Perde Rajoy e ganha o independentismo em noite agridoce para Arrimadas

Afinal, não mudou mesmo muito. Mesmo com líderes detidos ou em Bruxelas, os independentistas ficam em maioria no Parlamento catalão. Cidadãos de Inés Arrimadas foi o partido mais votado, mas nunca conseguirá governar. PP foi esmagado.

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Reuters/ERIC GAILLARD

A participação, de 82%, foi um dos grandes vencedores das eleições mais estranhas de que há memória na Espanha da democracia, com dois candidatos à presidência da Generalitat acusados de “rebelião e sedição”, um deles na cadeia, outro em Bruxelas. E com a comunidade autónoma intervencionada por Madrid, que assumiu a governação depois de destituir o parlamento e o governo eleitos em 2015.

Venceram os catalães que votaram, venceu o partido de Albert Rivera e Inés Arrimadas, o Cidadãos (C’s), que foi o mais votado – e um partido de direita ser o mais votado numa região onde 43,6% da população se diz de esquerda e 24,1% de centro-esquerda é um feito de relevo. Mas os grandes vencedores são mesmo os independentistas, que concorreram separados ao contrário de 2015, e mantêm a maioria no parlamento, com 70 deputados (tinham 72).

Essa é a suprema ironia: Arrimadas ganhou, elegendo 36 deputados, e nunca conseguirá governar (venceu porque o Partido Popular foi esmagado), numas eleições em que o chamado bloco unionista (C’s, PP e socialistas – os próprios auto-intitulam-se constitucionalistas) somaram 250 mil eleitores a mais em relação a 2015 (quando estavam contados mais de 98% dos votos)

Perdeu Rajoy, o primeiro-ministro que apostou em aplicar um artigo da Constituição nunca usado, o entretanto famoso 155, para travar os separatistas depois de estes referendarem a independência e a declararem. Perdeu e perdeu em toda a linha: os independentistas mantiveram a maioria, o seu PP teve o pior resultado da história na Catalunha e o C’s, que o apoia no Governo mas quer derrotá-lo nas urnas, foi o mais votado, fortalecendo-se assim em termos nacionais.

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Puigdemont bate ERC

Ganhou ainda Carles Puigdemont, o presidente destituído que decidiu partir para Bruxelas para evitar a prisão – todo o Governo está acusado de “rebelião, sedição e desvio de fundos” – e “provar a repressão espanhola”. A Justiça belga arquivou o seu processo e recusou cumprir a ordem de detenção e entrega europeia e emitida por Espanha.

Com a ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) a recusar a reedição da Juntos pelo Sim, coligação com que ganharam em 2015, Puigdemont insistiu em construir uma lista aberta, a Juntos pela Catalunha, somou mais deputados do que o partido de Oriol Junqueras – uma surpresa total, já que as sondagens ora davam a vitória à ERC ora ao C’s, nunca à candidatura daquele que se diz o “presidente legítimo”.

“Hoje, o 155 acabou nas urnas”, foi a primeira frase com que a Juntos pelo Sim comentou os resultados. “Felicitamos a Esquerda e a CUP. A vitória do independentismo é de todos”, afirmou Elsa Artadia, a dirigente do PDeCAT (Partido Democrata Europeu da Catalunha) a quem Puigdemont entregou a gestão da campanha da sua lista.

Pouco depois, subiam ao palco montado na Estação do Norte os principais dirigentes da ERC, todos em redor de Marta Rovira, “número dois” de Junqueras, a líder enquanto este se mantiver na cadeia de Estremera. “Cidadãos e cidadãs da Catalunha, há uma soma independentista, há uma maioria republicana. As forças independentistas e republicanas voltaram a ganhar as eleições na Catalunha, apesar da ofensiva judicial, policial, da repressão de Madrid, de Oriol [preso], dos Jordis [presos], do presidente no exílio”, felicitou-se Rovira.

Para Rovira, quem perdeu foi “Rajoy que planeou estas eleições como um plebiscito ao 155”. “Fará Rajoy o favor de se sentar a uma mesa de negociações, respeitará o jogo democrático? Liberte os presos políticos e sente-se a negociar como sempre lhe pedimos!”, afirmou. “Ganhou o mandato democrático de 1 de Outubro”, disse ainda, lembrando o referendo sobre a independência, quando 2,2 milhões de catalães votaram, muitos enfrentando cargas policiais.

Oriol e a República

“Viva a República”, gritou Rovira. “E viva Oriol, que de certeza nos está a ver”, disse.

Estamos em condições de afirmar que os cidadãos da Catalunha revogaram o 155 e a suspensão da autonomia”, já tinha afirmando noutro palco Agustí Alcoberro, actual presidente da Associação Nacional Catalã, a organização que manteve viva a causa do independentismo até os partidos nela pegarem, e cujo ex-líder, Jordi Sànchez, está detido e é “número dois” da lista de Puigdemont.

“Estas eleições foram ganhas pelo Cidadãos. Desde o PP felicitamo-los”, reagiu o líder menos votado e um dos primeiros a comentar o escrutínio, Xavier García Albiol. Admitiu “um mau resultado” e disse não ser possível “sentir-se orgulhoso”, depois de descer de onze para três deputados. Sobre o resultado, defendeu, é “sobretudo mau para o futuro da Catalunha com uma possível maioria independentista no parlamento”

Mais do que possível, é certa essa maioria, mesmo com 16 deputados detidos, exilados ou sob investigação. “O voto da tua vida”, chamou às eleições o jornal catalão El Periódico. Para muitos, terá mesmo sido.

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