Parlamento recomenda ao Governo criação de Arquivo Sonoro Nacional

Os partidos uniram-se hoje na aprovação de cinco projectos de resolução, na Assembleia da República, a favor da criação do Arquivo Sonoro Nacional, prometido desde 2006.

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A preservação do património sonoro português num Arquivo Nacional é "essencial", defende a etnomusicóloga Salwa Castelo-Branco Adriano Miranda

Doze anos depois da proposta inicial, num Governo socialista, o parlamento aprovou cinco projectos de resolução (PSD, PS, BE, CDS e PEV), mas chumbou um projecto de lei do PCP que criava o arquivo, com os votos contra do PS, e a abstenção do PSD e do CDS.

No debate, o PSD, através de Helga Correia, foi o primeiro a falar e para criticar o atraso do actual Governo, do PS, que se diz “tão amigo da Cultura”, a pôr em pratica este arquivo, essencial para preservar a memória. Pedro Delgado Alves, do PS, respondeu às críticas do PSD com outras críticas, afirmando que todos se lembram do que o Governo de direita fez na anterior legislatura, mas saudou o consenso formado no parlamento. E disse discordar da forma, projecto de lei, utilizado pelo PCP para propor a criação do arquivo sonoro, dado que sendo "uma instituição pública" deveria ser "enquadrada na actividade e orgânica da administração pública, a cargo do Governo".

Jorge Campos, do BE, falou da importância e da necessidade de ter um arquivo sonoro que contribua para uma “memória em construção” e lembrou o trabalho feito por Michel Giacometti (1929-1990), etnomusicólogo francês responsável pela recolha de música tradicional portuguesa. Teresa Caeiro, do CDS, também defendeu o “consenso muito saudável” a favor do arquivo, mas criticou o atraso do ministro da Cultura na decisão. “Talvez por ser imaterial, não se vê” nada da parte do Governo, afirmou. Pelos Verdes, a deputada Heloísa Apolónia afirmou que “o Estado deve assumir as suas responsabilidades” na defesa deste património imaterial e recordou que a Cultura “tem sido o parente pobre” das políticas públicas.

Já Ana Mesquita, do PCP, único partido a propor um projeto de lei, afirmou ser tempo de ter um Governo que “quer mesmo fazer a defesa deste património”. Ao arquivo compete “conservar toda a produção musical e registo fonográfico e radiofónico nacionais editados e difundidos em Portugal” e é tutelado pelo ministério que tiver a tutela da área da Cultura, de acordo com o texto do diploma dos comunistas.

Portugal “é um dos poucos a nível europeu que não tem um arquivo sonoro nacional”, alega o PCP, afirmando que ao Estado “também incumbe, no cumprimento dos seus desígnios constitucionais, preservar esta expressão cultural que é contida no som e na música”.

O BE recomenda ao Governo, na sua resolução, que seja criado o Arquivo Sonoro Nacional até ao fim da legislatura (2019) e que o concurso público seja lançado no prazo de seis meses. O Partido Ecologista “Os Verdes” sugere no seu texto a criação de um Arquivo Sonoro Nacional “com vista à compilação, armazenamento, preservação e divulgação do património sonoro, musical e fonográfico nacional”.

Já o projecto de resolução do PSD propõe ao Governo que tome medidas para a salvaguarda e projecção nacional do património sonoro, musical e radiofónico através da Direção Geral do Património Cultural, incluindo um levantamento sobre as opções em análise. O CDS sugere ao executivo que seja feito um estudo para analisar as melhores opções para a “criação de um Arquivo Sonoro Nacional, com vista à compilação, armazenamento, preservação e divulgação do património sonoro, musical e fonográfico nacional”.

A lei baixa agora à comissão parlamentar, para debate na especialidade, antes da sua votação final global.

Arquivo sonoro é "essencial"

Esta quinta-feira, a etnomusicóloga Salwa Castelo-Branco, ex-vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa, qualificou à Lusa de "essencial" a criação de um Arquivo Sonoro Nacional (ASN), para o qual Portugal tem "especialistas com experiência no trabalho técnico, de curadoria e de investigação".

