Na nova revolta tunisina, "o povo quer a queda do Orçamento"

A insatisfação com a falta de horizontes sete anos depois da revolução que depôs Ben Ali está a gerar contestação ao Governo, por vezes com violência. O exército foi mandado para as ruas.

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Manifestantes em Tebourba atiram pedras contra a polícia EPA
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Soldados juntam-se para enfrentar manifestantes em Tebourba EPA
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Confrontos na cidade de Ettadhamen EPA

O Governo da Tunísia mandou o exército para as ruas, para tentar controlar os protestos contra o aumento do custo de vida imposto pelo novo Orçamento. Foram detidas 300 pessoas só na última noite, a quarta de manifestações que se transformam em motins.

Imitando o slogan da Primavera Árabe de 2011, “o povo quer a queda do regime”, que serviu para derrubar o autocrata Zine El-Abidine Ben Ali, agora os manifestantes gritam “o povo quer a queda do Orçamento”.

O Governo de unidade tunisino – que inclui partidos islamistas, seculares e independentes – diz que estes protestos, que incluem pilhagens de supermercados e outros estabelecimentos, e nos quais foram já detidos combatentes do Daesh regressados ao país, são liderados por criminosos. O primeiro-ministro, Youssef Chahed, acusou o principal partido da oposição, a Frente Popular (esquerda, que apelou à manutenção da luta nas ruas), de estar a alimentar a instabilidade.

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A Frente Popular rejeita a acusação e marcou uma grande manifestação em Tunes no domingo, o dia do sétimo aniversário da deposição de Ben Ali. A Associação de Futebol da Tunísia adiou todos os jogos por causa destes protestos, diz a Reuters. O Ministério do Interior criou uma hashtag nas redes sociais: “Não destruas o teu país, a Tunísia precisa de ti”. Mas o Governo e os manifestantes acusam-se mutuamente de abusos.

Já mais de 600 pessoas foram detidas desde o início das manifestações contra o novo Orçamento, que impôs uma subida do IVA, aumentando os preços, e criou outros impostos. Estas medidas destinam-se a compensar as perdas de investimento estrangeiro e no turismo, que era a grande fonte de rendimento da Tunísia, mas que foi gravemente afectado pelo terrorismo. Estão ainda previstas outras medidas de austeridade, como contrapartida do empréstimo concedido pelo Fundo Monetário Internacional à Tunísia, no valor de 2800 milhões de dólares (2350 milhões de euros), a troco de reformas económicas

A taxa de desemprego a nível nacional é de 15% (30% entre os jovens com curso superior), sendo muito mais alta em zonas do interior. A inflação anual subiu para 6,4% em Dezembro, diz a Reuters – o valor mais alto desde Julho de 2014.

Todos os anos desde 2011, desde a Revolução de Jasmim que derrubou Ben Ali, há manifestações nesta altura do ano. Mas este ano a dimensão é maior, porque a maioria da população está a ser afectada pela crise económica, explicou ao Libération a activista Henda Chennaoui. “As pessoas não vêem luz alguma ao fundo do túnel e as promessas não se concretizam há sete anos”, afirmou, insistindo no carácter pacífico deste movimento cidadão.

Chennaoui integra a campanha Fech Nestannew (Do que é que estamos à espera?), que desde 3 de Janeiro incita a protestos na rua. Garante que este movimento é independente de partidos políticos – embora a Frente Nacional se tenha associado a ele. Mas a poderosa central sindical UGT tunisina não tomou posição, diz o Libération.

Como pano de fundo dos protestos, há também um desencanto com os caminhos pelos quais a Tunísia está enveredar, com a corrupção e por exemplo a lei aprovada em Setembro passado, que dá amnistia para figuras do regime de Ben Ali julgados por corrupção, se devolverem dinheiro ganho inapropriadamente e pagarem uma multa. 

“É verdade que alguns manifestantes queimaram e roubaram nos protestos. Mas os governantes roubam e destroem a Tunísia de manhã à noite, com as suas decisões frustrantes”, disse um professor que estava a fazer compras na capital e só deu o seu primeiro nome, Mohamed, ao repórter da Reuters.

“Esperávamos que as coisas melhorassem, depois de Ben Ali ter saído do poder, mas parece que sete anos depois da revolução, temos de dar os nossos salários todos os meses ao primeiro-ministro Chahed para que seja ele a gastá-los”, concluiu.

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