Cuidem das vinhas velhas e contratem os donos do Licor Beirão para o Porto

Vários estudos antecipam uma maior procura de vinhos de lote e de castas menos conhecidas. Portugal, graças ao seu secular atraso, tem hoje um grande potencial, mas está a desperdiçá-lo e ainda paga para isso.

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Fernando Veludo

Para 2018, gostava de muita coisa. Mas vou ser comedido. Já ficava contente se o Instituto da Vinha e do Vinho e as comissões regionais de vitivinicultura se unissem e lançassem um projecto conjunto de inventariação das vinhas velhas existentes em Portugal. Podiam focar-se apenas nas vinhas com mais de 50 anos.

Temos em Portugal um imenso património vitícola, mas não existe nada sistematizado. Pior: todos os anos morre um pouco desse extraordinário acervo, estimulado ironicamente pelo próprio Estado, que até financia o arranque e a reestruturação das vinhas, sem cuidar de saber qual o valor do que é arrancado. É tudo tão perverso que podemos estar a financiar o fim de castas que nunca chegamos a conhecer e a explorar devidamente. A restruturação de vinhas é necessária, para aumentar a produtividade e facilitar a mecanização, mas, da mesma forma que não podemos fazer o que queremos com o património classificado, também as boas vinhas velhas deviam ter um estatuto especial e receber apoios extras, para incentivar os produtores a mantê-las. O estado apenas se limita a apoiar a reenxertia de vinhas, mas obriga os viticultores a usar varas certificadas, em vez de permitir o uso de material vegetativo da própria vinha, já bem adaptado. A ideia é evitar a propagação de doenças. Mas qual é o viticultor que quer usar videiras doentes? E é aqui que entram os viveiristas. Ao abrigo da certificação, têm vindo a disseminar pelo país videiras sem qualquer adaptação regional e muitas vezes sem qualquer valor enológico. Muita da Touriga Nacional, Touriga Franca e Roriz do Douro, por exemplo, vêm do Bombarral ou do Alentejo. Faz algum sentido?

Os programas de apoio à plantação e reestruturação de vinhas em Portugal são generosos, mas também estão a acabar com a diversidade de castas que tanto valorizamos. Em todas as regiões, só se estão a plantar meia-dúzia de variedades, as mais conhecidas e valorizadas hoje em dia. Dentro de uma ou duas décadas, vamos perceber o erro colossal que estamos a cometer.

A diversidade de castas vai ser um factor crítico no negócio do vinho no futuro. Vários estudos antecipam uma quebra de popularidade de vinhos monovarietais e de castas como a Cabernet Sauvignon, por exemplo, e uma maior procura de vinhos de lote e de castas menos conhecidas. Portugal, graças ao seu secular atraso, tem hoje um grande potencial, mas está a desperdiçá-lo e ainda paga para isso.

O segundo desejo é um pouco lunático, mas até pagava para que os donos do Licor Beirão fizessem uma comissão de serviço no Instituto do Vinho do Porto e do Douro. Os durienses iam agradecer e o país também. É notável como um licor, bebida sem o valor e a história do vinho do Porto, tem conseguido sobreviver e crescer graças, sobretudo, ao marketing inteligente da empresa. Cada campanha publicitária de Licor Beirão é melhor do que a anterior. A última, que passou muito no Natal, apresentava o Beirão D´Honra como “um presente sem grande futuro”, porque era aberto mal se oferecia. Lembram-se de qual foi a campanha de vinho do Porto, que concentra uma boa parte das suas vendas precisamente nesta época do Natal? Não houve. Ou, se houve, ninguém deu conta.

O IVDP tem mais de 9 milhões de euros nas suas contas, tudo dinheiro pago pelos produtores da região. Uma parte das taxas que os viticultores pagam é destinada à promoção dos vinhos, mas, tirando umas presença nas mesmas feiras de sempre, o pagamento a uns jornalistas estrangeiros para virem provar uns vinhos (também quase sempre dos mesmos) e um ou outro evento popular, a promoção do IVDP é quase patética face ao valor que os vinhos do Douro e do Porto envolvem. Os responsáveis do IVDP têm uma atenuante: o instituto, pela sua natureza pública, está sujeito às mesmas restrições orçamentais de qualquer outro organismo estatal. Mas, se é assim, há um bom remédio: acabe-se com o IVDP e crie-se no seu lugar uma comissão vitivinícola regional como existe na Bairrada, no Dão, no Alentejo e em todas as outras regiões do país. Qualquer coisa será melhor do que um instituto caduco, conservador e subversiente.

O Douro não precisa de uma rainha de Inglaterra, que é mais ou menos o papel que tem sido assumido pelo actual presidente do IVDP, pessoa estimável mas demasiado político e brandinho. O Douro precisa de um Churchill, alguém com visão e que esteja disposto a fazer as mudanças que os tempos de hoje exigem. Alguém que perceba que um vinho como o Porto precisa de estar sempre a investir em publicidade para elevar a percepção do consumidor sobre a sua qualidade e situar o seu preço num outro patamar.

Tanto os responsáveis do IVDP como os donos das grandes empresas de vinho do Porto tinham muito a aprender com os proprietários do Licor Beirão. Desde logo com a opção original de associaram o licor ao país: Licor Beirão, “o licor de Portugal”. O vinho do Porto é conhecido em todo o mundo, mas há ainda muita gente que não o associa a Portugal. E também poderiam aprender a dar valor ao vinho. Vender uma garrafa de Porto a pouco mais de três euros - que é mais ou menos o preço a que se comercializa o grosso do vinho fortificado produzido no Douro – é condenar, a prazo, uma marca. Nenhum champanhe ou uisque se vende a estes preços. Que me desculpem, mas até o Licor de Merda (existe mesmo, não é uma brincadeira de mau gosto) é mais caro do que a maioria do vinho do Porto. Na Garrafeira Nacional, em Lisboa, é vendido a 13,90 euros. Quando um Tawny corrente ou um LBV ou até alguns Porto 10 Anos custam menos do que o Licor de Merda, está tudo dito. A continuar assim, o Porto é que é um presente sem grande futuro. 

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