Demitiu-se a reitora da universidade onde Larry Nassar trabalhava

Lou Anna Simon dirigia a universidade em que Larry Nassar cometeu alguns dos crimes de abuso sexual pelos quais foi condenado. Reitora era criticada por ter sido incapaz de travar os abusos cometidos na instituição que liderava, no Michigan.

Fotogaleria
Lou Anna Simon acabou por ser demitir Reuters/BRENDAN MCDERMID
Fotogaleria
LUSA/RENA LAVERTY
Fotogaleria
Reuters/BRENDAN MCDERMID
Fotogaleria
Reuters/BRENDAN MCDERMID
Fotogaleria
Reuters/BRENDAN MCDERMID
Fotogaleria
Reuters/BRENDAN MCDERMID
Fotogaleria
Reuters/BRENDAN MCDERMID
Fotogaleria
Reuters/BRENDAN MCDERMID

A reitora da Universidade Estadual do Michigan, Lou Anna Simon, demitiu-se esta quarta-feira, horas depois da condenação em tribunal de Larry Nassar, antigo médico da equipa norte-americana de ginástica, julgado por abusos sexuais contra mais de centena e meia de atletas. Alguns dos crimes foram cometidos por Nassar naquela instituição, onde o médico trabalhava, e Lou Anna Simon deixa o cargo sob uma chuva de críticas e de muita pressão pública por ter sido incapaz de dar conta dos abusos e de travar o médico, que foi condenado, na quarta-feira, por uma juíza, a uma pena mínima de 40 anos e máxima de 175 anos de prisão

“Às sobreviventes, nunca poderei pedir perdão as vezes suficientes por ter confiado num médico conceituado que era, na realidade, alguém tão, mas tão cruel, e que causou tanto sofrimento, sob pretexto de estar a realizar um tratamento médico”, escreveu a ex-reitora na carta de demissão, publicada no site daquela universidade pública.

Nassar foi acusado e julgado por abuso de, pelo menos, 156 atletas, a maioria menores, durante os últimos 20 anos. Os abusos descritos por muitas das vítimas durante o processo, consistiam em alegados exames médicos intravaginais e anais, feitos "sem luvas e que causavam dor e desconforto".

Na carta de despedida, a reitora conta ainda que planeava reformar-se em Dezembro de 2016 e afirma que estava a trabalhar numa transição tranquila quando as primeiras histórias envolvendo os abusos de Nassar começaram a sair nos jornais. Na mesma altura, uma das vítimas contactou a universidade no âmbito de uma queixa à Justiça. “A minha saída foi adiada”, justifica.

A reitora garante que não sabia dos casos, apesar de muitas das vítimas garantirem que falaram com pessoal da universidade – contactos que não só teriam sido ignorados, como também serviu para as fazer sentir culpadas. Larissa Boyce, uma das vítimas que testemunharam contra Nassar, contou que em 1997 tinha transmitido a uma treinadora da universidade que se sentia incomodada com os exames intravaginais realizados pelo médico. Foi desacreditada e acusada de estar a colocar “o bom nome” do médico em causa.

“Isto podia ter parado em 1997, mas em vez de notificarem as autoridades ou os meus pais, fomos nós interrogadas. Fomos levadas a acreditar que não tínhamos compreendido um procedimento médico”, contou Boyce, que tinha 17 anos na altura. “Eu contei o que me aconteceu. Contei a um adulto. Contei à Universidade Estadual do Michigan. Em vez de ser protegida, fui humilhada e disseram-me que eu era o problema”, acrescentou no depoimento ao tribunal, que ouviu numerosas vítimas de Nassar.

Sabe-se agora que em 2014 já tinha decorrido uma investigação naquela universidade, que resultou numa suspensão do médico por três meses. Porém, Nassar acabou por regressar ao seu consultório na instituição. Um ano depois, a USA Gymnastics, organismo que rege o sector da ginástica nos EUA e uma das entidades de topo do desporto norte-americano, cortou ligações com o médico agora condenado, com base em queixas contra o seu profissionalismo, escreve a BBC. No entanto, o agressor de 54 anos continuou a receber pacientes menores e a repetir os abusos sexuais até à publicação de uma notícia, a primeira, sobre os abusos, no jornal Indianapolis Star, em 2016.

A história foi contada por Rachael Denhollander, que acabaria por ser a última vítima ouvida no julgamento de Nassar. Foi a primeira a apresentar queixa contra o antigo médico, abrindo o caminho a outras atletas que vieram depois a público contar o seu caso.

Perante a juíza, Rachael Denhollander descreveu como o antigo médico a "apalpou e abusou" dela, enquanto lhe perguntava ao ouvido como é que isso a fazia sentir. "Ele explorou-me em prol do seu jogo sexual. Apalpou-me, penetrou-me e depois sussurrou perguntas sobre como me sentia. Ele tirava prazer de actos sexuais sem a minha permissão. Ele tinha prazer em ver pequenas meninas e raparigas a serem sexualmente magoadas e abusadas porque gostava disso. Ele encontrava prazer sexual no nosso sofrimento e na nossa dor", denunciou Rachael Denhollander.

Entre os 156 depoimentos, há a história de um pai que não aguentou o sentimento de culpa por não ter acreditado na filha e se suicidou. Outra vítima, Emma Ann Miller, de 15 anos, conta que a Universidade do Michigan continua a cobrar-lhe por consultas médicas realizadas pelo gabinete onde era abusada sexualmente. Foi abusada pela última vez em 2016, pouco antes de o médico ser suspenso, e continua a ter de pagar pelos “exames” conduzidos pelo agressor sexual.

"A Rachael não criou um caso, criou um exército de sobreviventes e é a general. Foi você que começou todo este terramoto e que fez com que as vozes se ouvissem. As outras sobreviventes e eu agradecemos. Foi a pessoa mais corajosa que já tive no meu tribunal", elogiou a juíza Rosemarie Aquilina.

Paralelamente ao afastamento da reitora, também o Comité Olímpico dos Estados Unidos pediu a todos os directores da Federação de Ginástica que se demitam.

O director executivo do comité, Scott Blackmun, afirma, numa carta aberta que enviou a toda a equipa de ginástica, que é preciso começar do zero, confirmando que foi aberto um processo de investigação para perceber como foi possível que durante duas décadas Nassar pudesse cometer os crimes com total impunidade.

Face à gravidade do ocorrido, Blackmun revelou que o comité olímpico estabeleceu novas regras para o controlo e protecção de todos os atletas. Entre as medidas, estão melhores relatórios de abuso e educação para os atletas, alteração da estrutura da Federação de Ginástica, uma investigação independente e permissão de acesso por parte das vítimas a "provas, tratamento e apoio", algo que muitas jovens disseram nunca terem tido quando contactaram a federação.

A sentença foi definida pela juíza Rosemarie Aquilina como "uma sentença de morte", porque nunca mais poderá sair da prisão – Nassar foi condenado noutro processo a uma outra pena de prisão de 60 anos por pornografia infantil. No mínimo, Nassar terá de passar 100 anos na prisão.

Sugerir correcção
Comentar