Twitter apaga post satírico e põe alemães a debater a liberdade de expressão

Conta da popular revista Titanic foi suspensa 48 horas após aprovação de nova lei contra o discurso de ódio na Internet. Radicais aproveitam e apresentam-se como vítimas de censura.

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O Twitter não comenta medidas contra contas individuais Regis Duvignau/Reuters

Uma série de bloqueios de contas e mensagens apagadas pelas redes sociais Twitter e Facebook na Alemanha provocaram uma discussão sobre os limites da liberdade de expressão, o discurso de ódio, e a responsabilidade das redes sociais na moderação deste tipo de discurso. Isto porque o Twitter apagou um post da revista satírica Titanic que era uma paródia a um outro post, também apagado, da política do partido de direita radical AfD Beatrix von Storch.

Tudo começou com um tweet da polícia de Colónia, que desejou aos seus seguidores um bom ano em alemão, inglês, francês, e árabe. O tweet em árabe foi o que recebeu mais “gostos”, mas também o que chamou mais a atenção. E o que mais polarizou, com agradecimentos mas também críticas. Alguns utilizadores reagiram como se este fosse mais um sinal do que dizem ser a “islamização” da Alemanha – uma alegação repetida pela extrema-direita que, no entanto, tem poucas bases (os muçulmanos são só 6% da população na Alemanha).

A política do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) Beatrix von Storch interpelou a polícia da cidade, questionando o motivo de um tweet estar em árabe. “Que raio se passa neste país?”, perguntou Von Storch. “Acham que isto vai apaziguar as hordas de bárbaros, muçulmanos, violadores em grupo?” A mensagem foi denunciada dezenas de vezes e a conta de Storch suspensa durante 12 horas. Também foram apagados tweets de outros políticos da AfD, incluindo a co-líder Alice Weidel, que apoiavam esta mensagem.

A revista satírica Titanic – conhecida por polémicas como a oferta de subornos à FIFA para que a Alemanha organizasse o campeonato do mundo de 2006, por uma capa com o Papa que levou a Santa Sé a iniciar um processo (depois suspenso), e pela ligação a um partido chamado Die Partei com humoristas da publicação – fez uma paródia do tweet de Stroch. “A última coisa que quero é hordas de homens bárbaros, muçulmanos, violadores em grupo apaziguados!” O Twitter bloqueou a conta da revista, que tem uma circulação de 100 mil cópias, durante 48 horas (a pedidos de informação da agência Reuters, um porta-voz respondeu que não comentava casos individuais; algumas remoções podem ser feitas por violação dos termos de serviço, outras por ilegalidade).

As particularidades alemãs

A Alemanha tem uma situação específica quanto ao discurso de ódio. No país, a liberdade de expressão é um direito constitucionalmente garantido, mas com as excepções de negação ou elogio do Holocausto, uso de símbolos nazis como a suástica (fora de “contextos educacionais" como escolas ou museus ou documentários sobre a época), de saudações como Heil Hitler, e incentivo ao ódio, que são crime segundo a lei.

Isto leva muitas vezes a um jogo do gato e do rato entre autoridades e neonazis, que se apresentam com suásticas incompletas ou com ligeiras alterações, usam 18 com símbolo para Adolf Hitler (A é a primeira letra do alfabeto, H a oitava), 88 como símbolo da saudação Heil Hitler. Há ainda algumas particularidades: não é necessariamente proibido ter uma tatuagem alusiva ao nazismo (ou uma bandeira em casa). Uma tatuagem não pode, contudo, ser exibida em público – em marchas de neonazis podem ver-se pessoas com partes do corpo tapadas com fita negra, trabalho feito pela polícia antes das manifestações. Uma bandeira em casa não pode ser vista da janela, por exemplo.

As leis contra o discurso de ódio sempre existiram mas a sua aplicação na era da velocidade das redes sociais é discutível. É certo que já houve pessoas condenadas – o caso mais citado é o de uma mulher em Berlim de 62 anos, que em 2016 publicou uma imagem com um diálogo ficcionado: “Pergunta: Tem alguma coisa contra refugiados? Resposta: Sim, pistolas automáticas e granadas.”

O tribunal verificou outros indícios de simpatia com a extrema-direita, ameaças a grupos antifascistas e decretou uma multa de 1350 euros. Também já houve operações policiais com buscas em casas de suspeitos de partilhar mensagens de incitamento, a maioria de direita radical, mas também de extrema-esquerda. No entanto, são casos pontuais.

O Governo alemão assinou no final de 2016 um acordo com Twitter, Facebook e Google em que as empresas se comprometeram a remover conteúdo xenófobo dentro de 24 horas após este ser denunciado ou arriscavam grandes multas. Mas as empresas foram falhando os prazos e o ministro da Justiça, Heiko Maas, alertou que era preciso “lutar contra a lei da selva na Internet”. 

Enquanto os comentários estão online, uma organização que luta contra o ódio e promove a reabilitação de neonazis, a Exit Deutschland, desenvolveu uma acção em que por cada comentário de ódio uma empresa doa um euro a uma associação de integração e anti-racismo – a associação deixa uma resposta ao comentário agradecendo a doação involuntária.

Cruz de Mérito

Desde 1 de Janeiro, as multas (de até 50 milhões de euros) foram incluídas na lei. E foi a partir da entrada em funcionamento desta legislação que as redes sociais começaram a apagar mais posts.

A revista Der Spiegel nota um efeito perverso: “dentro da AfD, parece que se tornou uma espécie de símbolo de estatuto ser banido de uma rede social, apenas para ir queixar-se sobre a alegada censura noutro meio qualquer”. “Uma acusação de incitamento é a nova Cruz de Mérito”, comentou o deputado da AfD Jens Maier, cuja última “provocação” foi um tweet em que se referia ao filho de Boris Becker (que é mulato) com um termo pejorativo (o tweet foi apagado e Maier culpou um membro do seu staff).

A AfD queixa-se de ser alvo de censura generalizada: um porta-voz disse que desde o dia 1 de Janeiro, quando a nova lei entrou em vigor, todos os tweets, com uma única excepção, da conta nacional da AfD foram denunciados por outros utilizadores da rede social. No entanto, sublinha a revista Der Spiegel, o Twitter só apagou três comentários. “Algo muito diferente de censura em massa”, comentava a revista.

Mas o que se passou com o tweet da revista satírica deixou muitos opositores da lei a alegar que aqui está exactamente o perigo para o qual tinham avisado. O ministro da Justiça diz que não há grandes alterações ao que já estava em vigor. “Quem distribua conteúdo criminal online tem de ser punido”, defende Heiko Maas.

Ainda que seja cedo para tirar conclusões, os media alemães davam conta do bloqueio de muito mais mensagens nas redes sociais.

O jornal Die Tagesspiegel alertava para a possibilidade de as próximas semanas serem ocupadas com jogos para testar os limites do que é discurso de ódio, lançando balões de ensaio e esperando para ver o que faz o Twitter.

A Spiegel lembra ainda que as empresas como o Twitter e o Facebook não são transparentes quanto aos critérios que usam para lidar com discurso de ódio e outras violações da lei. E, como chama a atenção o presidente da federação de Jornalistas, Frank Überall, a decisão não é dos tribunais, que só se manifestam a posteriori; é dos moderadores das redes sociais. “Uma empresa privada com sede nos Estados Unidos está a decidir os limites e a liberdade de imprensa e de opinião na Alemanha. Isto é vender os nossos direitos fundamentais”.

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