Médicos internos queixam-se de ter que fazer urgências sozinhos. Ordem investiga

Há cada vez mais médicos a entregar declarações em que pedem a exclusão ou limitação de responsabilidades por terem de trabalhar sem os meios humanos e materiais adequados.

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Em causa está o Centro Hospitalar de Lisboa Norte fernando veludo/nFactos

Os médicos do Departamento de Tórax do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (CHLN), o maior do país, entregaram nos últimos dias em bloco cartas em que declinam qualquer responsabilidade por incidentes que surjam durante o trabalho, alegando falta de meios humanos e materiais e de condições de segurança.

Numa destas cartas, a Ordem dos Médicos (OM) detectou uma "falha grave" - há internos (jovens que estão a fazer a especialidade) que se queixam de por vezes terem que fazer urgências sozinhos, sem estarem supervisionados por especialistas, contrariando as regras profissionais. Por isso, a OM vai fazer uma auditoria ao serviço, adiantou ao PÚBLICO o bastonário Miguel Guimarães.

São já perto de sete dezenas os coordenadores, médicos especialistas e os internos de pneumologia das unidades que compõem o Departamento do Tórax do CHLN (que congrega os hospitais de Santa Maria e o Pulido Valente) que enviaram esta espécie de declarações colectivas para a administração do centro hospitalar, a direcção clínica e para o bastonário da OM.

Preocupado sobretudo com o teor da carta enviada pelos internos, o bastonário Miguel Guimarães nota que estes não podem, como se queixam no documento, “trabalhar sozinhos em urgências sem estarem acompanhados e tutelados por especialistas”. “Esta situação é grave. Ou é alterada ou o serviço arrisca-se a perder a idoneidade [para formar os internos]”, avisa. Vai por isso questionar para a semana a direcção clínica do CHLN e pedir ao colégio da especialidade de pneumologia uma auditoria a este departamento para perceber o que se passa.

Nas cartas enviadas pelos coordenadores e assistentes a que o PÚBLICO teve acesso, estes expressam preocupação pela deterioração das condições para o exercício da actividade resultante da falta continuada de recursos humanos e técnicos, sem especificar o que está em causa. E avisam a administração e a direcção clínica do CHLN que declinam qualquer responsabilidade que possa decorrer do seu trabalho em “circunstâncias em que não estejam reunidas as condições de segurança e qualidade à prática de actos médicos”.

Recordam a Constituição da República

Invocam o artigo 271 da Constituição que, no seu número 2, especifica que é “excluída a responsabilidade de funcionários ou agentes que actuem no cumprimento ou instruções emanadas de legítimos superiores hierárquicos" se "previamente delas tiver reclamado”.

Sobre as cartas dos coordenadores e médicos assistentes do Departamento do Tórax (e ainda sem conhecer missiva dos internos), o presidente do Conselho de Admnistração do CHLN, Carlos Martins, disse ao PÚBLICO não entender o seu teor, uma vez que não há pedidos de meios humanos ou materiais que estejam pendentes ou tenham sido indeferidos. As cartas "não objectivam o que estará em falta", nota.

Sobre a questão dos internos, diz que pediu informações à direcção clínica e do departamento e sublinha estar  "tranquilo" quanto à auditoria anunciada pela Ordem".

Declarações multiplicam-se

Esta forma de protesto colectiva, ainda que em moldes diferentes, junta-se à estratégia de protecção a título individual que tem vindo a ser adoptada por dezenas de clínicos nos últimos meses - e que estará a aumentar nas últimas semanas. Nestas declarações individuais os médicos alegam igualmente ter falta de recursos materiais ou humanos para pedir a exlcusão de responsabilidades.

Classificados como documentos de “legítima defesa”, estes começaram a circular em Setembro, quando se intensificou o protesto dos enfermeiros especialistas em obstetrícia que se recusavam a fazer partos, obrigando os médicos a substituí-los nesta tarefa.

Mas foi depois de esta estratégia ter sido noticiada pelo Expresso, no final de Dezembro, que os telefonemas e pedidos de informação se multiplicaram na Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, de tal forma que o seu presidente, Alexandre Valentim Lourenço, decidiu esta semana disponibilizar três novas minutas (uma para os internos, outra para denunciar falhas de meios materiais e outra para falta de recursos humanos) para o efeito, em vez da única que até agora era usada. O principal objectivo é o de levar a que os órgãos de gestão corrijam o que está mal.

As declarações e os telefonemas de médicos a pedir informações estão a multiplicar-se, acentua Alexandre Lourenço, que tem prevista uma visita ao Hospital Amadora-Sintra na próxima semana, onde há dezenas de documentos deste tipo.

A OM/Sul adverte, porém, que as minutas não excluem por si só a responsabilidade disciplinar ou penal por actuação ou omissão dolosa ou negligente, tal como fez questão de destacar o bastonário Miguel Guimarães. Mas podem “limitar a imputação de responsabilidades”.  

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