A insustentável tarefa da Entidade das Contas

Para que as contas dos partidos e das campanhas eleitorais tenham uma eficaz fiscalização, não basta “expurgar” da lei ‘cavalo-de-Tróia’ as alterações feitas ao regime do IVA e aos limites de angariação de fundos. Sem meios, sem prestígio nem autoridade, a Entidade terá uma eficácia muito limitada. Esse poderá ser o maior dos bónus para os partidos.

Aquela que ficou conhecida como a nova lei do financiamento dos partidos e foi agora vetada pelo Presidente da República era um verdadeiro cavalo de Tróia: dentro de um diploma que devia servir para melhorar a fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, um restrito grupo de deputados com particular responsabilidade resolveu colocar um exército para assaltar o castelo.

Com algumas pequenas normas, pretendiam de uma só vez tornar ilimitado o canal do financiamento privado, ao acabar com os limites para a angariação de fundos, e ao mesmo tempo aumentar o financiamento público através da isenção total de IVA aos partidos que acabaria por se tornar extensível às campanhas eleitorais, nem que fosse pela porta dos fundos.

Seria uma mudança de modelo de financiamento dos partidos, como bem salientou o Presidente da República na fundamentação do seu veto político, em que critica com veemência o secretismo com que os deputados trabalharam estas alterações. Pelas reacções dos partidos, já se percebeu que os assaltantes dentro do cavalo estão mortos e enterrados. Que aquelas normas, naqueles termos, vão desaparecer da futura lei. Já os seus fantasmas continuarão à solta e voltarão, mais dia, menos dia, nalguma manhã de nevoeiro, encapuçados por algum outro motivo de força maior. É o que nos mostra a história.

Resta, então, o cavalo propriamente dito: o presente dos partidos ao seu fiscalizador-mor, o Tribunal Constitucional (TC). Uma lei em que, a seu pedido, o TC deixa de ter a responsabilidade primeira e última de fiscalizar as contas dos partidos e das campanhas eleitorais, para passar a ser apenas uma instância de recurso das reclamações dos partidos quanto às decisões da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP).

Esta, uma entidade administrativa que funciona literalmente com meia dúzia de pessoas — três dirigentes e outros tantos funcionários —, passa agora a ter todas as responsabilidades que tinha e mais as do Ministério Público e do próprio TC. A ECFP — que tem feito milagres para conseguir, no terreno e na prática, fiscalizar as contas e emitir pareceres para depois o TC se pronunciar e, perante irregularidades, o Ministério Público propor coimas —, passa agora a fiscalizar no terreno, instruir os processos e decidir as coimas. Se até aqui era o polícia, agora é o carrasco.

Ora, ao carrasco os deputados não deram mais meios. Pelo contrário, até retiraram o poder regulamentar de dizer como lhe devem ser apresentadas as contas. Para lhe facilitar a vida, só deram mais tempo para tomar decisões. Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas.

Se é verdade que, no sistema em vigor, a ausência de uma instância de recurso das decisões do Tribunal Constitucional seria uma inconstitucionalidade, o modelo que agora deverá fazer caminho, a pedido do TC e com o acordo do Presidente da República, poderá impedir, na prática, a fiscalização das contas dos partidos e das campanhas. E esse poderá ser, afinal, o maior bónus de todos: um sistema de fiscalização bloqueado, sem meios, sem prestígio e sem autoridade. Mas sem qualquer inconstitucionalidade.

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