Devin Nunes, o luso-descendente que é o “grande herói americano” de Trump

Anteriormente muito afastado daqueles que são hoje os mais fervorosos apoiantes do actual Presidente, Nunes foi-se aproximando até se tornar no ponta-de-lança de serviço de Trump.

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MICHAEL REYNOLDS/EPA

Lemingues com coletes suicidas – foi assim que Devin Nunes descreveu, em 2013, um grupo de colegas da ala mais conservadora do Partido Republicano que se preparava para provocar um shutdown durante a Administração Obama por causa do Obamacare. Hoje, esse grupo de republicanos mais conservadores vê em Nunes a personificação do verdadeiro “herói americano”.

O que fez com que este luso-descendente (descende de açorianos que emigraram para os EUA e um dos congressistas que mais têm defendido a presença americana na Base das Lajes) passasse, no espaço de alguns anos, de um congressista moderado que atacava a ala mais conservadora, para peça-chave na estratégia de Donald Trump para descredibilizar a investigação sobre as suspeitas de interferência da Rússia nas eleições de 2016 e o possível conluio com a então campanha republicana?

Nunes é líder da Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes e foi o arquitecto do memorando que os republicanos divulgaram na semana passada, sem a oposição do Presidente, e que põe em xeque a actuação do FBI e do Departamento de Justiça, acusando as duas instituições de terem pedido um mandado de vigilância sobre um antigo conselheiro da campanha de Trump apenas por razões políticas.

O documento foi criticado por democratas e alguns republicanos, com o argumento de que a informação aí contida – baseada em documentos confidenciais – estava descontextualizada e era “enganadora”.

Este foi o assunto da semana na política americana e, consequentemente, o congressista californiano passou a ser o centro das atenções. Trump considerou-o um “grande herói americano”. “O representante Devin Nunes, um homem de tremenda coragem, pode vir a ser reconhecido como um Grande Herói Americano pelo que expôs e pelo que teve de passar”, escreveu o Presidente no Twitter na segunda-feira.

A forma como tem defendido o Presidente Trump e se tem esforçado por levar avante a estratégia da Casa Branca para afastar quaisquer suspeitas de conluio com Moscovo ou de obstrução à justiça, através da descredibilização da investigação na opinião pública, fez com que também fosse amplamente admirado pela chamada alt-right, os mais fervorosos apoiantes de Trump.

Ascensão pela mão de Trump

Nunes chegou à Câmara dos Representantes em 2003, na altura com 29 anos, sendo impulsionado pelo veterano e poderoso congressista republicano, e também californiano, Bill Thomas, e por um dos membros da equipa deste, Kevin McCarthy.

Thomas liderou a principal comissão fiscal desta câmara do Congresso e contribuiu para que Nunes fizesse parte do órgão. Alguns anos mais tarde, McCarthy foi eleito para substituir Thomas na Câmara dos Representantes, entrando imediatamente num influente grupo de aliados republicanos composto por, entre outros, Eric Cantor e Paul Ryan – que eram vistos como o futuro e a fonte regenerativa do partido. Nos anos que se seguiram, McCarthy tornou-se líder da maioria republicana, Ryan chegou a speaker e Nunes foi eleito líder da Comissão de Serviços Secretos.

Se muita coisa mudou com o início da era Trump, uma delas foi a carreira e estilo de Nunes. Terá sido durante a campanha presidencial de 2016 que o californiano se começou a envolver no movimento criado em redor de Trump, mudando a sua postura pouco a pouco.

Como líder da Comissão de Serviços Secretos, ofereceu-se para dar um conjunto de explicações a todos os candidatos às primárias do Partido Republicano. Trump terá gostado do que viu e quis levá-lo consigo na campanha que se seguiu.

Como relata a rádio pública NPR, ambos viajaram, durante a campanha presidencial, pelo estado de Nunes, procurando recolher fundos e participando em comícios. Com o aproximar das eleições, e depois de um estreitar de relações, Trump acabou por convidar o luso-descendente para fazer parte da sua equipa de transição caso fosse eleito. O que acabou por acontecer.   

Numa entrevista ao PÚBLICO em Outubro de 2016, Nunes manifestava ainda alguma cautela com Trump, mas justificava o seu apoio com a lealdade para com o seu partido. Dizia não compreender como é que se poderia votar em Hillary Clinton.

Apesar de já ter conseguido atingir uma posição assinalável no Congresso, a forma como foi ganhando protagonismo no círculo próximo do candidato republicano e depois Presidente talvez tenha atraído Nunes para junto das pessoas que criticava uns anos antes.

“Tenho muito mais amigos, isso é garantido”, disse, entre risos, ao McClatchy News Service, quando já contribuía para a transição presidencial. “Quando estou na Câmara [dos Representantes], há sempre quem venha ter comigo.”

Esta evolução política de Nunes teve também efeitos na forma como os democratas começaram a encará-lo. A sua liderança na comissão foi sendo marcada por uma relação próxima com o representante máximo do Partido Democrata no órgão, Adam Schiff, também ele da Califórnia. Contudo, a cada vez maior aproximação à Casa Branca de Trump fez com que fosse afastado da investigação sobre as suspeitas de ingerência russa e com que democratas e alguns republicanos pedissem a sua demissão da Comissão de Serviços Secretos – o episódio em que garantiu ter em sua posse informações confidenciais que supostamente confirmavam que Trump tinha sido vigiado durante a Administração Obama foi a gota de água. 

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