Eliete está quase a ser nossa

Neste momento preciso, Eliete é uma personagem só dela. Quer ter tempo para estar com ela. Mas haverá um dia em 2018 em que a vai partilhar com os outros. Vem aí novo romance da autora de O Retorno.

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Eliete, sublinha a autora, retoma uma tendência dos anos 30 ou 40 do século XX da literatura anglo-saxónica: romance com nome no título. Como nos seus livros anteriores, será um romance de personagens enric vives-rubio/arquivo

Terá nome de mulher. Eliete. Ainda não tem agendado o mês de publicação, mas é um dos livros mais esperados de 2018. A razão é simples. Passaram sete anos desde que Dulce Maria Cardoso (n. Trás-os-Montes, 1964) saiu com O Retorno (Tinta da China, 2011), que lhe trouxe o reconhecimento após a estreia literária em 2002 com Campo de Sangue, a que se seguiram Os Meus Sentimentos (2005) e O Chão dos Pardais; quatro romances a que se juntam dois volumes de contos — Até Nós (2008) e Tudo São Histórias de Amor (2014) —, e dois volumes de A Bíblia de Loa (infanto-juvenil), e peças de teatro, ensaios, contos dispersos por várias publicações. “Tenho escrito bastante nestes sete anos, mas dá-se demasiada importância ao romance”, diz a escritora que, sobre a expectativa acerca do próximo livro, afirma: “É verdade que não publico romance há sete anos, mas publiquei textos para teatro, contos, ensaio, experimentei coisas diferentes. Mas continua-se sempre à espera do romance.”

Eliete, como faz questão de sublinhar, retoma uma tendência dos anos 30 ou 40 do século XX da literatura anglossaxónica, um romance com nome no título e, como aconteceu nos livros anteriores, mas em mais do que todos com O Retorno ou Os Meus Sentimentos, será um romance de personagens. “O que mais me interessa no romance são as personagens”, salienta. Assim, depois de Rui, o adolescente retornado de Angola em 1975, e de Violeta, a mulher que vendia cera depilatória enquanto tentava lidar com o grotesco da existência num corpo também grotesco, há agora outra mulher e outros homens. E repete-se uma marca da oficina de Dulce Maria Cardoso: só abandonar as personagens, partilhá-las com os leitores, depois de os conhecer muito bem. “Na minha escrita tenho de conhecer profundamente as personagens; tenho delas o mesmo entendimento que tenho com as pessoas. Não consigo definir à partida ‘vou escrever sobre isto e aconteça o que acontecer vai ficar assim’. É um processo dinâmico. O romance também me interpela enquanto o estou a escrever. Há um diálogo entre a criatura e o criador”, refere, recusando que a expectativa a faça mudar de caminho, acelerar o passo, mas afirmando não ser alheia ao outro enquanto receptor do que faz. “Mentiria se dissesse que sou indiferente; seria dizer que não tenho os outros no meu horizonte, mas não me norteio por isso. Isso não me paralisa nem me faz agir.” Ou seja, “o outro, enquanto escrevo, está bastante ausente, ainda que escreva para o outro, para ser lida e, sobretudo, para ser amada.”

Diz isto e compara o romance enquanto género e o conto longo, no processo de construção, às paixões. “Tudo está disponível e são precisas as circunstâncias para acontecer.” E quem é Eliete? Não adianta perguntar. É uma mulher, já se sabe. “Ainda que nunca escreva sobre mim, a melhor maneira de ensaiar uma teoria é através da criação de personagens, e a verdade é que estou lá sempre eu e também me vou polindo”. A conversa volta ao início, à pergunta sobre quando se pode saber mais acerca das circunstâncias de Eliete e dos que a acompanham. “Não sei. Quero ter a liberdade de trabalhar sem data. Até lá as personagens são exclusivamente minhas, desenvolvo com elas grandes afectos. Há a ideia de posse. Quero ter tempo para estar com elas. Por isso também não gosto de me sujeitar à periodicidade que se espera do romance. Depois... Depois tenho de lidar com as personagens que criei pelos olhos dos outros.”

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