Novas regras das instalações eléctricas vão gerar "perturbações" durante meses

A Certiel será formalmente extinta amanhã, mas desde o dia 22 de Dezembro que já não responde a novas solicitações. Período de transição pode demorar alguns meses.

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Emissão de licenças poderá sofrer alguma demora adicional Enric Vives-Rubio

As alterações introduzidas pelo Governo no Regime das Instalações Eléctricas a particulares, que eliminou a obrigatoriedade de certificação de todas as instalações, foram publicadas em Diário da República no passado dia 10 de Agosto, para só entrar em vigor no próximo dia 1 de Janeiro. Desde então que se sabe que a Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG) passaria a assumir novas responsabilidades na gestão dos processos, ficando sob a sua responsabilidade o controlo e exercício das actividades do projecto e de inspecção das actividades relacionadas com instalações eléctricas. Mas, admite Ricardo Gomes, presidente da AECOPS, a associação que assegura a presidência da direcção da Certiel — a entidade que até agora tinha essa responsabilidade concessionada, e que acabou extinta por força dessas alterações — ainda se “adivinham algumas perturbações nos próximos meses”.

As alterações à lei foram apresentadas no âmbito das medidas de simplificação administrativa (Simplex) e que no caso em apreço permitiriam aos consumidores poupar os 51,23 euros que era pago por cada inspecção, até então obrigatória. No fundo era uma taxa, já que a Certiel fazia inspecções por amostragem, mas cobrava a respectiva taxa a todas as instalações que certificava.

A Certiel é uma organização constituída por várias associações sectoriais, e também pela EDP, sendo estes organismos os titulares dos órgãos sociais para o qual nomeiam seus representantes. Numa das últimas assembleias gerais, todas essas entidades deixaram expresso, por unanimidade, o entendimento de que a Certiel havia servido o seu propósito e que deveria “garantir a transição do que eram as suas competências para o novo quadro legislativo, terminando a sua a função”, esclareceu Ricardo Gomes. Volvidos quase quatro meses, o presidente da AECOPS diz que essa transição foi assegurada dentro dos limites “do que lhe foi pedido e que lhe era possível”, e mostrou a sua satisfação por ter sido possível convencer a DGEG (e, naturalmente, a tutela) da possibilidade de herdar as plataformas tecnológicas e os mecanismos de controlo que haviam sido montados pela Certiel.

“A DGEG nunca conseguiria lançar um concurso para que lhe fosse criada uma plataforma de raiz a tempo da entrada em vigor da lei. Felizmente ficou com as plataformas e os instrumentos da Certiel. Ainda lhe ficarão a faltar os recursos humanos, mas aqui não haveria nada a fazer. Os funcionários da Certiel não poderiam ser transformados em funcionários públicos”, esclarece Ricardo Gomes.

Em resposta às questões colocadas pelo PÚBLICO, a DGEG afirma ter eliminado o período transitório previsto, "o que significa que a partir de 2 de Janeiro estará já em funcionamento a plataforma electrónica onde serão submetidos todos os processos, por parte das entidades inspectoras". Porém, acrescenta, o portal só estará disponível para o público em geral no dia 4 de Janeiro de 2018. "A plataforma foi desenhada pela DGEG em colaboração com os serviços técnicos da Secretaria Geral do Ministério da Economia, permitirá comunicar directamente com a EDP Distribuição, antecipando, desde já, todas as vantagens do regime legal publicado em 10 de Agosto", esclarece a DGEG.

Contactada pelo PÚBLICO, fonte da EDP confirmou que “está criada uma solução alternativa” que “irá permitir a tramitação regular dos processos”. “A EDP Distribuição está em ligação com a DGEG a acompanhar esta fase transitória”, esclareceu a mesma fonte.

Porém, algumas fontes contactadas pelo PÚBLICO referiram que as perturbações que se adivinham para os próximos meses já começaram mesmo a ser sentidas ainda antes da entrada em vigor da lei. Apesar de só ficar formalmente extinta a 31 de Dezembro, e de anunciar publicamente que não aceitaria mais processos até dia 29, a verdade é que os serviços da Certiel já não estão a desempenhar qualquer tipo de papel desde o dia 22. No seu site anunciam que todos os processos que tenham dado entrada cuja certificação não tenha sido concluída serão tramitados para os serviços da DGEG. E que as taxas referentes aos pedidos de certificação seleccionados para inspecção que não tenha sido realizada até ao dia 28 de Dezembro, inclusive, serão devolvidas.

Uma das perturbações que poderá ser visível no imediato é uma demora maior do que a habitual na emissão de licenças de utilização por parte das câmaras municipais. É a emissão desta licença que ultima todo o processo e, na opinião de Ricardo Gomes, o facto de serem poucas as obras de alguma dimensão em curso que estão a aproximar-se da conclusão e a necessitar de licença de utilização poderá dar alguma margem de manobra à DGEG.

Segurança preocupa

O presidente da AECOPS não fez comentários às preocupações manifestadas por várias entidades inspectoras sobre as questões de segurança ou a possibilidade de esta lei vir a aumentar o risco de “instalações eléctricas executadas sem qualquer supervisão”. Ricardo Gomes preferiu recordar que as alterações legislativas ao longo do tempo a consagrar uma filosofia de responsabilização individual dos técnicos tornam a existência exclusiva da Certiel desnecessária. “Se até para um projecto de estruturas anti-sismo basta a assinatura do engenheiro responsável, não me parece que a assinatura de quem fez a instalação não seja suficiente”, afirma Ricardo Gomes.

A mesma opinião não é partilhada pelas entidades fiscalizadoras, como o Instituto Electrotécnico Português, o Instituto de Soldadura e Qualidade e o Laboratório Industrial de Qualidade, que fizeram mesmo um esforço junto dos grupos parlamentares para serem ouvidos nesta questão, preocupados pelos facto de a partir de Janeiro estarem dispensados da inspecção até agora obrigatória nas instalações eléctricas do Tipo A até 100 kVA e instalações do Tipo C, se de carácter temporário ou em locais residenciais com potência até 10,35 kVA.

Nesta última situação, contabilizaram, “estão praticamente 50% das instalações eléctricas que irão, no novo modelo, ser ligadas à rede sem qualquer intervenção e verificação por parte de uma entidade independente”. O grupo parlamentar do PCP é um dos partidos que já responderam a estas entidades sobre a intenção de fazer alterações na lei que entra em vigor a partir da próxima segunda-feira. O Governo, por seu lado, recorda que o Secretário de Estado da Energia aprovou adicionalmente um despacho a impor auditorias e verificações técnicas, através dos respectivos serviços ou entidades independentes, à Direção Geral de Energia e Geologia.

Alterado às 16h30, esclarecendo funções de Ricardo Gomes

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