O hotel lendário que viu uma “Morte no Nilo”

O Old Cataract presta vassalagem total ao rio que é pura história líquida e conta inúmeros hóspedes famosos.

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Chegamos pelo Nilo e é para o Nilo que nos voltaremos sempre. Afinal, o hotel Old Cataract, em Assuão, presta vassalagem total ao rio que é pura história líquida. O próprio hotel se inscreve nessa história e ainda que a sua não se conte em milénios (foi construído apenas em 1899) já tem os seus mitos e lendas.

“Winston Churchill ganhou a II Guerra Mundial a partir daqui”, diz o director-geral do hotel, Ahmed el Shandawili. Exagero à parte, este era um dos refúgios preferidos do antigo primeiro-ministro britânico, e a sua suíte um dos quartos-estrela do Old Cataract. Ao amplo hall segue-se o salão, com mesa para seis pessoas, lareira e lustre de mil lâmpadas, o quarto com cama enorme (“porque ele era grande”), casa-de-banho com banheira encarando o Nilo e la pièce de resistance, anuncia el Shandawili: um enorme terraço que acompanha toda a sucessão de divisões. Num dos cantos, um biombo é uma adição mais recente: foi colocado, conta o director-geral, para proteger Brad Pitt e Angelina Jolie dos paparazzi, o ex-casal ia casar-se aqui, diz a lenda. No mesmo hotel onde Agatha Christie se hospedou no final da década de 1920 e onde situou parte do seu Morte no Nilo, no mesmo hotel por onde passaram o rei Farouk, Omar Sharif ou Mitterrand, onde Aga Khan passou a lua-de-mel.

A lista poderia continuar, mas voltamos ao terraço “de” Churchill, onde muito terá pintado noite fora, “não dormia” (se calhar porque os italianos estavam já ali ao lado, na Núbia): como não trocar a cinzenta Londres a sofrer a blitz por esta vista? Para lá das palmeiras, o Nilo curva para poente contornando a Ilha Elefantina, onde ruínas de templos se confundem com as rochas, e a fechar o horizonte as areias do Sara; o mausoléu de Aga Khan surge aí como qualquer coisa de intermédio e as felucas com as suas enormes velas vão marcando o ritmo, docemente. Perdoem-nos por voltarmos aos pores do sol no Nilo, mas aqui também são imperdíveis — e aqui não é apenas na suíte Churchill: a esplanada abaixo, mais democrática, oferece praticamente as mesmas vistas. “É histórica”, assinala el-Shandawili, “bem conhecida no mundo, sobretudo por ingleses e franceses que vêm para o chá da tarde e pôr do sol”. É também intocável, como todo o edifício — “Todas as alterações têm de ser autorizadas pelo Departamento de Antiguidades”, nota o director, que até queria aumentar a área coberta.

Ainda se vive uma atmosfera colonial neste palácio, onde a decoração mistura os estilos egípcios e francês, servidos em doses significativas de mármores e madeiras escuras, tapeçarias e peças tradicionais. O hall, enorme, cheio de colunas e recantos é disso exemplo, mas é o restaurante que verdadeiramente se impõe, modelado que foi a partir da mesquita cairota Ibn Tulun, com as refeições servidas sob uma enorme cúpula pintada e aos pés da mesa ao estilo távola-redonda que era a mesa cativa dos reis do Egipto.

Reaberto em 2011 depois de obras de restauro (100 milhões de dólares), o espaço recuperou o esplendor vitoriano e modernizou a oferta: o número de suítes no edifício principal baixou para metade e mantém a estética original (revisitada) e o edifício secundário, uma torre que foi ala low cost do hotel e recebeu nova cara, sofisticada e de uma opulência ampla mas discreta, com todos os quartos servidos por varandas a olhar o Nilo. É nesta “nova” ala que o spa e o hamman se oferecem em cenário árabe — a piscina interior, longa entre colunas de mosaicos sob candeeiros, fica-nos na retina.

Contudo, é da piscina sinuosa, com recantos rochosos bem sobre o Nilo, no meio de relvado povoado de arbustos floridos e palmeiras, que nos “expulsam”. Sim, já se tinha despedido o sol. Sim, foi o melhor pôr do sol do dia.

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