Centeno e Moscovici, uma dupla de “mãos dadas” a olhar para a Europa e não apenas para o euro

Numa curta visita a Lisboa, comissário Moscovici almoçou com Costa, seguiu para o Banco de Portugal e esteve com Centeno a preparar a reforma da moeda única.

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Moscovici diz que não há “nuvens negras” entre Portugal e a Comissão quanto ao défice Mário Cruz/Lusa

Quando ao final da tarde de quarta-feira Pierre Moscovici passou a Avenida Infante D. Henrique em Lisboa e entrou no edifício do Ministério das Finanças para se encontrar com Mário Centeno, esperava-o, mais do que o ministro das Finanças, o presidente eleito do Eurogrupo.

O encontro de trabalho à porta fechada prolongar-se-ia por mais de duas horas, até depois das oito da noite. Foi o culminar de um dia de reuniões ao mais alto nível em Portugal – Moscovici almoçara com o primeiro-ministro, antes de António Costa ir ao debate quinzenal no Parlamento, e durante a tarde estivera reunido com o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e a número dois do supervisor, Elisa Ferreira.

A reunião com Centeno serviu para preparar o arranque da caminhada no Eurogrupo a partir de 13 de Janeiro, quando o holandês Jeroen Dijsselbloem deixar o cargo e o ministro português passar a ter em mãos a tarefa de se articular com os responsáveis das instituições europeias para relançar a chamada “reforma da zona euro”.

Mas discuti-la significa não apenas pensar no futuro da moeda única, implica pensar na Europa como um todo. Isso mesmo – a necessidade de haver uma “abordagem inclusiva” – foi defendido nesta quinta-feira por Moscovici numa conferência de imprensa que serviu tanto para fazer o balanço das reuniões da véspera como para desfiar algumas das ideias que caberá a Centeno discutir.

Nas sugestões já apresentadas pelo executivo comunitário estão ideias como a de criar um fundo monetário europeu, dar à zona euro capacidade orçamental para ajudar a estabilizar as economias que sofram choques ou instituir a figura de um ministro das Finanças da moeda única. “Quando falamos da UE, não falamos só da zona euro, falamos de toda a Europa”, afirmou Moscovici. E o que se passou dentro de portas na reunião? “A mensagem que transmiti ao Mário foi a de que temos de ter ambição”.

O comissário francês já participa nas reuniões dos ministros das Finanças da moeda única e promete que o executivo comunitário vai trabalhar “de mãos dadas com o presidente do Eurogrupo”, como já acontecia antes com Jeroen Dijsselbloem e com Jean Claude-Juncker. Fazê-lo lado a lado, ressalvou, não significa que o presidente do Eurogrupo, seja quem for, “tenha de seguir a linha da Comissão, só significa que ambas as partes partilham uma visão, de que o pacote da Comissão é a linha de trabalho que deve ser seguida”. Mário Centeno, insistiu, vai liderar o Eurogrupo “sozinho, num enquadramento colectivo”, em que Bruxelas tem um papel “especial” por ser “uma força motriz” na Europa. Cabe ao executivo comunitário avaliar os países, os orçamentos ou emitir recomendações, sublinhou.

Défice abaixo de 1,3%

Moscovici saiu confiante dos encontros com o Governo, mostrando-se tranquilo quanto ao andamento das contas públicas. António Costa, confidenciou, dissera-lhe em privado o que já afirmara em público em relação ao cumprimento do défice. Dois dias antes, surgira uma declaração do primeiro-ministro com uma garantia: o défice irá ficar abaixo da meta dos 1,4% do PIB. E poucas horas depois da declaração de Moscovici, Costa voltava a falar e, aí, já dando como certo que o défice ficará abaixo de 1,3%.

Moscovici notou que os indicadores de Portugal se têm revelado “melhores do que as previsões”. Há, no entanto, desafios que, alerta, Portugal ainda enfrenta. Para Bruxelas, o país está em risco de incumprimento por causa do esforço de redução do chamado défice estrutural (o défice sem contar com efeitos de ordem conjuntural). Embora não veja “nuvens negras”, não deixa de lembrar que Bruxelas já emitiu a sua opinião sobre isso.

Centeno lançou há dias a ideia de realizar em Lisboa as reuniões do Eurogrupo mais importantes. Moscovici não descarta a ideia (“Por que não?”), mas nem sempre poderá acontecer, até porque as infra-estruturas do Conselho Europeu estão em Bruxelas, ao lado da Comissão. Mas não é uma ideia que lhe desagrade. Moscovici gosta de Lisboa e brinca que Portugal tem outros recursos... naturais. Estava um dia soalheiro na capital portuguesa e Moscovici referia-se ao sol que espreitava pela janela à sua direita. Do edifício da Representação da Comissão não se viam nuvens negras.

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