A Cova tem o mar à porta e cada vez menos praia

O ministro do Ambiente já esteve no local, bem como técnicos da Agência Portuguesa do Ambiente. Os moradores pedem soluções.

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Moradores temem que a aproximação do mar venha a pôr em perigo as suas casas Paulo Pimenta
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Andam-se pouco mais de dez metros desde a estrada até à Praia da Cova Gala. Pára-se e olha-se para baixo, como todos os habitantes fazem, a ver o mar bater na parede de areia. Os passadiços estão caídos na barreira natural de areia. Mais à frente, o mar já entrou pela zona de pinhal. Os habitantes, que se sucedem a ver se é mesmo verdade, só temem que o resto da areia não tenha força para resistir e as primeiras casas da Cova, na freguesia de São Pedro (Figueira da Foz), fiquem em perigo.

O mar galgou uns dez de metros de praia, de acordo com os habitantes da vila. Manuel Abade, de 72 anos, nasceu e trabalhou sempre aqui, ora como pescador, ora como marinheiro. Agora, caminha de manhã e à noite, todos os dias, junto à praia. Ao lado dele, e para o ajudar a mostrar o quanto a praia tem sido devastada, estão outros moradores que vão confirmando a história. “Há mais de 50 anos, a praia estava bem lá ao fundo”, aponta o habitante de São Pedro, mostrando a extensão da praia que, pelo avanço do mar, foi recuando, tal como as casas que se estendiam por uma zona que agora só é visitável de barco.

Esta sexta-feira, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, esteve no terreno, juntamente com o presidente da Câmara da Figueira da Foz, o presidente da Junta de Freguesia de São Pedro e dois técnicos da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). A solicitação partiu do município que, em nota de imprensa, fala numa “situação de perigo iminente”. Adianta ainda que o ministro “solicitou relatórios diários e deu instruções para serem realizadas todas as diligências necessárias para estarem a postos as quantidades suficientes de pedra e areia para travar a invasão da duna pelo mar”.

Manuel Abade explica como o areal tem vindo a minguar, mas não sabe como se resolve, se com betão ou com areia. Os moradores acumulam-se de telemóvel em riste. Todos garantem que ainda não há medo, só receio que o perigo possa mesmo chegar. “Isto já está assim há uns poucos anos e ninguém põe mão nisto”, queixa-se uma senhora enquanto abandona a praia.

Qual foi o problema? Qual é a solução?

Na nota de imprensa enviada pelo município da Figueira da Foz, informa-se da decisão do ministro em desencadear o processo para uma intervenção no 5º molhe, com a participação da autarquia, da APA e do Porto da Figueira da Foz. Fica por saber, qual o tipo de solução que será apresentada.

A APA garante que está a “acompanhar a situação da Praia da Cova da Gala com grande proximidade e frequência, juntamente com as autoridades locais, estando em condições para actuar na medida das necessidades”, mas não esclarece outros pontos, como o estado actual e a solução futura. Contactado, o Ministério do Ambiente não respondeu a nenhuma das questões do PÚBLICO.

Miguel Figueira, do movimento cívico SOS Cabedelo e atento às questões que envolvem a orla costeira desta região, tem a certeza que não será com betão que as populações deixarão de estar em perigo. Para o membro do movimento, o problema teve origem numa intervenção na praia da Cova Gala que teve lugar em 2015, quando a APA levou a cabo a ripagem de areias — retirada de sedimentos da zona de rebentação — e que reduziu a praia submersa, dando maior força à investida do mar.

“Isto resolve-se com a praia da Figueira. Lá temos o volume de areia que permite fazer a reposição”, garante, defendendo uma solução que passe pelo bypass, ou seja, que permita que haja uma transposição de areia artificial, visto que o curso natural é impedido pela existência do porto – no caso desta zona, entre o norte da Figueira da Foz e o sul.

O relatório do Grupo de Trabalho para o Litoral (GTL), apresentado em Dezembro de 2014, já apelava a esta solução para as zonas costeiras de Portugal Continental. “O relatório do GTL recomenda que na protecção costeira se privilegiem medidas de reposição do equilíbrio sedimentar nos troços costeiros com maior risco de galgamento, inundação e erosão”, lê-se.

Mais especificamente em relação à zona afectada, o relatório afirma que este reequilíbrio é uma acção que tem sido pedida desde os anos 1960, reforçando a recomendação para que se proceda à “adopção de processos ou sistemas de transposição sedimentar nas principais barras portuárias e em particular nas barras de Aveiro e da Figueira da Foz”, refere o GTL.

“O betão não é solução”

Quem tem a certeza que o betão não é uma opção para proteger a orla costeira e impedir o mar de galgar as barreiras de areia é Miguel Figueira, baseando-se no relatório que o GTL publicou em 2014 e no relatório do Programa da Orla Costeira, de 2015. Ambos apontam para os problemas de sedimentação nas barras de Aveiro e da Figueira da Foz, o que acaba por “sobrevalorizar claramente o défice sedimentar que actualmente se observa”, aponta o relatório de 2015.

Entre os habitantes das regiões afectadas por estas erosões da costa, do qual o mar acaba sempre por ser o culpado, a solução do betão é vista como a mais resistente para travar o galgamento do mar. No entanto, o relatório do GTL aponta na direcção aposta. O grupo de trabalho liderado por Filipe Duarte Santos (actualmente presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável) refere que, pensando a longo prazo, a melhor solução passa pelas “intervenções de alimentação artificial”. Este sistema, apelidado de bypass, no caso da Figueira da Foz, permitiria que se compensasse o recuo na zona sul, visto que a zona norte está a crescer – os números andam entre 800 e 1000 metros a mais, nos últimos anos, só na zona da Marginal.

Ambos os relatórios recomendamque a protecção costeira privilegie estas “medidas de reposição do equilíbrio sedimentar nos troços costeiros com maior risco de galgamento, inundação e erosão”, como se lê no relatório do GTL. Isto fará com que se mantenha “a integridade da costa”, sem uma implicação maior dos custos directos – que são similares a médio prazo, quer se trate de bypass ou de obra pesada (betão) – e nos indirectos (turismo, prática desportiva, lazer).

O relatório do Programa da Orla Costeira fala ainda em taxas de recuo da linha de costa na zona marítima da Figueira da Foz, no período entre 2006 e 2010, que vão até 1,7 metros a menos de costa por ano e uma diminuição da largura média da praia.

Texto editado por Ana Fernandes

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