Esquerda une-se para denunciar a “fraude” que seria uma eleição sem Lula

Tribunal pode confirmar condenação de ex-Presidente. Afastada durante muito tempo, a esquerda brasileira parece ter encontrado uma causa para se reaproximar do PT.

Fotogaleria
Manoela D'Ávila é a candidata do PCdoB à presidência Miguel Manso
Fotogaleria
Tarso Genro foi ministro da Educação dos Governos de Lula Miguel Manso
Fotogaleria
Miguel Manso

É na eventual condenação do ex-Presidente Lula da Silva que a esquerda brasileira encontrou espaço para unir esforços, contra aquilo que dizem ser a “judicialização da política” nacional. Até dia 24, o Brasil suspende a respiração enquanto não é revelado o destino de Lula. Depois disso, tudo é mais incerto.

“O ciclo político actual do Brasil será determinado” pela decisão dos três juízes do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região de Porto Alegre, que na quarta-feira se vão pronunciar sobre o caso em que o ex-Presidente é acusado de ter recebido um suborno no âmbito das investigações da Operação Lava-Jato. Quem o afirmou foi o antigo ministro Tarso Genro durante uma sessão pública em Lisboa esta semana.

Ao seu lado estava a candidata às eleições presidenciais pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Manoela D’Ávila, para reforçar o sentimento de solidariedade que envolve a esquerda brasileira em torno de Lula. “Qual é o sentido de o Presidente mais popular da História, que lidera as sondagens, ficar de fora das próximas eleições?”, questiona a deputada estadual do Rio Grande do Sul.

O tribunal de segunda instância vai decidir se confirma ou anula a condenação a nove anos e meio de prisão emitida no Verão do ano passado pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela investigação da Lava-Jato. Uma nova condenação inviabiliza a recandidatura de Lula, que lidera as intenções de voto com larga vantagem, de acordo com as sondagens mais recentes do Ibope. Em causa está a acusação de que Lula terá recebido cerca de 2,2 milhões de reais (quase 600 mil euros) de uma construtora para pagar obras num apartamento de luxo em Guarujá (São Paulo).

Foto
Fernando Bizerra Jr. / EPA

A defesa defendeu sempre que a propriedade não pertence ao ex-Presidente e esta semana fez chegar ao tribunal documentos que mostram que o apartamento foi penhorado para pagar dívidas da construtora e, portanto, não pertencia a Lula.

Mas mais do que uma questão jurídica, é na política que o destino de Lula – e do Brasil – se joga. Até porque a sucessão de casos de corrupção a envolver dirigentes políticos nos últimos anos tornou as fronteiras entre os dois campos pouco claras. Genro e Ávila concordam no diagnóstico: o Brasil vive hoje uma “judicialização da política”. “Os juízes de primeira instância participam no debate político, mostram um posicionamento”, observa o ex-ministro da Educação.

As acusações contra Lula, e o provável impedimento de se recandidatar, inserem-se numa ofensiva da direita e do sector financeiro, com apoio dos principais órgãos de comunicação, para liquidar as políticas sociais aplicadas nos últimos anos pelo Partido dos Trabalhadores. E é segundo esta lógica que a esquerda brasileira encontrou margem para se aproximar. Apesar de a generalidade dos partidos perfilar candidatos para as eleições presidenciais de Outubro, todos concordam que “eleição sem Lula é fraude” – o lema de uma série de manifestações de apoio ao ex-Presidente marcadas para os próximos dias e de um manifesto promovido por centenas de intelectuais e políticos brasileiros que já reuniu mais de cem mil subscritores. E é também uma frase do próprio Lula, que numa entrevista esta sexta-feira ao jornal espanhol El País diz que, sem ele, as presidenciais serão uma "fraude". 

“A disputa em torno do julgamento de Lula uniu a esquerda pela primeira vez em muito tempo”, admite Tarso Genro, que garante que “esta frente vai ser muito importante no futuro”. E a candidata do PCdoB concorda: “Até às eleições, o que vai orientar a esquerda é o destino de Lula.” Mas em todo o discurso paira uma questão para a qual ninguém parece dar uma resposta satisfatória – e depois?

Genro diz ser necessário uma “regeneração” promovida por esta frente de esquerda que deve ter “um programa de democracia avançada”.

Nesta fase é impossível passar ao lado de uma autocrítica ao papel do PT, a que Genro não se furta. “O PT não tem capacidade para ser hegemónico”, afirma o ex-ministro, acrescentando que a experiência dos anos de Lula, em que diz ter havido uma “conciliação entre o capital e os avanços sociais”, é “irrepetível”.

Sugerir correcção
Ler 6 comentários