Desacordo em matérias sensíveis era expectável

Cândida Almeida diz que perante o desentendimento dos parceiros na questão da delação premiada compete agora ao Governo decidir se avança com alguma iniciativa nesta matéria.

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Cândida Almeida: à semelhança dos arguidos, que não podem ser privados dos seus direitos, “a democracia também tem de ser protegida”

Para a antiga directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Cândida Almeida, a falta de acordo entre os parceiros do sector da justiça em matérias como a delação premiada e o enriquecimento ilícito era expectável, face aos interesses divergentes entre as várias classes que firmaram nesta sexta-feira o pacto para a Justiça, em Tróia.

A magistrada entende, porém, ser desejável introduzir algumas alterações à lei que nalgumas situações já permite à justiça aproveitar denúncias de criminosos arrependidos em troca de uma redução da pena, por ser uma forma de agilizar o combate à corrupção.

Perante a falta de consenso entre os parceiros, “competirá agora ao Governo decidir se nesta altura valerá a pena ou não avançar nesta questão de política criminal”, analisa. Já no que diz respeito ao enriquecimento ilícito, por a sua tentativa de criminalização já ter sido chumbada por duas vezes no Tribunal Constitucional, não vê grandes hipóteses de legislar.

É deste obstáculo constitucional que fala igualmente o antigo presidente da Associação Sindical de Juízes Mouraz Lopes quando questionado sobre o tema: de um problema de legalidade que, no seu entender, “também não é muito fácil de ultrapassar no que respeita à delação premiada”. Por isso, também ao magistrado não espantam os desentendimentos que emergiram durante a discussão do pacto para o sector. “Ambas as questões são melindrosas do ponto de vista jurídico-constitucional”, avisa, explicando que há poucos países onde o enriquecimento ilícito tenha sido criminalizado.

Cândida Almeida percebe que a Ordem dos Advogados esteja contra. Mas, à semelhança dos arguidos, que não podem ser privados dos seus direitos e garantias, “a democracia também tem de ser protegida”, assinala. Da corrupção que a destrói, por exemplo.

Pinto Monteiro, antigo Procurador-Geral da República (PGR), vai aguardar pelo conhecimento total do pacto para um comentário mais alongado. Não deixa, porém de saudar que a delação premiada tenha ficado de fora do acordo. “A minha opinião é conhecida: sou contra. Aconselho a leitura de um artigo recente do constitucionalista José Gomes Canotilho que diz que a delação premiada é inconstitucional. Mais, é eticamente censurável”, afirma, lamentando “que o Ministério Público a defenda”.

Também saúda que o enriquecimento ilícito tenha ficado de fora, porque a forma como tem sido defendido, nomeadamente pelo PSD, “representa inverter o ónus da prova”. Já sobre o pacto para justiça propriamente dito, deixa uma pergunta: “Vai ser cumprido? Eu sei que este pacto é entre actores da justiça e feito a pedido do Presidente da República, mas já houve um pacto da justiça entre PSD e PS e não foi cumprido.” Para Pinto Monteiro o que devia existir, em primeiro lugar, era “um pacto civilizacional”. “Um pacto em que todos os intervenientes da justiça compreendessem e respeitassem a função do outro. Em que acabasse às guerras entre advogados e juízes e entre Ministério Público e juízes.”

Rui Cardoso, ex-presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, diz não conhecer na íntegra o pacto pelo que também recusa qualquer comentário. Considera porém “muito positivo que tenha havido um consenso nesta matéria”. “Poderá não ser um consenso em todas as matérias, mas parece ter havido um entendimento em muitas.”

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