Descarbonização: O clima e a saúde agradecem

Qualquer evolução no sentido da descarbonização da economia é francamente positiva.

No passado dia 30 de janeiro foi publicado, pelo think thank para a política climática europeia Sandbag, o relatório The European Power Sector in 2017, com a atualização para o ano de 2017 da transição que se vem a operar no setor energético a nível europeu. À primeira vista, o relatório traz boas notícias.

A geração de energia eólica, solar e biomassa contribuiu com cerca de 20,9% para o mix de produção de energia na União Europeia (UE), em 2017. Em 2010, o seu peso era de 9,7%. Apenas em 2017 verificou-se um aumento significativo face a 2016 (cerca de 12%, para 679 TWh) o que permitiu, pela primeira vez, ultrapassar a geração de energia com origem no carvão (669 TWh). Sem dúvida que o progresso é notável, pois há apenas cinco anos, a produção a partir do carvão era mais do que o dobro da produção a partir do vento, sol e biomassa.

O carvão é a forma mais poluente de produção de energia com significativos impactos quer em termos de emissões de GEEs quer na saúde humana. A poluição atmosférica daí decorrente causa problemas de saúde como acidentes vasculares cerebrais, asma e bronquite. Estima-se que, em 2015, a poluição resultante das centrais elétricas movidas a carvão foi responsável, apenas na UE, por 53 mortes prematuras por dia, a maioria por problemas respiratórios (Beyond Coal, 2017). Assim, qualquer evolução no sentido da descarbonização da economia é francamente positiva.

Contudo, uma análise mais atenta do relatório permite constatar que há falhas na transição em curso no setor energético e que devem merecer a reflexão dos decisores de política.

Em primeiro lugar, o crescimento destas energias renováveis tem sido desigual, verificando-se uma concentração quer do ponto geográfico quer do ponto de vista tecnológico.

Desde 2014, Alemanha e Reino Unido são responsáveis por 57% do crescimento verificado. Há muitos países que fizeram muito pouco. Alguns têm tido taxas de crescimento anémicas desde o início da década (ex. França) e outros países (nos quais se encontra Portugal), apesar do bom crescimento no início da década, não verificam praticamente progressos desde 2014.

Também, o maior impulso provém da energia eólica, com um crescimento de cerca de 19% em 2017 devido aos elevados investimentos onshore e offshore e às condições de vento favoráveis. É importante acelerar a diversificação, nomeadamente, a implementação de energia fotovoltaica.

Em segundo lugar, o consumo europeu de eletricidade aumentou 0,7% em 2017 e pelo terceiro ano consecutivo. Nos últimos três anos, o PIB europeu cresceu anualmente cerca de 2% e a procura de energia cerca de 1% ao ano. Apesar de este resultado apontar para um aumento da eficiência energética, esta parece não ser ainda suficiente. Assim, a política europeia a este nível precisa ser fortalecida. 

Em terceiro lugar, as emissões de carbono do setor produtor de energia mantiveram-se inalteradas em 2017. Isto porque não se verificou uma diminuição no consumo de fósseis dados os níveis extremamente baixos de produção hídrica por toda a Europa, a baixa produção de energia nuclear em França e o aumento verificado no consumo de eletricidade. Apesar do forte crescimento verificado na energia eólica, este não foi suficiente para compensar estes efeitos. Em termos globais, as emissões de GEEs aumentaram aproximadamente 1% em 2017 na UE.

Por fim, se há países na Europa Ocidental a anunciar a extinção de centrais a carvão (em 2017, Itália, Holanda e Portugal juntaram-se ao Reino Unido, Finlândia e França), outros, em especial na Europa de Leste, permanecem fiéis a este combustível, não existindo qualquer movimentação neste sentido. Na própria Alemanha, o maior consumidor europeu de carvão, o debate continua e apenas se espera venha a existir uma decisão em 2019.

Neste contexto, as negociações relativas ao Pacote Clean Energy for all Europeans, atualmente em curso e que se esperam estejam concluídas no final de 2018, serão determinantes. Este pacote deverá implementar o Acordo de Paris e avançar na política energética da UE, em particular no funcionamento do mercado energético e a favor da descarbonização da economia. Avizinham-se intensos debates entre as diferentes instituições da UE, com ambições diferentes quanto àqueles que devem ser os objetivos europeus em matéria de energias renováveis e eficiência energética. Relativamente a energias renováveis, os estados-membros pretendem uma quota de 27% na procura final de energia em 2030, a Comissão 30% e o Parlamento Europeu 35%. Relativamente a eficiência energética, os governos dos estados-membros e a Comissão pretendem um aumento de 30% em 2030 e o Parlamento Europeu 35%.

Mas não basta decidir quanto aos números. Será necessário o adequado enquadramento regulatório aliado a instrumentos de financiamento inteligentes.

As posições das instituições europeias são também díspares relativamente a uma questão central na descarbonização da economia: muitas centrais a carvão operam ainda pois são subsidiadas. Em dezembro passado, os estados-membros no Conselho votaram no sentido da sua manutenção. Já a Comissão pretende a sua eliminação dada a necessidade de rapidamente descarbonizar o sistema produtor de energia europeu.

Através de medidas de política, incluindo preços de carbono, compromissos no sentido de eliminar centrais a carvão, metas para qualidade do ar e apoio a tecnologias que permitem a produção de energia com baixas emissões de carbono, a Europa está pronta para fazer a mudança para um novo mix energético. Mas não tenhamos ilusões. Todos têm que remar no mesmo sentido.

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