Câmara retoma projecto polémico dos azulejos na Praça da Figueira

Colocação de azulejos no quarteirão da Suíça teve luz verde da Cultura, que diz que a acção reforça o carácter pombalino da praça. Mas, tal como na primeira vez que surgiu o projecto, há opiniões díspares.

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A fachada do quarteirão que dá para a Praça da Figueira já está coberta de azulejos. Intervenção não avançou há alguns anos devido a polémica Rui Gaudêncio
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RUI GAUDÊNCIO

Há uma novidade na Praça da Figueira. A fachada do chamado quarteirão da Suíça está a ser coberta de azulejos azuis, brancos e cinzentos. Trata-se de um projecto antigo da Câmara Municipal de Lisboa que agora ressurge, ainda antes de se conhecer o plano de requalificação da autarquia para aquele espaço.

A ideia de revestir toda a praça a azulejos é de 2001, quando o município, então liderado por João Soares, encomendou ao arquitecto Daciano da Costa um projecto de reabilitação daquele local. Esse projecto tinha duas fases, mas só uma foi concluída.

Os cem mil azulejos então produzidos para a praça nunca chegaram a ser colocados e foram arrumados num armazém em Alcântara. Em 2004, já com Carmona Rodrigues ao leme da câmara, o projecto ressurgiu, mas concluiu-se que eram precisos outros azulejos, uma vez que os primeiros não deixavam respirar as paredes. Mais uma vez, nada aconteceu.

Agora, o quarteirão da Suíça está a ter obras de recuperação das fachadas e dos telhados e a autarquia aproveitou para avançar com a aplicação dos azulejos. Há pelo menos um ano que o assunto está a ser trabalhado na câmara, que enviou o processo para a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) em Abril passado. Segundo o Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina, qualquer intervenção neste quarteirão tem de ser autorizada pela DGPC, que pediu parecer à Secção de Património Arquitectónico e Arqueológico (SPAA) do Conselho Nacional de Cultura.

Esta entidade pronunciou-se em Setembro. No parecer, a que o PÚBLICO teve acesso, confirma-se que a câmara “pretende implementar a 2.ª fase do projecto de reabilitação da Praça da Figueira através de uma intervenção nas fachadas dos edifícios com a colocação de azulejos segundo proposta do mestre Daciano Costa”. Por isso, apesar de o quarteirão ser propriedade privada, as obras contam “com apoio da câmara municipal no fornecimento dos azulejos”, lê-se.

Os membros da SPAA aprovam o projecto atendendo “às características unitárias e significado urbanístico da Praça da Figueira”, que é “distinto da intencionalidade da Praça do Comércio e do Rossio”, e também tendo em conta a “excepcionalidade da proposta do mestre Daciano Costa”.

“Os membros da SPAA consideram que a proposta em causa contribui para o reforço das características pombalinas da Praça da Figueira”, lê-se na conclusão do parecer, que, no entanto, chumba a aplicação de azulejos nas fachadas laterais do quarteirão. O documento tem a assinatura de Paula Araújo da Silva, directora-geral do património cultural.

Projecto sem consenso

O quarteirão da Suíça – assim chamado por se situar nele a Pastelaria Suíça – pertence à Sociedade Hoteleira Seoane. O PÚBLICO contactou esta empresa, mas as questões enviadas ficaram sem resposta. Igualmente por responder ficaram as perguntas enviadas ao atelier Daciano da Costa, actualmente gerido pela arquitecta Ana Costa (Daciano morreu em 2005). A câmara confirma este processo, acrescentando que a colocação de azulejos segue a proposta de Daciano da Costa, que requalificou a praça.     

O parecer da SPAA, de Setembro, lembra que em 2004 a aplicação dos azulejos nas fachadas da praça não foi consensual. O presidente do então Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar, que deu origem à DGPC) pediu opinião ao conselho consultivo e de lá vieram três apreciações díspares: “apenas um dos pareceres [era] concordante com a proposta”.

E também em 2017, quando chegou à DGPC, o assunto levantou dúvidas. Numa informação técnica de Julho lê-se que o Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina “prevê a salvaguarda dos revestimentos primitivos das fachadas” e que as deste quarteirão “se encontravam rebocadas e pintadas”. Assim, o documento termina com uma pergunta: “A alteração do revestimento de fachada do edifício (…) actualmente (e primitivamente) rebocada e pintada, para novo revestimento azulejar, é exemplo valorizador a repercutir no conjunto de interesse público?”

A câmara terá prestado esclarecimentos, porque foi “tendo presente o entendimento do município sobre a referida intervenção” que os membros da SPAA deram luz verde ao projecto.

"Nova paleta de cores"

A aplicação destes azulejos antecipou-se às obras que a autarquia quer fazer na Praça da Figueira no âmbito do programa Uma Praça em Cada Bairro. Ainda não se conhece projecto para essa intervenção, mas no site da câmara está expressa a intenção de “elaborar um estudo de fachadas para a envolvente edificada da rua, que através de uma nova paleta de cores/cenografia permita reforçar o valor arquitectónico da praça pombalina e reforce a sua identificação, com incidência nos rés-do-chão comerciais”.

O quarteirão da Suíça está há muitos anos em avançado estado de degradação e praticamente devoluto do primeiro andar para cima. No ano passado, o vereador do Urbanismo revelou ao Diário de Notícias e à TSF que a câmara tinha intimado os donos do prédio a fazer obras. “Levantaram a licença para fazer as obras de recuperação do telhado e das fachadas há duas semanas”, disse Manuel Salgado, que não se referiu nem a azulejos nem à reabilitação da restante praça. Cerca de um ano antes, Salgado dissera que essa reabilitação só se faria depois de “lançado um concurso de ideias”, que ainda não aconteceu.

A intenção da Sociedade Hoteleira Seoane era fazer do quarteirão um hotel, para o qual existe “um projecto aprovado há muitos anos”, disse Manuel Salgado na mesma entrevista. “Mas não me parece que seja a melhor solução para aquele local fazer mais um hotel”, acrescentou. Seja essa ou não a ideia actual dos proprietários, pelo menos dois espaços comerciais abandonam o edifício este ano – os contratos de arrendamento não foram renovados.

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