Trabalhadores do Infarmed assinalam aniversário vestidos de luto contra ida para o Porto

Instituição faz 25 anos. Presidente da Comissão de Trabalhadores do Infarmed considerou que a ausência do ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, tem um significado para a instituição e para o país.

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Daniel Rocha

Até dia 18 de Janeiro duas dezenas de trabalhadores do Infarmed pediram para sair, o dobro dos funcionários que no ano passado deixaram o instituto. Um efeito visível, disse a presidente do conselho directivo do Infarmed, Maria do Céu Machado, do anúncio feito a 21 de Novembro pelo ministro da Saúde de que o Infarmed mudaria para o Porto no início de 2019. Maria do Céu Machado voltou a afirmar que se o instituto perder mais de 65% dos seus trabalhadores levará entre cinco a dez anos até voltar estar a funcionar em pleno. E considerou que a direcção e os trabalhadores deveriam estar no grupo de trabalho que está a avaliar a mudança.

Maria do Céu Machado e a comissão de trabalhadores do Infarmed estão a ser ouvidos nesta quinta-feira no Parlamento, na sequência de um requerimento apresentado pelo PSD, a propósito do anúncio da mudança do instituto para o Porto. O Governo criou um grupo de trabalho para avaliar os efeitos da possível mudança e que tem seis meses para apresentar um relatório.

Questionada sobre os efeitos que já se estão a sentir no funcionamento do Infarmef, a presidente afirmou que “é impossível numa situação destas não haver alguma desestabilização”. “São seis meses em que as pessoas que trabalham no Infarmed não sabem o que vai ser decidido. Efeitos imediatos: em 2015 saíram 16, em 2016 saíram 18 e em 2017 dez pessoas  saíram do Infarmed. Em Janeiro [deste ano] já temos 20 pessoas a querer sair. Se o Infarmed perder mais de 65% dos seus trabalhadores leva cinco a dez anos a recuperar o funcionamento. Os nossos trabalhadores são muito diferenciados, com média de dez anos de trabalho. É muito difícil ultrapassar isto”, afirmou Maria do Céu Machado.

A mesma pergunta foi feita ao presidente da comissão de trabalhadores. Na opinião de Rui Spínola podem ser muitos mais o número de funcionários a sair. “Nós apenas temos dados de pedidos de movimentação dentro da administração pública. Não sabemos quantas pessoas estão a tentar sair para o privado ou quantas já receberam convites. Para sair para o privado não é preciso qualquer declaração. E sabendo que há convites que estão a ser feitos, o número poderá ser facilmente o dobro de 20”, salientou.

Aquando do anúncio, a comissão de trabalhadores e a direcção fizeram dois inquéritos que mostravam que mais de 90% dos funcionários não estão dispostos a mudar para o Porto. E desde essa altura que o Governo tem referindo que os direitos dos trabalhadores estão assegurados.

“Como é que os direitos dos trabalhadores vão estar salvaguardados se 92% não querem ir? Perante esta decisão que salvaguarda é essa? Ninguém está descansado”, afirmou Rui Spínola, acrescentando que o Infarmed tem melhorado os seus resultados nos últimos anos. “O infarmed não é um problema, é um orgulho e estamos a criar um problema ao infarmed. Já está criado”, rematou.

Os deputados quiseram saber por que razão o conselho directivo e a comissão de trabalhadores não fazem parte do grupo de trabalho criado pelo Governo. A presidente explicou que o ministério considerou que o grupo deveria ter autonomia total. Mas, de imediato, lembrou que grande parte dos elementos que fazem parte desse grupo são peritos que trabalham para o Infarmed. E considerou que a direcção e os funcionários deviam estar integrados no grupo.

“Parece-me, pessoalmente, que quando se fala em mudança, seja em que instituto for, que seja óbvio que os conselhos directivos e os trabalhadores têm de ser envolvidos na mudança, se não será mais difícil. Por outro lado, é um pouco preocupante que dois terços sejam peritos em várias comissões do Infarmed. Não são propriamente individualidades que sejam completamente separadas do Infarmed porque têm contratos. Chamo a atenção que sendo assim, parecer-me-ia que faria sentido que este grupo pudesse incluir representantes dos trabalhadores e do conselho directivo”, disse.

