Deputados aprovaram bónus no IVA sem conhecer o seu impacto financeiro

A benesse da isenção do IVA para os partidos foi votada sem que ninguém soubesse quanto custaria aos cofres do Estado. Pedido de informação ao Ministério das Finanças chegou a horas da votação.

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Oito são as isenções fiscais ou equivalentes aplicáveis aos partidos, incluindo: IVA, IMI, IRC, IMT, taxas de justiça, custas judiciais, imposto do selo e sobre doações ou sucessões Rui Gaudêncio

Foi na noite anterior à aprovação das mudanças à lei de financiamento dos partidos que o pedido de informação chegou ao Ministério das Finanças. Com a indicação de que o grupo de trabalho para a nova lei do financiamento partidário tinha dado por encerrada a negociação, com a conferência de líderes a marcar “com urgência” de terça (dia 19) para quinta-feira (dia 21) a votação, o gabinete do Governo na Assembleia lembrou-se de pedir a informação do impacto que as mudanças teriam nos cofres da Autoridade Tributária.

Foi, mesmo assim, tarde de mais: com o pedido a chegar ao final da quarta-feira, dia 20, e com o debate e votação da lei marcados para quinta-feira de manhã, o Ministério das Finanças explicou não ter como dar uma resposta em tão curto prazo. 

Depois meteu-se o fim-de-semana alargado, com Natal pelo meio. E a polémica só rebentou na última quarta-feira com a manchete do PÚBLICO que descrevia o modo sigiloso como tudo tinha sido preparado. No Terreiro do Paço já é possível fazer contas, mas sem influenciar a votação. Assim, e ao que o PÚBLICO apurou, os deputados ainda não têm qualquer informação oficial sobre o custo que o alargamento da isenção do IVA a todas as despesas suportadas pelos partidos políticos representará para o Estado. Mesmo que, na quarta-feira, dia 27, quatro deputados (do PS, PSD, PCP e PEV) tenham emitido um comunicado no qual se lia que “da lei aprovada não resulta nenhum aumento da subvenção estatal ou quaisquer encargos públicos adicionais para com os partidos”.

Bloco desconhece informações

O PÚBLICO questionou os quatro partidos, e também o Bloco de Esquerda (que aprovou a lei), sobre como foi possível o grupo de trabalho concluir que da nova lei não resultariam “encargos públicos adicionais”. As respostas foram variadas.

O PEV reenviou uma nota divulgada minutos antes das questões do PÚBLICO que nada diz sobre custos das medidas. E o PS esclareceu que Ana Catarina Mendes “decidiu não responder a pedidos individuais”, optando por uma conferência de imprensa na qual disse que da nova lei “não resulta nenhum aumento da subvenção estatal” nem “nenhum aumento da transferência de dinheiros públicos para os partidos”. "Não há nenhuma amnistia fiscal", insistiu.

O PÚBLICO também quis saber se houve troca de informação com o Ministério das Finanças sobre o impacto orçamental das medidas e, em caso afirmativo, se seria possível ter acesso a essa troca de informações. O único partido a responder directamente foi o BE.

“O Bloco de Esquerda não subscreveu o comunicado conjunto e desconhece algumas das conclusões formuladas pelo mesmo e de algumas informações citadas no mesmo, designadamente quanto ao aumento de encargos públicos com as alterações deste diploma ou informações do Ministério das Finanças relativamente ao volume de tais encargos públicos”, lê-se na resposta enviada ao PÚBLICO. O BE acrescenta que “mantém a sua oposição a isenções fiscais aos partidos políticos que não se justifiquem, como é o caso das isenções relativas ao IMI”.

Junto do ministério liderado por Mário Centeno, o PÚBLICO também tentou saber quais os montantes que os partidos políticos têm pago de IVA ao longo dos últimos anos e qual o valor desse imposto que lhes foi restituído ao abrigo da lei, também, nos últimos anos. Mas fonte oficial do Ministério das Finanças remeteu essa informação para a Assembleia da República. As perguntas seguiram para o gabinete de Ferro Rodrigues, que não conseguiu dar uma resposta em tempo útil.

Os dados sobre o montante de IVA suportado pelos partidos políticos nos últimos anos é essencial para saber qual o impacto que as medidas previstas na lei agora aprovada terão para os cofres do Estado. Hoje, com a legislação em vigor, quando os partidos políticos vendem um produto, vendem-no sem IVA, logo, nunca têm imposto para entregar ao Estado. Mas quando compram um produto ou um serviço, compram-no com IVA, ou seja, suportam o imposto. Depois, com a lei ainda em vigor, podem, em certas situações, pedir a restituição do imposto suportado. Mas com a nova lei, caso venha a entrar em vigor, todo o IVA que suportaram pode ser restituído. E é esta diferença que irá ter impacto nas contas públicas. Para a calcular teriam de se verificar todas as compras feitas por cada partido ao longo de um ano, calcular o IVA que suportaram e, depois, subtrair o IVA que lhes foi restituído. Um trabalho para o qual o Ministério das Finanças não teve tempo.

Assim sendo, é possível dizer que do alargamento da isenção do IVA a todas as despesas suportadas pelos partidos não resultam, de facto, “encargos públicos adicionais”, mas resulta menos receita de IVA o que, para efeitos orçamentais, é a mesma coisa.

Tribunal não comenta

De registar que as alterações ao modelo de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais feitas no diploma polémico vão ao encontro do que tinha sido pedido pelo presidente do Tribunal Constitucional (TC), Manuel da Costa Andrade.

O PÚBLICO questionou o TC sobre se o modelo adoptado, no sentido de atribuir à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) a competência de declarar ilegalidades e irregularidades, bem como aplicar coimas, satisfazia as suas pretensões, mas a resposta foi apenas a de que o TC não faz mais comentários.

No entanto, ao Diário de Notícias, Costa Andrade disse que o modelo “no essencial dá resposta” à “preocupação relativamente ao modelo de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais”. Já sobre “as alterações relativas ao financiamento em si mesmo, o Tribunal não se pronuncia”, acrescentou ao DN.

O PÚBLICO questionou ainda se o TC tinha sido consultado ou teve conhecimento prévio das alterações que estavam a ser preparadas, e se não vê problemas de inconstitucionalidade nalgumas das soluções, bem como se a notícia da aprovação da lei tinha sido recebida com satisfação no Palácio Ratton, mas todas as perguntas ficaram sem resposta. com Vítor Costa, Sónia Sapage e Leonete Botelho

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