei muito estranho que me dissessem ‘tem que ir embora’, porque está a caminho um novo Presidente. Isto é não é a política do ANC”, acrescentou.

A Constituição sul-africana estabelece que é apenas necessária uma maioria simples no Parlamento para que uma moção de censura seja aprovada. Tendo em conta que o ANC tem 60% dos assentos, a queda de Zuma através de uma moção deste género é um dado praticamente adquirido. Se isso acontecer, todo o Governo colapsa, incluindo o vice-presidente, Ramaphosa. Neste cenário, o speaker do Parlamento será automaticamente Presidente até que seja eleito um novo pelos deputados — neste caso, e tendo em conta a maioria do ANC, é provável que Ramaphosa seja nomeado chefe de Estado.

Caso Zuma se demita antes da votação da moção de censura, o seu Governo mantém-se em funções e Ramaphosa subirá ao cargo de Presidente automaticamente.

A pior opção para o ANC

Esta foi a opção que Cyril Ramaphosa, vice-presidente e líder do ANC desde Dezembro, sempre quis evitar, pois deixará a oposição liderar o processo de destituição de Zuma, para além de poder provocar uma divisão ainda maior no seio do partido e relativamente à ainda forte base de apoio que o Presidente detém no eleitorado.

Nas últimas duas semanas Cyril Ramaphosa tentou enveredar por todos os caminhos possíveis de forma a destituir pacificamente Zuma, cujo mandato termina no próximo ano. O objectivo do vice-presidente desde que foi eleito líder do ANC era terminar o mais cedo possível com a governação de Zuma, que nos últimos nove anos foi marcada por suspeitas de corrupção e por instabilidade económica, para subir ao poder e aproveitar o tempo que resta até às eleições de 2019 para limpar a imagem do partido, que está no poder desde 1994, e impedir que seja castigado nas urnas.

No início deste mês, a liderança do partido tentou convencer Zuma a afastar-se voluntariamente. Perante a primeira recusa, foi marcado um comité executivo. Mas, depois de se iniciarem negociações directas entre Ramaphosa e Zuma, a reunião do órgão partidário foi cancelada, bem como o discurso sobre o estado da Nação. Tudo isto indicava que ambos haviam alcançado um acordo, ou estavam muito próximos disso.

No entanto, no último fim-de-semana, tudo voltou atrás e as conversações caíram. Na segunda-feira ocorreu mesmo um encontro de urgência do comité executivo do ANC em que foi dada ordem a Zuma para apresentar a demissão, enquanto representante eleito pelo partido. 

Buscas na residência dos Gupta

Para além das novidades políticas, que chegam a toda a hora, a África do Sul acordou nesta quarta-feira sabendo que uma unidade de elite da polícia, conhecida como Hawks (falcões) realizou buscas na luxuosa residência da família Gupta em Joanesburgo.

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A polícia fez buscas e detenções na residência dos Gupta, em Joanesburgo KIM LUDBROOK/EPA

As autoridades confirmaram depois a detenção de três pessoas durante esta operação. A televisão SABC noticiou que um dos detidos é um membro da família Gupta. De acordo com a Reuters, serão detidas pelo menos mais cinco pessoas.

Hangwani Mulaudzi, porta-voz da unidade responsável pela operação, explicou que as buscas estão relacionadas com um caso de tráfico de influências no seio do Governo sul-africano, possivelmente relacionado com um projecto de exploração agropecuário (Vrede Dairy Farm). “Estamos a levar esta investigação muito a sério. Não estamos a brincar no que respeita a garantir que aqueles responsáveis pela chamada captura do Estado sejam responsabilizados”, afirmou Mulaudzi.

A família Gupta é suspeita daquilo que foi apelidado pelos investigadores de “captura do Estado”. Em concreto, a relação entre Zuma e os Gupta - três irmãos empresários de origem indiana radicados na África do Sul – está na mira da justiça pois os empresários terão utilizado a sua influência para garantir, entre outras coisas, nomeações favoráveis para o Governo, contratos multimilionários com o Estado ou informação privilegiada.

Apesar de ser o mais mediático, este é apenas um entre centenas de casos de corrupção em que Zuma se viu envolvido durante a sua longa carreira política. 

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