Como achar a ilha da boa ginjinha no mar imenso de ginjinhas más

Há ginjinhas para todos os gostos mas é sempre preciso lembrar que a grande maioria não presta para nada.

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Oxana Ianin

Portugal é o país das ginjinhas. Há uma vasta variedade de ginjinhas e é divertido classificá-las. Há as ginjinhas caseiras, as ginjinhas industriais, as ginjinhas lisboetas, as ginjinhas de Óbidos e as ginjinhas de Alcobaça.

As caseiras são feitas com aguardente, ginjas, açúcar e canela. As industriais reconhecem-se por terem uma cor linda e um preço baixo. A cor é linda porque é corante artificial e o preço é baixo porque não contém ginjas — só açúcares, ácidos e aromas artificiais.

As ginjinhas industriais não prestam para nada e são prejudiciais porque dão má fama à ginjinha portuguesa. Dói-me ver turistas estrangeiros a fazer caretas quando provam essas pseudoginjinhas porque sei que nunca mais provarão outra. Concluem logo que não gostam de ginjinha e ficam assim impedidos de conhecer as boas ginjinhaas que produzimos.

As ginjinhas de Lisboa, em boa hora inventadas por galegos, são deliciosas e divertidas. Não se podem comparar com as ginjinhas finas, mas têm um sabor rústico e imediato, ideal para beber em shot. As melhores, quanto a mim, são a Sem Rival e a Espinheira. Embora saibam melhor ali no Rossio, as versões engarrafadas (sobretudo com elas, em garrafas de litro) são agradáveis a um preço justo. Prefiro-as mil vezes às ginjinhas industriais.

Com as ginjinhas de Óbidos é preciso muito cuidado. Só há duas ou três marcas de confiança (a Rainha Santa é uma delas) mas há muita aldrabice. Mesmo nas marcas boas há inconsistências de engarrafamentos.

É preciso desconfiar quando nos convidam a beber uma ginjinha num copinho de chocolate. O chocolate só serve para disfarçar os defeitos da ginjinha. Se uma ginjinha for boa, é um crime não bebê-la num cálice próprio. É como um bom vinho do Porto, Madeira ou Moscatel. O chocolate até acompanha bem mas come-se à parte.

Até o chocolate é de pouca qualidade. É bom que Óbidos se promova e não vem mal nenhum ao mundo de apresentar a ginjinha com chocolate como a velha tradição que nunca foi. Mas é preciso defender a ginjinha propriamente dita dos resultados de um marketing ambicioso e eficaz.

Quando a ginjinha é apresentada cheia de gimmicks, o melhor a fazer é fugir. Se pedem para servir muito fresca é mau sinal: é para não se notar os maus sabores, como o excesso de açúcar. Se dizem que ganha em beber-se duma só vez, em shot, é porque desaconselham que se saboreie.

No entanto, vale a pena provar estas ginjinhas sem nada, à temperatura ambiente, para se perceber que sabem muito pouco a ginja e muito mais a açúcar, canela e outros condimentos baratos.

A melhor ginjinha portuguesa é também o melhor licor de ginja do mundo inteiro, por ser, precisamente, o mais puro, feito apenas de cinco elementos (ginjas de Alcobaça, álcool, água e estágio em madeira) sem quaisquer outras adições: é a ginjinha de Alcobaça M.S.R. Já foi muito mais cara do que é hoje mas a qualidade não só se tem mantido como tem melhorado de ano para ano, graças ao zelo e à sabedoria dos produtores. Uma garrafa de meio litro custa à volta de 20 euros.

Cada vez que compro uma garrafinha tenho medo que tenha mudado — mas nunca muda. A ginjinha M.S.R é feita a partir de uma variedade de ginjas de Alcobaça que é única no mundo. A ginja tem duas folhas no pé e tem duas características: uma acidez elevadíssima e, ao mesmo tempo, um teor de açúcar muito alto.

Isto faz com que precise de menos açúcar na elaboração do licor. O resultado é um licor muito leve, límpido e deliciosamente acidulado. Bebe-se devagar, deixando a língua acordar com a limpeza do fruto onde a adstringência faz parte da personalidade.

Ao pé da ginjinha M.S.R. mesmo as boas ginjinhas de Óbidos parecem xaroposas, pesadas e excessivamente doces. Os melhores licores de ginja estrangeiros, como a dinamarquesa Cherry Heering e a francesa Cherry Marnier, são deliciosos mas são o resultado de manipulações inteligentes, como a adição de canelas e outras ervas, para além de estágios de três anos em madeiras velhas.

A meu ver, só a ginjinha M.S.R. tem a delicadeza e a frescura bastantes para reflectir a delícia da própria ginja. É a ginjinha para quem gosta de ginja.

Ora, há muita gente que não gosta de comer ginjas, achando-as amargas, agressivas e, no fundo, deficientes em doçura. Essas pessoas, mais fãs das cerejas mais docinhas, acharão mais graça às ginjinhas de Óbidos.

Há ginjinhas para todos os gostos mas é sempre preciso lembrar que a grande maioria não presta para nada.

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