Acusado de violação de direitos humanos, Weinstein queixa-se de ser “um bode expiatório”

Venda da sua produtora congelada no último minuto por procurador-geral de Nova Iorque, que acusa a empresa de violação de direitos civis, humanos e leis empresariais. Harvey Weinstein, em tratamento no Arizona, fala de "culpa", mas nega "natureza criminal".

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No caso Weinstein, o julgamento da opinião pública começou em Outubro de 2017, mas a justiça ainda não se pronunciou sobre ele. E domingo, esse processo judicial pode ter começado. O procurador-geral de Nova Iorque defende que a Weinstein Company criou “um ambiente de trabalho hostil baseado no género durante anos, um padrão de assédio sexual e uso indevido de recursos para fins ilegais”. O processo contra os irmãos Weinstein teve duas consequências imediatas: congelar a venda da produtora e distribuidora, e fazer Harvey Weinstein quebrar o silêncio para dizer que se tornou “num bode expiatório”.

Harvey Weinstein, tem noticiado a imprensa norte-americana, encontra-se numa clínica de tratamento e reabilitação no Arizona desde Outubro, quando a primeiras investigações do New York Times e da New Yorker denunciaram a existência do que agora se estima serem cerca de 85 mulheres abusadas, assediadas ou violadas pelo produtor. Tem emitido algumas declarações, através dos seus advogados ou representantes, em momentos específicos, como para reagir a acusações feitas por algumas mulheres cujo perfil público e história sobre o outrora poderoso distribuidor e produtor tem particular ressonância — como Uma Thurman ou Salma Hayek.

Agora, o seu advogado, Ben Brafman, respondeu ao processo apresentado por Eric Schneiderman, procurador-geral de Nova Iorque, contra Bob e Harvey Weinstein. O processo agora apresentado está apenas indirectamente ligado às dezenas de acusações de assédio ou violência sexual por parte de actrizes e funcionárias de Weinstein. Mas diz respeito à cultura sistémica de discriminação no seio da sua empresa, que algumas das suas acusadoras defendem ter sido cúmplice dos seus abusos. Algumas trabalhadoras acusaram também Weinstein de assédio.

No processo de domingo, Schneiderman acrescenta que o “padrão de assédio sexual” foi identificável durante pelo menos dois anos, entre 2005 e 2007, e acusa a gestão da empresa de ter sido “repetidamente confrontada com provas credíveis do assédio sexual” de Weinstein, nomeadamente de funcionários seus, e “do seu uso de empregados e recursos da empresa para facilitar actividade sexual com terceiros”.

Um “ambiente tóxico para as mulheres”, como descreve uma funcionária da empresa no documento, que as empregava também em função do seu aspecto para atrair os homens de negócios com quem o empresário trabalhava, ou lhes impunha tarefas degradantes, como adquirir e aplicar medicação para a disfunção eréctil. Bem como, tal como sugerem as investigações e denúncias que surgiram em catadupa desde Outubro, para agir como elementos de confiança junto de actrizes que eram colocadas em situações passíveis de abusos.

“Embora o comportamento de Weinstein não seja isento de culpa, seguramente não houve natureza criminal, e no fim da fase de inquérito será claro que Harvey Weinstein promoveu mais mulheres para cargos-chave ao nível executivo do que qualquer outro líder na indústria e que existia discriminação zero quer na [produtora onde primeiro alcançou a fama, a] Miramax, quer na TWC [The Weinstein Co.]”, responde o seu advogado. Ben Brafman, cujo cliente negou consistentemente todas as acusações de sexo não-consensual com as suas muitas acusadoras, acredita que “uma investigação justa demonstrará que muitas das alegações contra Harvey Weinstein não têm mérito”.

E, lê-se no comunicado citado pela imprensa anglosaxónica, “se o objectivo da investigação é reformar amplamente a indústria cinematográfica, o sr. Weinstein acolherá a investigação. Se, contudo, o objectivo for de tornar o sr. Weinstein num bode expiatório, ele defender-se-á com vigor”.

Este não será o único processo a ver a luz do dia — em Los Angeles, em Londres e ainda em Nova Iorque estão a ser analisados casos passíveis de acusação formal. Este processo, porém, tem implicações quanto à venda da Weinstein Co., que tenta há meses evitar a falência e que estava na iminência de ser comprada por um grupo encabeçado por Maria Contreras-Sweet, antiga colaboradora da Administração Obama.

A compra estava aliás quase a acontecer no mesmo domingo em que o processo do procurador-geral deu entrada no sistema, ficando em suspenso os 275 milhões de dólares do valor de compra e a assunção dos 225 milhões da dívida da Weinstein Co., detalha o New York Times. O processo tem afinal em parte o objectivo de garantir que “qualquer venda da Weinstein Company tem de garantir que as vítimas serão compensadas, [que] os empregados [serão] protegidos doravante e que nem os perpetradores nem os facilitadores sejam injustamente enriquecidos”.

O grupo de investidores tinha-se comprometido publicamente a criar um fundo de milhões para ajudar judicialmente as mulheres que tenham acusado Weinstein. Contudo, diz o mesmo jornal citando o responsável pela comunicação da procuradoria de Nova Iorque, nas condições da venda não estava previsto um fundo de compensação de vítimas.

Outro dos temas mais sensíveis na venda e mudança de mãos da empresa é a posição em que ficam funcionários actuais e antigos em relação aos seus acordos de sigilo, um dos pontos de análise de todo o caso Weinstein por terem alegadamente impedido a denúncia e o julgamento de crimes públicos como o de abuso e violação por parte de várias alegadas vítimas. Esses documentos condicionaram já o diálogo entre os compradores e a procuradoria. O processo deu entrada no Supremo Tribunal de Nova Iorque e para já congelou a operação de venda, que segundo o acordo de aquisição não iriam receber dinheiro pela operação.

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