Em 2016 Marques Vidal ainda achava bem mandato único de seis anos

Ex-ministra Paula Teixeira da Cruz acusa a sua sucessora e o Governo socialista de falta de sentido de Estado.

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"A passagem dos anos retira-nos a capacidade de distanciamento”, chegou a dizer a procuradora-geral Miguel Manso/Arquivo

Numa visita oficial que fez a Cuba em Março de 2016, a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, disse de forma taxativa que o mandato inerente ao cargo que ocupava era de seis anos e não mais do que isso.

A magistrada falava num encontro internacional dedicado ao debate das ciências penais. E foi enquanto descrevia o funcionamento do Ministério Público português, no qual o procurador-geral da República é nomeado e exonerado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo, que explicou que o cargo em causa tem uma duração de seis anos. “O mandato tem uma duração única de seis anos”, repetiu. O vídeo das suas declarações está disponível na página oficial da Procuradoria-Geral da República.

Não foi a primeira vez que Joana Marques Vidal se pronunciou sobre a duração do seu mandato e dos dos restantes dirigentes do Ministério Público. "A passagem dos anos retira-nos a capacidade de distanciamento e de autocrítica relativamente à acção que vamos desenvolvendo", disse numa entrevista que deu ao boletim da Ordem dos Advogados em 2013. "Por alguma razão, o mandato do procurador-geral da República é de seis anos, não renovável. E bem, na minha perspectiva."

O PÚBLICO tentou apurar se Marques Vidal mantém esta opinião, mas sem sucesso. A PGR recusou-se ontem a falar do assunto, tendo-se limitado a emitir uma sucinta nota informativa a recordar que, de acordo com a Constituição da República Portuguesa e o Estatuto do Ministério Público, esta é uma matéria da competência do Presidente da República e do Governo, "não cabendo à procuradora-geral da República pronunciar-se sobre a mesma”.

Fontes contactadas pelo PÚBLICO asseguram, porém, que o seu entendimento sobre o mandato único será agora diferente. Se assim for não tem, porém, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) do seu lado.

“O texto da lei não refere qualquer impedimento na renovação do mandato. Mas estabeleceu-se um entendimento histórico, por causa do caso de Cunha Rodrigues [que ocupou aquelas funções durante 16 anos], de que a interpretação da norma deveria ser de um único mandato de seis anos”, afirmou ontem o presidente do SMMP. E lembrou que Francisca van Dunem conhece bem este processo, por ter trabalhado com Cunha Rodrigues.

Para o SMMP, “não é defensável que um procurador-geral da República esteja mais de seis anos no cargo”. Doze anos torna-se um “período demasiado longo” e um só mandato “permite uma maior liberdade de actuação do PGR, que assim não está dependente de necessidade de tomar medidas para agradar, com vista à renovação do mandato”, argumenta o sindicalista, que elogia o trabalho da magistrada: “Pelo trabalho que desempenhou, se fosse preciso um juízo de mérito para continuar, defenderíamos a renovação.”

Do lado dos funcionários dos tribunais, o voto é para que Marques Vidal continue: há “situações — e esta é uma delas — em que o interesse público e a imagem da justiça o justificam”, observa Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais.

Já o ex-PGR Pinto Monteiro mostra-se menos favorável a que isso suceda. “Nem eu nem Souto Moura ouvimos alguma vez falar de renovação de mandatos. Entendia-se que havia um prazo-limite de seis anos”, observa, admitindo, porém, que a lei possa ser interpretada de forma diferente. Seja qual for a decisão, sublinha, ela cabe não ao titular da pasta da Justiça mas ao Governo, que “tem liberdade para decidir o que entender” e apresentar depois essa decisão ao Presidente da República.

Perante toda a polémica, a antecessora de Francisca van Dunem, Paula Teixeira da Cruz, acusou a ministra e o Governo de “falta de sentido institucional e falta de sentido de Estado”. Foi a hoje deputada do PSD quem há seis anos escolheu Marques Vidal para o cargo. Paula Teixeira da Cruz entende que o anúncio da saída, com dez meses de antecedência, fragiliza a magistrada e, mais grave ainda, a própria instituição que ela representa. E faz questão de dizer que nunca como sob o comando de Joana Marques Vidal “houve tanto combate à promiscuidade entre a política e os negócios”.

“Ela tornou-se alguém eventualmente incómodo”, prossegue a ex-ministra. “Como se pode dizer que vai sair daqui a dez meses? Não é sensato. Eu tive divergências com o procurador-geral da República Pinto Monteiro, mas nunca ninguém me ouviu dizer coisas destas.” com Maria Lopes

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