“Não faz sentido dois processos legislativos em simultâneo”

Secretária de Estado do Turismo acabou por não avançar com proposta de lei, uma vez que o PS manteve a sua, que vai hoje a debate com as do CDS, PCP e BE. Tentativa de fusão deixa sector em suspenso, com o tema do papel dos condomínios pelo meio.

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Poder local prepara-se para ter capacidade de intervenção no Alojamento Local, a questão é saber de que forma o fará Daniel Rocha

Para a secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, “não faz sentido dois processos legislativos em simultâneo” sobre o Alojamento Local, explicando assim ao PÚBLICO porque é que o Governo acabou por não avançar com uma proposta de alteração à lei em vigor, tal como tinha planeado.

Isto após o Governo — o tema envolve também o Ministério do Ambiente — ter sido surpreendido em Maio por um projecto de lei elaborado por dois deputados do PS, Carlos Pereira e Filipe Neto Brandão. Oito meses depois, essa iniciativa legislativa mantém-se de pé, e é uma das quatro propostas de alteração que vão ser debatidas esta sexta-feira em plenário da Assembleia de República, ao lado das apresentadas pelo CDS, PCP e Bloco de Esquerda (responsável pelo agendamento).

O projecto de lei dos deputados do PS resistiu mesmo ao primeiro-ministro, António Costa, que, como noticiou o PÚBLICO, se opôs à sua aprovação, tal como foi apresentado. É que a proposta do PS à lei do Alojamento Local (AL) é composta por apenas um ponto, ligado a um tema que tem causado bastante polémica: para os deputados, o dono de uma fracção tem de ter autorização da assembleia de condóminos antes de a colocar no mercado de AL.

Ao mesmo tempo, a proposta é omissa em questões como um maior envolvimento das autarquias e das juntas de freguesia, ou se os donos de um AL, cujo número tem vindo a crescer, devem pagar mais de condomínio (devido a um potencial maior uso, e desgaste, das áreas comuns).

Respostas para “questões pontuais e concretas”

Questionada pelo PÚBLICO sobre se revia na proposta apresentada pelo PS e na questão do poder de decisão dos condóminos, a secretária de Estado respondeu apenas que não comentava “as propostas apresentadas pelo CDS, BE, PCP e PS”. Já sobre o que espera que resulte, em concreto, do Parlamento em termos de alterações à lei do AL em vigor, Ana Mendes Godinho afirmou esperar “soluções de bom senso que respondam às questões pontuais e concretas” relativamente ao AL.

Do ponto de vista do Governo, e além de alguns requisitos ligados à higiene e segurança, o destaque vai para a questão do envolvimento do poder local, de modo a reagir ao que admite ser uma sobrecarga em algumas freguesias de Lisboa e Porto, como Santa Maria Maior (no centro histórico da capital) e a União de Freguesias de Cedofeita, St.º Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória (no Porto). No primeiro caso, segundo cálculos do PÚBLICO, em Agosto estavam concentrados 25% do total disponível em todo o concelho de Lisboa (perto de 9200 AL).

Neste caso, a ideia é dar ao poder local a capacidade de, em determinadas situações e previamente identificadas através de indicadores concretos (como, por exemplo, o número de AL face ao número de habitantes), limitar o surgimento de novos AL na zona em questão de modo a tentar manter um equilíbrio entre residentes e turistas.

Esta questão poderá ser assimilada pelo PS, tal como outras, já que os socialistas deverão gerir equilíbrios com o executivo, mas também com as propostas de outros partidos.

Projecto de fusão

Neste momento, a expectativa é a de que as propostas de alteração à lei — senão todas, pelo menos algumas, a começar pela do PS – passem sem votação para a fase de debate na especialidade. Ou seja, abria-se um caminho para uma tentativa de fusão que contenha contributos da família socialista e dos restantes partidos — ou de um número suficiente para que o diploma seja aprovado.

Luís Testa, responsável pelos socialistas na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, onde deu entrada a iniciativa do PS, afirmou ao PÚBLICO que é “possível uma convergência” de todas as partes.

Questionado sobre a proposta dos deputados socialistas, afirmou que esta continha “uma alteração cirúrgica”, mas que o PS “tem de saber responder também às questões dos outros partidos”, que “não estão assim tão longe” ao ponto de não poderem ser absorvidas.

Para já, vai-se criar um grupo de trabalho, e, depois, serão marcadas as audições de partes relacionadas, para então se tentar uma formulação legislativa com algum consenso. Da lista deverão constar entidades como a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), associações de proprietários e associações de inquilinos, representantes da hotelaria e as autarquias, num processo que se adivinha algo moroso. “Admito que sim, que demore”, diz Luis Testa, defendendo que “as boas soluções, para serem boas, não podem estar dependentes de prazos”.

O grupo de trabalho que se irá formar vai estar englobado na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, presidida por Pedro Soares, do BE, e onde deram entrada as iniciativas legislativas do CDS, BE e PCP.

Mesmo assim, Luís Testa diz que já solicitou que haja a participação de deputados da comissão de economia, até pela “complexidade” do assunto.

Qual o papel do condomínio?

Um tema em comum às propostas dos quatro partidos é o dos condóminos, mas através de diferentes perspectivas (ver caixa), pelo que será interessante verificar depois o resultado final (actualmente há uma ausência total nesta lei, criada em 2014 e alterada em 2015, não se prevendo sequer o dever de informar o condomínio da existência de um AL, mas tem havido vários casos em tribunal).

Neste aspecto, o mais alinhado com o PS é o PCP, enquanto o Bloco não quer uma discussão por cada caso, remetendo antes para uma intervenção ao nível municipal.

Por parte do CDS, defende-se que a proibição ou não do AL deve constar desde logo “no título constitutivo da propriedade horizontal” ou em regulamento de condomínio da assembleia de condóminos “aprovado sem oposição”, devidamente registados.  

No caso do PCP, os comunistas advogam também que as autarquias devem poder, “por regulamento municipal”, limitar o AL “até ao máximo de 30% das fracções por prédio e até um máximo de 30% dos imóveis por freguesia”.

Já o Bloco defende que o AL tem de estar ligado ao “domicílio ou sede fiscal do titular da licença de exploração” e que se deve limitar o conceito de AL aos arrendamentos que vão até aos 90 dias por ano, remetendo a restante oferta (vista como mais profissional) para a categoria de empreendimentos turísticos. O Bloco defende também um papel central para as autarquias, que, “em proporção dos imóveis disponíveis para habitação”, poderiam fixar “quotas por freguesia, zona de intervenção ou coroa urbana”.

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