A investigadora, que fundou o Instituto de Etnomusicologia - Centro de Estudos em Música e Dança, faz parte de uma comissão conjunta para criação do ASN, que inclui os secretários de Estado da Ciência e Tecnologia, e o da Cultura, a par de outros investigadores como Pedro Félix, também da Universidade Nova de Lisboa. Esta comissão inclui ainda o músico e compositor Miguel Azguime, o investigador Paulo Ferreira de Castro e o reitor da Universidade de Aveiro, Manuel António Assunção.

Salwa Castelo-Branco, em declarações à agência Lusa, afirmou que "a criação de uma infra-estrutura, como o Arquivo Sonoro Nacional, é fundamental, e, em Portugal, já temos especialistas com experiência no trabalho técnico, de curadoria e de investigação, três componentes que são fundamentais".

Já em Novembro último, falando à Lusa, a ex-coordenadora do Departamento de Ciências Musicais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, lamentou que tivesse ficado em espera o projecto do arquivo sonoro, previsto desde 2006, por ser "uma infra-estrutura que permitiria as condições tecnológicas para preservar e disponibilizar online e presencialmente o património fonográfico de Portugal, e até, eventualmente lusófono".

A investigadora, que preside o Conselho Internacional da Música Tradicional, órgão consultivo da UNESCO, que dirigiu a edição da Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, qualificou como "muito preocupante" ter ficado em suspenso este arquivo, depois de ter sido feito "muito trabalho" pelo Instituto de Etnomusicologia, em colaboração com o Museu do Fado, na digitalização e disponibilização do espólio que foi adquirido por Portugal ao colecionador inglês Bruce Bastin.

A directora do Museu do Fado, em Lisboa, Sara Pereira, por seu lado, recordou à Lusa que o processo de digitalização das cerca de 3 mil gravações de fados da primeira metade do século XX, da coleção Bastin, se iniciou em Junho de 2016. Sara Pereira afirmou que os discos da coleção adquirida a Bruce Bastin se encontram "devidamente acondicionados" em depósito no Museu do Fado.

O Museu do Fado tem procedido à digitalização e restauro do acervo discográfico na sua posse, "promovendo a publicação online do Arquivo Sonoro Digital, um dos compromissos estratégicos do Plano de Salvaguarda da Candidatura do Fado à Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade".

Segundo a responsável "trata-se de um importantíssimo repositório de fonogramas históricos, desde o início do século XX, facultando o acesso gratuito e integral a vários milhares de gravações históricas, num projeto de continuidade, da parceria desenvolvida entre o Museu do Fado e o Instituto de Etnomusicologia da Universidade Nova de Lisboa.

Esta parceria científica contempla a "digitalização de diferentes tipos de suporte", como "discos de goma-laca a 78 rotações, discos de vinil (a 33 e 45 rotações), discos instantâneos (de acetato), discos não tipificados (a diferentes velocidades e de diferentes dimensões), suportes digitais, fita magnética, cassetes, entre outros". Prevê ainda o "estudo do som gravado e a investigação permanente em tecnologia e procedimentos no quadro da arquivística do som (metadata, processamento digital, transferência de suportes, migração, restauro, bases de dados)". Um terceiro ponto desta parceria de investigação é a "edição de fonogramas com repertório histórico devidamente restaurados e masterizados".

Em Julho de 2016, etnomusicólogos, especialistas e responsáveis de arquivos de vários países de expressão portuguesa enfatizaram, num colóquio realizado em Aveiro, a importância de criar um arquivo sonoro lusófono. Neste encontro científico estiveram presentes o director do Museu Nacional de Etnologia, Paulo Ferreira Costa, e Eduardo Leite, responsável pelo arquivo sonoro da RTP.

Em Lisboa, o Museu de Etnologia tem no seu espólio fonogramas de música tradicional, e o Museu Nacional do Teatro tem também um acervo sonoro. O grupo RTP anunciou, em Outubro de 2007, que estava a preparar um projeto que ia permitir o acesso livre dos cidadãos a parte do arquivo sonoro da RDP, com quase um século de história. O projecto, intitulado Arquivo Criativo, apostava na colocação de uma amostra das mais de cem mil horas de fonogramas do espólio da RDP numa plataforma online, onde os utilizadores podem ter acesso direto e gratuito.

O depósito legal de fonogramas, por força do decreto-lei n.º 74/82, é assegurado pela Biblioteca Nacional de Portugal.

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