Pressão do turismo e energia não chega para fazer subir inflação

Alojamento, restauração e combustíveis estão entre os bens e serviços ondes os preços mais sobem. Mas no geral, não há ainda um regresso da inflação em Portugal.

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paulo pimenta

Numa altura em que a perspectiva de um regresso da inflação está a agitar os mercados financeiros de todo o mundo, os preços em Portugal continuam sem dar sinais de uma subida generalizada e, em Janeiro, a variação homóloga voltou a cair e a cifrar-se abaixo da média da zona euro. Ainda assim, há produtos e serviços, principalmente aqueles em que o efeito do aumento do número de turistas mais se faz sentir, onde a inflação se está a fazer sentir, penalizando o poder de compra das famílias.

Nos Estados Unidos e na Europa, a inflação é um dos temas do momento. Começaram finalmente a surgir sinais de que o crescimento da economia e do emprego está a começar a reflectir-se na evolução dos salários. Na economia norte-americana, os salários registaram em Janeiro o maior aumento desde 2009 e, na zona euro, surgem notícias de um acréscimo de capacidade reivindicativa por parte dos sindicatos.

Se os salários subirem, a probabilidade de um ressurgimento da inflação – que já se começa a registar nos Estados Unidos, mas que na zona euro é ainda muito insípido – aumenta. Esta perspectiva tem sido a principal razão para a descida do valor das acções nas bolsas mundiais durante as últimas semanas, porque inflação mais alta significa que os bancos centrais vão ter de agir mais rapidamente e começar a subir taxas de juro.

E especificamente em Portugal - onde a variação anual dos preços tem permanecido sistematicamente abaixo dos 2% durante os últimos anos - há motivos para pensar que chegou a hora do regresso da inflação? Os dados apresentados pelo Instituto Nacional de Estatística na segunda-feira dão conta da manutenção da inflação a níveis ainda muito moderados, com as principais subidas de preços a surgirem principalmente em produtos e serviços influenciados pelo aumento da procura turística ou pela subida do custo dos produtos petrolíferos.

De acordo com o INE, de Janeiro do ano passado até Janeiro deste ano, os preços subiram 1,1% em Portugal. Isto é, abrandaram face aos 1,6% registados em Dezembro de 2017 e voltaram a cair para um valor baixo da média da zona euro, que foi de 1,3%.

A inflação em Portugal, que chegou aos 1,9% em Outubro passado, recua agora para níveis mais baixos, parecendo não sustentar a ideia de que se esteja perante um aumento generalizado dos preços.

Turismo e petróleo pressionam

Ainda assim, olhando para os dados disponibilizados pelo INE para cada produto e serviço, é possível notar que há áreas onde a tendência de subida de preços é notória e outras onde aquilo que está a acontecer é a uma diminuição dos custos suportados pelos consumidores.

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A categoria de bens onde se registou durante os últimos doze meses uma taxa de inflação média mais alta é a dos restaurantes e hotéis: 3,8%. Comparando Janeiro deste ano com Janeiro do ano passado, os preços dos serviços de alojamento (por exemplo quartos de hotéis) cresceram 4,3%, bem acima dos 1,1% registados nas totalidades dos bens e serviços. E os preços nos restaurantes e cafés subiram 2,1%.

O alojamento e a restauração são dois tipos de negócios cujo preço é influenciado, não só pela procura dos residentes, mas também dos não residentes que estão de visita ao país. E, com o fluxo de turistas a registar um crescimento poucas vezes visto, é lógico assumir que será principalmente por esta via que a inflação está aqui a crescer.

Outra categoria onde se regista uma subida de preços acima da média é a dos transportes: 2,9%. Neste caso, aquilo que pode explicar o resultado é a subida durante o último ano dos preços dos combustíveis nos mercados internacionais. Isso faz subir, não só o preço da gasolina e do gasóleo, que ficaram 3,3% mais caros nos últimos doze meses, como também os preços dos serviços de transportes (que no caso dos transportes aéreos de passageiros registam em Janeiro uma subida com mais de 60%).

Para se comprovar a importância que os produtos energéticos têm tido na evolução da inflação em Portugal, basta verificar que, retirando-os da análise, a variação homóloga dos preços teria sido de apenas 0,9%.

Há ainda outros produtos, onde os preços estão a subir significativamente do que a média. Por categoria, a das bebidas alcoólicas e tabaco regista uma subida de 2,6%, algo que pode ser explicado pelas alterações a nível fiscal realizadas.

Por produtos, destaca-se a subida de 13% nos preços da água mineral, refrigerantes e sumos de fruta e de 5% nos óleos e gordura, apesar da inflação na categoria de produtos alimentares e bebidas não ter passado dos 1,5%.

Nas comunicações, que também registam de preços acima da média, destaque para o aumento do preço de 6,8% nos serviços postais.

No imobiliário, os preços das casas não fazem parte dos dados da inflação, incluindo-se apenas o valor das rendas efectivas, para o qual o INE estima uma subida de apenas 0,7% durante o último ano, apesar de haver notícia de uma forte pressão nesta área em algumas zonas do país.

Euro ajuda

Há depois uma série de bens e serviços em que a subida de preços é bastante mais moderada, havendo mesmo aqueles em que os preços diminuíram de forma significativa. Aqui destaca-se claramente a categoria do vestuário e calçado, com uma taxa de inflação média nos últimos doze meses de -2,7%.

Analisando os dados em termos homólogos, o calçado está agora 5,4% mais barato do que no início de 2017 e os artigos de vestuário 4,2% mais baratos.

Neste caso, a pressão descendente dos preços tem vindo a ocorrer ao longo dos anos por via da entrada de bens importados a preços mais baratos. Na actual conjuntura, essa tendência pode ter-se intensificado por causa da apreciação do euro face à generalidade das outras divisas internacionais, o que faz com que os produtos importados fiquem automaticamente mais baratos.

A apreciação do euro é aliás, a par da forte moderação nos salários que ainda se regista, um dos motivos para que, em geral, a subida dos preços em Portugal se mantenha nesta fase a um nível moderado, já que contribui para que as importações fiquem mais baratas, impedindo por exemplo subidas mais bruscas no valor dos combustíveis.

Não se pense contudo que o facto de Portugal manter uma inflação baixa (e que está agora outra vez abaixo da média da zona euro) é só por si suficiente para garantir que que o país não irá sentir os efeitos negativos de uma eventual mudança de política monetária. Quando o Banco Central Europeu decide a que nível devem estar as suas taxas de juro, fá-lo tendo em conta as circunstâncias gerais na zona euro e não a situação específica de cada país.

Sendo assim, é possível que, em teoria, se a taxa de inflação da zona euro subir (empurrada por exemplo por um aumento substancial dos salários e da procura interna alemã) e a taxa de inflação portuguesa se mantiver aos níveis actuais, o BCE possa iniciar uma subida das taxas de juro mais cedo do que o previsto.

Para os portugueses (para além dos benefícios que poderiam resultar do ganho de competitividade das empresas nacionais), uma subida das taxas de juro mais rápida tornaria os encargos com o pesado endividamento ainda mais elevados, reduzindo o seu poder de compra e eventualmente prejudicando a economia.

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