A pediatra adiantou ainda que a direcção já se reuniu com o grupo de trabalho e que amanhã o grupo vai passar o dia no Infarmed para conhecer todos os serviços, o que limitará o normal funcionamento da instituição.  

Também os funcionários defendem que devem fazer parte do grupo de trabalho criado pelo Governo. “Se o Infarmed é uma instituição renome, é devido aos seus funcionários e devíamos ser ouvidos. Também queremos acreditar que se ficar demonstrado que não existem vantagens na deslocalização, o Governo irá recuar. Mas o âmbito do grupo de trabalho não é perceber onde o Infarmed trabalha melhor, mas analisar cenários da mudança do Infarmed para o porto”, apontou Rui Spínola.

Renda de 320 mil euros ano

Os deputados quiseram também saber quais os impactos financeiros que a mudança para o Porto pode trazer. A comissão de trabalhadores respondeu usando como referência a candidatura do Porto a sede da Agência Europeia do Medicamento, em que o Palácio do Atlântico e o Palácio dos Correios eram dois dos edifícios sugeridos para acolher a organização internacional. Edifícios que foram também sugeridos como possíveis localizações do Infarmed se este mudar para o Porto.

“O Palácio do Atlântico é privado e o Palácio dos Correios era privado, mas há um comunicado da Câmara do Porto que diz que este foi adquirido em finais de 2017. A nossa interrogação é se foi adquirido depois de 21 de Novembro, quando decisão da mudança foi anunciada [pelo ministro da Saúde]. A candidatura refere rendas elevadas, de 6,5 milhões de euros  anuais por cada um dos edifícios. O Infarned, actualmente, está dividido por quatro edifícios e paga uma renda anual de cerca de 320 mil euros ano ao Parque Saúde, que é do Ministério das Finanças”, apontou Bruno Cordeiro, membro da comissão de trabalhadores.

O mesmo referiu que "tendo em conta a dimensão do Infarmed e se tratando de uma loscalização de todos os serviços, seriam necessário ocupar os dois edifícios". O que significaria uma renda anual de 13 milhões de euros.

Maria do Céu Machado reafirmou que não tem nada contra a cidade do Porto e que as mesmas questões se colocariam se o Infarmed estivesse noutra cidade e fosse anunciada a deslocalização para Lisboa. “O problema que se coloca aqui é mexer numa estrutura que é pesada, com muita pressão interna e externa, muitas actividades e parceiros”, disse, acrescentando que se o Infarmed não conseguir manter o seu normal funcionamento, “os portugueses não vão ter acesso à inovação terapêutica como até aqui”.

“Podemos, por diminuir a actividade, prejudicar a saúde dos portugueses, o que tem consequências com o aumento de internamentos, doenças, despesas indirectas que não podemos contabilizar”, salientou ainda.

Sobre que justificação lhe teria sido dada pelo ministro da Saúde para a mudança, Maria do Céu Machado disse que “a única justificação é que a descentralização está no programa do Governo”. “Não há dúvida que este conselho é leal a quem o nomeou, mas faz parte da lealdade institucional defender a instituição para a qual foi nomeado”, destacou a responsável, quando questionada sobre a entrevista que deu ao PÚBLICO.

Dizendo que é favorável à descentralização, a pediatra afirmou que “descentralização não é deslocalização”. Explicou que os vários serviços do Infarmed estão interligados e que não é possível fazer uma divisão de unidades que coloque uma parte em Lisboa e outra no Porto. Contudo, referiu que seria possível criar novos serviços no Porto, o que seria uma descentralização. Nomeadamente, a criação da Agência de Investigação Biomédica, uma unidade de fiscalização para a zona Norte ou a área de dietéticos e de suplementos alimentares.

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