Jorge Sampaio defende legalização da cannabis para fins terapêuticos

Antigo Presidente integra a Comissão Global sobre Política de Drogas, que pretende promover o debate sobre políticas de drogas.

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Bruno Lisita

O antigo Presidente da República Jorge Sampaio defende que existem provas e argumentos a favor da legalização da cannabis para fins terapêuticos, a propósito do debate que na quinta-feira vai subir ao plenário da Assembleia da República pela mão do Bloco e do PAN.

O debate “é necessário, havendo evidência empírica e argumentos sólidos a favor da sua legalização para fins medicinais, dentro, naturalmente, de um quadro devidamente regulado e controlado”, vincou, entrevistado pela Lusa enquanto membro da Comissão Global sobre Política de Drogas, que publicou na terça-feira o mais recente relatório intitulado The World Drug Perception Problem (O Problema Global da Percepção das Drogas).

Sampaio acredita também que a política portuguesa de descriminalização da posse de droga para consumo pessoal, considerado um modelo a nível internacional, é um sistema que pode e deve ser aperfeiçoado. “É preciso manter uma abordagem abrangente e evolutiva que permita a formulação de políticas, baseadas em informação científica fiável e que acompanhe os desafios novos que se colocam”, afirma.

No relatório, o caso português é apontado como um sucesso, contribuindo para a redução da criminalidade e de casos de VIH entre toxicodependentes, mas Sampaio admite que é possível e desejável aperfeiçoar o sistema ao nível da prevenção da toxicodependência, da redução de riscos e do próprio tratamento.

“Há que monitorizar periodicamente as práticas e os resultados das políticas na área das drogas e das toxicodependências, por forma a avaliar a sua eficácia e adequação a uma realidade que também ela vai evoluindo, sem esquecer a própria percepção na sociedade sobre as estratégias que funcionam e as que fracassam”, afirmou, além de trabalho multidisciplinar que deve envolver profissionais de saúde, educadores, agentes do Estado e vários sectores da sociedade civil.

Embora reconheça o impacto negativo que o consumo de drogas pode ter na vida das pessoas, os autores do documento consideram que as reformas das políticas têm sido difíceis de realizar, projectar ou implementar devido aos preconceitos e valores morais prevalecentes. O relatório procura analisar as percepções e medos mais comuns, confrontá-los com factos disponíveis sobre drogas e sobre as pessoas que as consomem e, consequentemente, recomendar mudanças que podem ser promulgadas para apoiar reformas para políticas de drogas mais efectivas.

Em Portugal, Sampaio recorda que o consenso alcançado sobre esta matéria foi o resultado de uma necessidade de responder à prevalência da toxicodependência na sociedade e à “clara percepção, partilhada por vastos sectores da opinião pública, que as políticas baseadas na repressão e na punição não estavam a resultar”.

Jorge Sampaio tem sido co-autor de vários artigos a nível internacional sobre este tema e um participante activo na comissão, que foi formada em 2011 com o objectivo de promover um debate sobre políticas de drogas, reunindo dados e informações científicas sobre os efeitos e o impacto dos modelos de diferentes países.

Na opinião do antigo Presidente da República, a comissão tem desempenhado um papel “muito relevante neste processo de mudança de paradigma”, nomeadamente na preconização do próximo passo a dar: “Para além da descriminalização, que está ainda longe de ser o modelo dominante, deveria ser o da regulação dos mercados das drogas.”

Percepções erradas sobre o consumo de drogas alimentam políticas de proibição e repressão que continuam sem resolver o problema, alerta o relatório internacional, em que Portugal é considerado um exemplo positivo.

O relatório, produzido pela Comissão Global sobre Política de Drogas, pretende desmistificar juízos feitos sobre o tema por jornalistas e líderes de opinião, políticos ou pelas autoridades. A comissão é composta por 25 membros com experiência como líderes políticos, científicos e empresariais, incluindo 12 ex-chefes de Estado ou ministros, um ex-secretário-geral da ONU e três Prémio Nobel.

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